Migalhas Quentes

PF não pode limitar controle externo pelo MPF

Controle externo da atividade policial é da natureza essencial do MP.

29/5/2013

O controle externo da atividade policial é da natureza essencial do MP, por se tratar de um dos seus modos de atuação como fiscal da lei. Com esse entendimento, o ministro Humberto Martins reconheceu o direito líquido e certo do MPF a obter documentação relativa a equipamentos e servidores da PF no RS.

A decisão afasta as restrições impostas pela resolução 1/10 do Conselho Superior de Polícia da PF, que buscava limitar o controle externo da atividade policial pelo MPF. Para o ministro, a norma interna da PF contraria a lei que regula os poderes de fiscalização concedidos pela CF ao MPF.

Documentos internos

Na origem, o MPF ingressou com mandado de segurança contra o delegado da PF de Santo Ângelo/RS, buscando acesso a documentos relativos a servidores e terceirizados em exercício e afastados na unidade, coletes à prova de balas disponíveis e seus prazos de validade, ordens de missão policial expedidas nos doze meses anteriores e registros de sindicâncias e procedimentos disciplinares no mesmo período.

O juiz concedeu o pedido, mas a União recorreu. No TRF da 4ª região, os magistrados entenderam que “a ingerência do MP na organização interna da polícia” era “incabível” e que a resolução era legal.

Para o TRF, o MPF só poderia fiscalizara a atuação da PF no contexto da atividade investigativa, para garantir a legalidade e eficiência das provas colhidas para formação da denúncia.

Limitação ilegal

No recurso especial ao STJ, o MPF alegava que a requisição dos documentos, além de estar contida no poder-dever fiscalizatório do órgão, é medida preliminar para averiguação das medidas que possam ser necessárias. Por isso, a resolução do CSP deveria ser considerada ilegal, por limitar os recursos do MPF para fiscalização policial externa.

O ministro Humberto Martins entendeu que a decisão do TRF contraria o Estatuto do MP da União (LC 75/93). Para ele, os documentos buscados pelo MPF estão diretamente vinculados à sua atividade-fim de controle externo da atividade policial.

__________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.365.910 - RS (2013/0026070-9)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RECORRIDO : UNIÃO EMENTA

ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL. ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL. ACESSO A DOCUMENTOS E EXTRAÇÃO DE CÓPIAS. ATUAÇÃO COMO CUSTOS LEGIS . POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DECISÃO

Vistos.

Cuida-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim ementado (fl. 428, e-STJ):

"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ATIVIDADE POLICIAL. CONTROLE EXTERNO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RESOLUÇÃO 01/2010 DO CONSELHO SUPERIOR DE POLÍCIA.

. Hipótese em que não se verifica a perda superveniente de objeto do mandado de segurança, pois a pretensão do impetrante permanece no que se refere a um dos pedidos formulados na inicial.

. As normas que disciplinam as relações entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária devem ser interpretadas de forma sistemática e teleológica, de acordo com sua racionalidade e objetivos próprios.

. O controle externo do Ministério Público visa a assegurar a efetiva fiscalização do Parquet na atividade investigativa, de modo a garantir a legalidade dos atos, a preservação dos direitos fundamentais e a eficiência do material colhido para a formação da opinio delicti. Esse controle está inserido no sistema de freios e contrapesos existente entre os Poderes e instituições para garantia do sistema acusatório.

. Incabível a ingerência do Ministério Público na organização interna da polícia.

. Reconhecida a legalidade da Resolução nº 01, de 26 de março de 2010, do Conselho Superior de Polícia.

. Apelação e remessa oficial providas."

Os embargos de declaração opostos pelo recorrente foram providos exclusivamente para fins de prequestionamento (fls. 444/445, e-STJ).

Nas razões do recurso especial, o recorrente aponta violação do art. 9º da Lei Complementar n. 75/93 (fls. 452/460, e-STJ).

Informa que, no caso em análise, o Parquet Federal impetrou mandado de segurança contra Delegado da Polícia Federal de Santo Ângelo/RS, visando ao acesso à documentação necessária à inspeção a ser realizada no exercício do controle externo da Polícia Federal, porquanto lhe foi negado o acesso a tais documentos: (I) relação de servidores e contratados em exercício na unidade, com especificação daqueles atualmente afastados (em missão, reforço, operação, entre outros); (II) relação de coletes balísticos da unidade, discriminando-se os vencidos e os dentro do prazo de validade; (III) pasta com ordens de missão policial (OMP) expedidas nos últimos 12 (doze) meses; e livros relacionados a sindicâncias e procedimentos disciplinares realizados nos últimos 12 (doze) meses.

Aduz que, não obstante a concessão da segurança Juízo de primeiro grau, o Tribunal regional deu provimento à apelação interposta pela União, a fim de denegar a ordem.

Acresce que o acórdão recorrido violou dispositivo legal supramencionado, haja vista que a mera requisição dos aludidos documentos, além de concretizar o poder-dever fiscalizatório do Ministério Público, é medida preliminar para averiguação do âmbito da ingerência que, porventura, se mostre cabível, razão pela qual deve ser reconhecida a ilegalidade da Resolução n. 1/2010, do Conselho Superior de Polícia, por limitar os recursos de que dispõe o Parquet para promover a fiscalização policial externa.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 486/493, e-STJ), sobreveio o juízo de admissibilidade positivo da instância de origem (fls. 509/510, e-STJ).

É, no essencial, o relatório.

O recurso especial deve ser provido.

Com efeito, o Ministério Público está autorizado pela Carta Magna de 1988 a promover as medidas necessárias à efetivação dos direitos constitucionalmente assegurados, sendo uma de suas funções institucionais "exercer o controle externo da atividade policial" , ex vi do disposto no art. 129, VII, da Constituição Federal.

É dizer: o controle externo da atividade policial, além de outras funções institucionais do Ministério Público, é ínsito ao Parquet , como um de seus modos de estar na contínua atuação de custos legis para a defesa da lei.

Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, consoante se infere da seguinte ementa exemplar:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos do Provimento nº 07, de 02 de outubro de 1997, do Corregedor-Geral da Justiça e do Ato PGJ nº 093, de 02 de outubro de 1997, do Procurador-Geral de Justiça, ambos do Estado de Pernambuco. - Provimentos que não são regulamentos autônomos de textos constitucionais para disciplinar, ainda que parcialmente, o controle externo da atividade policial, pois os dispositivos impugnados não dão ao Ministério Público esse controle. - Ademais, esse controle é regulado em leis federais e estadual, e se os textos atacados ultrapassaram o nelas estabelecido ou com elas entrarem em choque, estar-se-á diante de hipótese de ilegalidade, o que escapa do contrato de constitucionalidade dos atos normativos. (...). Ação direta que, preliminarmente, não é conhecida." (ADI 1.968, Rel. Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 1º.2.2000, DJ 4.5.2001.)

Na linha da orientação jurisprudencial da Suprema Corte, consigne-se este precedente do Superior Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL. PRECEDENTES. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PARTICIPAÇÃO DE REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM CONSELHO DISCIPLINAR DA POLÍCIA. POSSIBILIDADE. 1. A sanção administrativa é aplicada para salvaguardar os interesses exclusivamente funcionais da Administração Pública, enquanto a sanção criminal destina-se à proteção da coletividade. Consoante entendimento desta Corte, a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Ademais, a sentença penal somente produz efeitos na seara administrativa, caso o provimento reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria. 2. O Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento no sentido de haver respaldo no texto constitucional a presença de Promotor de Justiça e/ou de Procuradores do Estado no Conselho da Polícia Civil, tendo em vista que a Carta Magna não impede a participação de membros do Ministério Público em órgão consultivo ou de deliberação. Vale ressaltar que a própria Constituição prevê o controle externo da atividade policial como uma das funções institucionais do Ministério Público (art. 129, inciso VII, CF). Além do mais, esta participação no Conselho de Polícia é compatível com a missão do Ministério Público de fiscalizar a legalidade e moralidade pública. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido." (RMS 32.375/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24/5/2011, DJe 31/5/2011.)

Por conseguinte, é inegável que a disponibilização postulada pelo Parquet Federal – relação de coletes balísticos, relatórios de missão policial, relação de servidores em exercício e contratados, livros relacionados a sindicâncias e procedimentos disciplinares, entre outros –, está diretamente vinculada à sua atividade-fim.

Ante o exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou integral provimento ao recurso especial, para, no presente caso, reconhecer a possibilidade de controle externo da atividade policial pelo Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 29 de abril de 2013.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator

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