O decreto 8.033/13, que regulamenta o disposto na lei 12.815/13 (lei dos portos) e as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados e de instalações portuárias foi publicado na ultima sexta-feira, 28/6.
Em entrevista ao Migalhas, os advogados Alexandre Sales Cabral Arlota do escritório Kincaid | Mendes Vianna Advogados e Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo da banca Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados apresentam os aspectos positivos e negativos do decreto.
1. A regulamentação aprovada resolve os principais gargalos do setor portuário?
Rodolfo: A nova regulamentação dos portos aborda os principais problemas do setor, sendo um passo importantíssimo para o desenvolvimento da infraestrutura portuária brasileira, mas não resolve de imediato os gargalos vivenciados na prática. Muitas das mudanças dependerão da reorganização do setor e de grandes investimentos seja por parte do governo, seja por parte dos particulares e isso, sem dúvida, não será feito da noite para o dia.
Alexandre: Especificamente, em relação aos gargalos do setor portuário, o objetivo do governo é estimular o aporte de investimentos privados, em atenção a uma demanda estimada em mais de R$ 50 bilhões. Não subsistindo os limites à movimentação de cargas de terceiros, os portos privados não mais dependerão da capacidade de o autorizado/proprietário do terminal gerar e movimentar sua própria carga, permitindo às instituições bancárias considerar a expectativa da movimentação da carga de terceiros no financiamento dos projetos, o que certamente contribuirá para estruturas de Project Finance mais racionais e menos dispendiosas.
Há, porém, outros pontos que ainda não estão suficientemente claros nos atos expedidos, e que podem desestimular investimentos, ao menos em um primeiro momento. O fato de a mudança regulatória ter se dado com certa instabilidade, passando pela edição de uma medida provisória (MP 595/12), extensas emendas no Congresso ao projeto de lei de conversão e posterior veto da Presidência da República a 13 dispositivos que constavam da redação encaminhada pelo Congresso, traz, também, insegurança aos empreendedores.
2. Quais os principais pontos positivos da regulamentação?
Rodolfo: O principal ponto positivo da nova regulamentação é a ampliação da concorrência, permitindo a entrada de novas empresas do setor, com o objetivo de ampliar e modernizar a infraestrutura e os serviços portuários brasileiros. Várias medidas da regulamentação apontam para esse mesmo objetivo, por exemplo, a forma de exploração dos serviços portuários fora do porto organizado, os chamados terminais portuários privados.
A regulamentação anterior era muito restritiva a esse tipo de serviço. Já a nova regulação o favorece, facilitando que terminais instalados fora do porto organizado movimentem também cargas de terceiros, o que aumentará a concorrência no setor e, espera-se, melhorará o serviços e reduzirá o preços.
Alexandre: Um ponto positivo é a revogação do decreto 6.620/2008, o qual instituía restrições à movimentação de carga de terceiros em terminais privativos, e cuja revogação, injustificadamente, não fora expressamente estabelecida pela lei 12.815/13.
Sob a égide da lei dos portos anterior, lei 8.630/93, os terminais de uso privativo dividiam-se em duas espécies. Nos terminais de uso privativo exclusivo, o particular poderia movimentar unicamente carga própria; ao passo que nos terminais de uso privativo misto, admitia-se que, complementarmente à sua carga, o autorizado movimentasse carga de terceiros, desde que em base eventual e subsidiária.
Essa limitação, fundada em critérios excessivamente abstratos, dirigia-se a impedir que os terminais de uso privativo, os quais possuíam regulação mais frouxa e, consequentemente, custos menores que os terminais de uso público, se constituíssem como concorrentes destes. Cabia, portanto, ao autorizado de um terminal de uso privativo demonstrar, independentemente do regime de uso eleito – se exclusivo ou misto - que teria carga própria em volume suficiente para justificar a correspondente autorização. Na nova regulação, essa distinção entre carga própria e carga de terceiro resta superada.
3. Existem pontos negativos?
Rodolfo: Vejo como negativos certos pontos da regulamentação que permitem uma maior intervenção do governo nos contratos. Por exemplo, deixar a possibilidade e o prazo de prorrogação dos contratos de concessão e de arrendamento a critério do governo ou a competência exclusiva da Antaq para a definição de critérios de julgamento para os casos de haver mais de um projeto para exploração portuária na mesma região geográfica. Em contratos de infraestrutura, como o da instalação e exploração de um terminal portuário, é necessário um elevado grau de previsibilidade e segurança para atrair o volume de investimentos necessário. A existência de pontos de instabilidade na regulamentação pode dificultar seu objetivo principal que é a transformação do setor.
Alexandre: Há muitas questões que, mesmo com o decreto 8.033/13, não estão definidas. Particularmente, o processo de chamada pública, que antecede a outorga da autorização dos terminais privados, de modo a avaliar se há outros interessados em estabelecer empreendimento similar em área próxima àquele, cuja autorização foi requerida, tem sido criticado pelo setor.
O entendimento da Administração Pública ampara-se no fato de que, uma vez que os terminais de uso privado poderão considerar a movimentação de carga de terceiro sem limite, mais de um projeto - em áreas próximas – pode contar com volume e natureza de carga similar, de forma que o estabelecimento de um terminal poderia inviabilizar o estabelecimento de outros. Dessa forma, em havendo mais de um interessado no processo de chamada pública, passar-se-ia a uma seleção pública. Os contornos de todo esse processo permanecem, contudo, nebulosos, o que é um problema.
4. Segundo o decreto, será instituído em cada porto um conselho de autoridade portuária, órgão consultivo da administração do porto. Quais as aspectos positivos desses conselhos?
Rodolfo: A criação dos Conselhos de Autoridade Portuária é positiva, pois fomenta e cria um local adequado para a discussão das diretrizes e objetivos de cada porto organizado. Vejo como seu objetivo principal o diálogo constante entre os representantes do Poder Público, das Empresas (tanto as que fornecem o serviço, quanto as que o utilizam) e dos trabalhadores em busca da racionalização e otimização do serviço e aumento de competitividade daquele porto específico. Os problemas de cada porto podem ser tratados e resolvidos de forma pontual pelos próprios interessados.
Alexandre: Na verdade, o CAP - Conselho da Autoridade Portuária - já constava do marco regulatório anterior. Cada CAP detinha atribuições importantes no correspondente Porto Organizado em que deveria atuar, estabelecendo, por exemplo, as normas a serem observadas para a habilitação dos operadores portuários. Além disso, o CAP poderia arbitrar conflitos que eventualmente ocorressem no Porto Organizado que lhe competisse. Pela nova regulação, promoveu-se uma centralização administrativa, e o papel dos CAPs foi reduzido, passando os conselhos a desempenhar uma função meramente consultiva.
Em que pese essa alteração qualitativa, a primazia do Poder Público na formação dos CAPs foi reforçada: a Administração Pública indicará oito dos dezesseis membros que formarão o CAP, e a SEP apontará, necessariamente, o presidente de cada CAP, o que também tem motivado críticas do setor privado.
5. A nova regulamentação também cria o Fórum Nacional Permanente para Qualificação do Trabalhador Portuário. Quais são os benefícios diretos da criação desse fórum?
Rodolfo: A criação do Fórum Nacional Permanente para Qualificação do Trabalhador Portuário é outro ponto positivo de destaque na nova regulamentação. Um dos principais problemas apontados para o crescimento e melhoria do setor é a necessidade de mais mão de obra especializada, bem como de treinamento dos trabalhadores portuários já existentes para lidarem com novas formas e tecnologias de movimentação de cargas. O Fórum Nacional Permanente propõe-se a suprir tal necessidade formando e treinando mais trabalhadores portuários.
Alexandre: Em linhas gerais, o Fórum Nacional Permanente para Qualificação do Trabalhador Portuário parece se propor a funcionar como um espaço para a discussão dos temas afeitos ao trabalhador portuário e ao aprimoramento de sua qualificação. O debate é extremamente saudável à sociedade; do ponto de vista prático, contudo, essa iniciativa pode acabar prejudicada, em decorrência da multiplicidade de instâncias e da pulverização dos esforços.