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Nos 460 anos de SP, relembre o 1º crime e protesto da capital paulista

Prestes a completar 460 anos (25 de janeiro), a cidade passou por significativas transformações, mas a realidade atual, engendrada pelos personagens cotidianos, assemelha-se, em certo pontos, à de muitos anos atrás.

24/1/2014

Antes de ser "Pauliceia Desvairada", SP foi a "Capital da Solidão". Prestes a completar 460 anos (25 de janeiro), a cidade passou por significativas transformações, mas a realidade atual, engendrada pelos personagens cotidianos, assemelha-se, em certo pontos, à de muitos anos atrás. O que se vê é que ao longo de mais de quatro centenas de anos, a protagonista deste enredo é a cidade, mas os coadjuvantes continuam a fazer dela um lugar especialmente memorável, repleto de recordações prontas a serem revividas, infinitamente.

O primeiro crime registrado em São Paulo

Sobre o primeiro crime ocorrido em São Paulo, "ou, por outra, o primeiro crime célebre, dos que mobilizam a opinião e ficam registrados para a posteridade", o jornalista Roberto Pompeu de Toledo conta, em seu livro A Capital da Solidão, que "teve por cenário as bandas ermas do Guaré, (...) um lugar situado além da colina, lá para o norte, onde em certa época se costumava banhar o gado, tornado conhecido e frequentado depois que ali se implantou uma pequena ermida, dedicada a Nossa Senhora da Luz (...), pelo português Domingos Luís, povoador de destaque da São Paulo primitiva, e patriarca de muitas antigas famílias paulistas", em localidade que mais tarde daria origem ao Bairro da Luz.

Conta a história que no mês de novembro de 1583 estavam hospedados "talvez na própria ermida, talvez numa construção anexa", três frades espanhóis, entre os quais um conhecido como irmão Diego, da Ordem Franciscana. Os três integravam missão espanhola ao Rio da Prata, e antes de voltar à Espanha, permitiram-se uma estadia na vila do planalto. Pompeu de Toledo bem lembra que a essa época as coroas de Portugal e Espanha encontravam-se unidas. Como é sabido, a Ordem Franciscana é mendicante; em uma de suas caminhadas de exploração pela província, irmão Diego teria encontrado um soldado coxo, a quem teria pedido esmolas. Como resposta, teria encontrado xingamentos, um verdadeiro acesso de raiva e por fim, a morte violenta, "por repetidos golpes e mortais feridas", conforme registrou frei Jaboatão, autor de um dos primeiros relatos do Brasil, outro franciscano.

Não bastasse a comoção, continua Pompeu, o crime suscitou questões práticas. Onde trancafiar o criminoso, se a vila não possuía cadeia? Não só prédio faltava, mas também carcereiro, corrente, grilhões, cadeado. Não se tem notícia, afirma, da sorte do assassino do irmão Diego. À disposição das autoridades da época, contudo, havia "recurso muito menos trabalhoso e muito mais expedito que o cárcere": a forca. "Podia-se, por decisão do juiz da vila, uma vez ouvido o capitão-mor da capitania, mandar desta para melhor, sem maiores cerimônias, escravos, negros, índios, mulatos e bastardos."

O problema com a forca, explica o jornalista a partir dos registros do Visconde de Taunay, era mantê-la de pé: erguiam-na as autoridades e o povo a derrubava, talvez pela repugnância ou superstição de tê-la à vista, perto de casa. "Da área central da vila a forca foi despachada para lugares mais distantes, cada vez mais – para a margem do Tamanduateí primeiro, depois para a elevação conhecida como 'o outeiro da Tabatinguera', depois para um lugar descrito como 'no caminho do Ibirapuera'."

Para gente mais graúda, reservava-se o processo, despachado para a Bahia ou mesmo para Lisboa.


Avenida Paulista no dia de sua inauguração, 1891. Aquarela de Jules-Victor-André Martin.

O primeiro protesto de rua

Almejado desde a chegada dos portugueses, o ouro foi finalmente descoberto em grande escala, nas décadas finais do século XVII, por paulistas que se aventuravam atrás do metal precioso em Minas Gerais. Segundo Pompeu de Toledo, em princípio se imaginava que a façanha traria robusta prosperidade à vila. No entanto, o que se deu foi o inverso: "Se a pasmaceira e a penúria já castigavam São Paulo (...) mais ainda se acentuariam com a debandada que, em busca da fortuna fácil, seguiu-se às notícias dos ricos veios. (...) De resto, se faltavam escravos, faltavam também senhores. Os paulistas iam agora em massa para as minas."

Concomitantemente à descoberta do ouro das Gerais, SP se viu frente a uma sucessão de arruaças, tendo por pano de fundo questões de preço e valor da moeda. Narram os volumes históricos do jornalista que na tarde de 3 de agosto de 1692, o sino da Câmara – recurso que comumente era utilizado para convocar as pessoas a se reunir em assembleia e tomar decisões importantes – pôs-se a soar pelas mãos de um corajoso miúdo. "Alguém ali se infiltrara e a intenção, não havia dúvida, só podia ser a de causar confusão".

Momentos depois a praça estava cheia de "uma turba exaltada", que exigia a convocação imediata de sessão da Câmara. Sem poder se esquivar dos clamores da massa, assim foi feito. O que se pedia era a fixação dos preços dos tecidos, em torno dos quais reinava completa balbúrdia. Prometeu-se que a reivindicação seria atendida, lavrando-se uma solene ata a respeito, com o que a manifestação se dissolveu. "Logo depois, a Câmara baixava um ato que, chegando a nossos dias, tem a curiosidade de revelar os panos então em voga (...)."

Melhor sorte não assistiu ao improvisado sineiro. O juiz Pedro Ortiz de Camargo, homem com fama de espírito colérico, mandou logo prendê-lo.

S.Pedro, 1827. Aquerela de Jean-Baptiste Debret.


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Referência bibliográfica

TOLEDO, Roberto Pompeu de. A Capital da Solidão. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.

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