Migalhas Quentes

Band e jornalista são condenados por afirmar fato sem provas

Reportagem apontava fabricante de corante como vendedora de produtos para adulteração de combustível.

16/1/2013

O juiz da 5ª vara Cível de SP, Francisco Carlos Inouye Shintate, condenou a emissora de rádio Band e o jornalista Agostinho Teixeira a indenizarem em R$ 100 mil uma empresa fabricante de corantes por reportagem que a apontava como vendedora de produtos para adulteração de combustível.

A emissora divulgou notícias de que a empresa teria praticado o ilícito sem identificar quem deu a informação ou ter outros meios de prova que comprovassem o divulgado.

O magistrado, ao analisar o caso, ponderou que “o direito de personalidade prevalece sobre o sigilo da fonte e a liberdade de informação. Ao afirmar fato sem ter provas, o órgão de imprensa divulgou fato falso”. E concluiu, ao fixar os danos morais, “ilícita a ação, que causou gravame à imagem da autora dada a grande circulação em âmbito nacional e na internet”.

A Band ainda deve publicar resposta da parte autora, consistente na sentença, nos mesmos veículos de comunicação e com o mesmo destaque, de acordo com a determinação judicial.

A advogada Patrícia Dias e Silva, do escritório Dias, Yamada, Raimundo & Sehn – Sociedade de Advogados representou a empresa de corantes.

___________

SENTENÇA

Processo nº: 0007180-20.2012.8.26.0011

Classe - Assunto Procedimento Ordinário - Indenização por Dano Moral

Requerente: Corin Corantes Indústriais Ltda.

Requerido: Rádio Televisão Bandeirantes Ltda e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Francisco Carlos Inouye Shintate

Vistos etc.

CORIN CORANTES INDUSTRIAIS LTDA. promoveu ação condenatória, pelo rito ordinário, em face de RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA. E AGOSTINHO TEIXEIRA, alegando em síntese: a) a primeira ré fez divulgar informação inverídica e ofensiva, em reportagem do segundo réu, segundo a qual a parte autora venderia corantes para adulteração de combustível; c) a ação da ré foi ilícita, e gerou-lhe danos materiais e morais. Pretende seja a ré condenada no pagamento de indenização por danos materiais e morais, bem como a retratação dos fatos, com os consectários de lei. Com a inicial juntou documentos (fls. 26/55). Houve emenda à inicial (fls. 87/88), para excluir o pedido de lucros cessantes, que foi deferida (fls. 89).

A ré BANDEIRANTES foi citada (fls. 97) e contestou a ação (fls. 189/219), alegando em síntese: a) no mérito, a divulgação da reportagem foi regular, com base em fatos, não foi ofensiva, não existem danos a serem indenizados, além do que o valor pleiteado é excessivo. Juntou documentos (fls. 155/174). O réu AGOSTINHO foi citado (fls. 97) e contestou a ação (fls. 169/188), alegando em síntese: a) no mérito, a divulgação da reportagem foi regular, com base em fatos, não foi ofensiva, não existem danos a serem indenizados, além do que o valor pleiteado é excessivo. Não juntou documentos. Em réplica (fls. 224/235), o autor rebateu a matéria argüida em contestação e pediu a procedência da ação.

É o relatório.

DECIDO.

Cabe o julgamento antecipado da lide, pois as questões são de direito e os fatos já se encontram provados nos autos.

No mérito, a presente ação é procedente.

A questão central refere-se à divulgação de notícia de o autor teria praticado ilícito, ao vender corantes para adulteração de combustível.

Preambularmente, necessário ressaltar-se que a responsabilidade civil da empresa jornalística é subjetiva, na medida em que depende da apuração do ato ilícito, do nexo de causalidade entre a conduta e o dano que se busca reparar, tal como se requer nas pretensões indenizatórias no direito privado em geral.

Noutro giro, a responsabilidade não é objetiva, razão por que necessário, para incidência da norma jurídica de indenização, prova suficiente da conduta ilícita, do dano e do nexo causal, que compõem o seu antecedente. Nesse sentido, entre outros:

Indenização Danos morais (...) Havendo os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, culpa, o nexo de causalidade e o dano, exsurge clara a obrigação de indenizar que nada mais é do que a conseqüência jurídica do ato ilícito.” (TJSP, Ap. n.º 218.449-1, Rel. Des. ANTONIO MANSUR)

Responsabilidade civil Exercício da liberdade de manifestação de pensamento e informação Dano moral resultante de informação veiculada Falta de prova de dolo ou culpa Ação de indenização improcedente Aplicação do artigo 49 da lei nº 5.250/67. O dano moral, reparável pelo exercício da liberdade de informação, tem fundamento na violação de direito ou no prejuízo mediante dolo ou culpa.” (TJSP, Ap. 170.040, 2ª Câm., Rel. Des. CORRÊA GOMES)

Desta forma, para o surgimento da relação jurídica de responsabilidade civil dos meios de comunicação, com a obrigação de indenizar em seu conseqüente, deve-se demonstrar (prova que cabe a quem alega o fato - Código de Processo Civil, art. 333, I): a) a ação ou omissão voluntária (dolo), ou decorrente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa); b) o dano injusto causado a outrem; e c) o nexo de causalidade entre a ação do agente e o resultado danoso.

São regras constitucionais que “é assegurado a todos o acesso à informação” (Constituição da República art. 5º, XIV, CF) e que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (Constituição da República, art. 220, § 1º). Da mesma forma, tem-se “ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura” (Constituição da República, art. 5º, IX).

Tem-se, desta maneira, a contraposição do direito à informação, e o direito à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (Constituição da República, art. 5º, X).

É lição da doutrina que, no conflito de princípios constitucionais na relação individual e concreta, há um iter a ser percorrido pelo julgador, em que cabe a ele eleger o valor a ser tutelado:

“1. Identificam-se, em razão de um determinado fato da vida, os princípios, não no plano abstrato, mas no caso concreto (o aludido magistrado sugere, inclusive, como exemplo para a hipótese, por coincidência, o princípio da liberdade de imprensa versus o do direito à privacidade); 2. mediante o que se chama de 'regra de conformação ou de concordância entre princípios colidentes', manda solucionar a questão, ponderando-se os valores em conflito a fim de identificar o que deve prevalecer no caso examinado; e 3. como conseqüência, salienta a restrição ou limitação de um ou de ambos os princípios, mas não elimina nem exclui qualquer deles do sistema jurídico enfocado.”

“ (...) Ocorrendo a colisão entre dois princípios, dá-se valor decisório ao princípio que, no caso, tenha um peso relativamente maior, sem que por isso fique invalidado o princípio com peso relativamente menor.” (ZAVASCKI, Teori. Os princípios constitucionais do processo e as suas limitações apud. ROCHA, Eládio Torret. Ética, Liberdade de Informação, Direito à Privacidade e Reparação Civil pelos ilícitos da imprensa)

Sobre o tema, preleciona ANTÔNIO CHAVES:

Nem sempre é fácil determinar se o direito da coletividade à informação deve prevalecer ou se o indivíduo tem também uma esfera que o público, consequentemente a imprensa, deve respeitar.”

“(...) Assim, o direito de informação deve ser o mais amplo possível enquanto não conflitar com interesses considerados maiores. O interesse da coletividade em ser informada impõe a si mesma um limite, quando a divulgação de fatos venham a destruir a pessoa humana em sua dignidade e grandeza. O direito à informação existe em função do desenvolvimento da personalidade e não para a sua destruição.” (CHAVES, Antonio. Informática. Captação audiovisual. Informática e os direitos da personalidade.)

Portanto, embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princípio constitucional, não se pode esquecer que, pari passu a esta garantia, por igual vigora outro princípio, da mesma hierarquia, que garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem do indivíduo.

Desta forma, é limite da liberdade de imprensa os direitos da personalidade, igualmente tutelados pelo sistema constitucional. O que não implica censura da imprensa livre, mas estabelece que a liberdade de imprensa é ampla, mas não absoluta, nem ilimitada. Sobre essa questão, já se disse:

A liberdade ilimitada, distanciada do interesse social e do bem comum não é conciliável no mundo contemporâneo, porque se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização deve ser limitada pelo interesse coletivo, condicionado seu exercício ao destino do patrimônio moral da sociedade, do Estado e dos próprios indivíduos.” (NOBRE, Freitas. Comentários à lei de imprensa, p. 6).

Para tanto, há de se delimitar o limite de aplicabilidade das duas regras constitucionais - o de informar e criticar, de um lado, e o de resguardar a intimidade, a honra, vida privada e imagem, de outro. A respeito, preleciona CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY:

“(...) Se são direitos de igual dignidade e se para solução de seu conflito não há recurso possível” aos critérios “que tomam por base a hierarquia, cronologia ou especialidade dos dispositivos que o contemplam”, impõe recorrer ao critério eqüitativo, “juízo de ponderação que se faz entre a honra, privacidade, imagem da pessoa, de um lado, e a liberdade de expressão e comunicação, de outro.” (GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A Liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. Ed. Atlas, p.71/74).

Veja-se, ainda, sobre o mesmo tema:

Assim pode-se afirmar, e a conclusão é natural, que o conteúdo essencial do direito fundamental à intimidade será sempre relativo, quando contraposto ao direito à informação, já que a tarefa de ponderação deve levar em conta que os bens jurídicos constitucionais encontram-se mútua e reciprocamente condicionados, visto que o seu 'conteúdo essencial' não tem dimensão abstrata, independente dos critérios hermenêuticos, do juízo valorativo do intérprete, nem está apto a significar uma medida determinada em si mesma, separada da totalidade da Constituição. (FLACH, Daisson. O direito à intimidade e à vida privada e a disciplina dos meios de comunicação. in A reconstrução do direito privado. Ed. Revista dos Tribunais, p. 374/375)”

Adota-se aqui, desta maneira, a técnica de ponderação de valores, porque a lide versa sobre direitos de mesma hierarquia constitucional. A imprensa, no cumprimento de seu dever constitucional de bem informar, deve divulgar os fatos que afetem, de alguma forma, a sociedade, em especial quando há evidente interesse público, ou seja, são atingidos valores que lhe são mais caros.

A questão central, portanto, refere-se aos limites da liberdade de imprensa, direito constitucionalmente assegurado. No caso concreto, há um conflito entre a liberdade de informar e o direito de personalidade.

Como afirmado na inicial, o enfoque da reportagem era noticiar fatos relativos a adulteração ode combustível, com o uso de solventes, e de corantes vendidos pela autora para essa finalidade.

Nesse contexto, é admissível que um órgão de imprensa noticie e critique as ações dos envolvidos. Entretanto, não é admissível que o órgão divulgue reportagem, afirmando que a autora vendia corante para essa finalidade, sem identificar quem deu a informação ou ter outros meios de prova que comprovem o que afirmou. Neste caso concreto, o direito de personalidade prevalece sobre o sigilo da fonte e a liberdade de informação. Ao afirmar fato sem ter provas, o órgão de imprensa divulgou fato falso.

Ilícita a ação, que causou gravame à imagem da autora dada a grande circulação das imagens televisivas em âmbito nacional e na internet, a indenização pelos danos morais é de rigor.

Resta examinar o quantum devido.

No que tange à sua fixação, devem ser considerados a extensão do dano, as condições econômicas das partes e o caráter sancionador dessa indenização, der modo que seja, a um só tempo, suficiente para satisfazer o ofendido e reprimir a prática de novos atos semelhantes pelo causador do dano, sem que se torne fonte de enriquecimento sem causa.

Verifica-se que os danos morais ocorreram, pois foram divulgadas no âmbito de circulação do periódico da autora expressões ofensivas, imputando-a de práticas criminosas, que afetaram a sua esfera imaterial.

Atento a estes fatores, cristalizados na doutrina e na jurisprudência, arbitro a indenização devida pela ré no valor de R$ 100.000,00, quantia razoável e suficiente para a compensação dos danos morais sofridos pela autora e para reprimir a prática de novos atos semelhantes pela demandada. O valor da causa mostra-se excessivo e implicaria enriquecimento ilícito da autora. De se ressaltar que, como consoante entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça não há necessidade de pedido certo na indenização por danos morais, o autor não fica sucumbente no caso de procedência parcial.

No que se refere ao pedido de publicação de resposta (do teor desta sentença) nos mesmos veículos de comunicação, e com o mesmo destaque, deve ser acolhido, já que é um dos meios possíveis para a reparação do dano.

Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente CORIN CORANTES INDUSTRIAIS LTDA. em face de RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA. E AGOSTINHO TEIXEIRA, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, e condeno a parte ré a:

a) pagar à parte autora R$100.000,00 a título de danos morais, atualização monetária a partir da data da sentença e juros de mora legais (1% ao mês) a partir da data da ofensa;

b) a fazer publicar resposta da parte autora, consistente nesta sentença, nos mesmo veículos de comunicação e com o mesmo destaque.

Imponho, ainda, aos vencidos o pagamento das despesas processuais em reembolso, atualizadas desde a data de cada dispêndio, e de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação.

P. R. I.

São Paulo, 4 de dezembro de 2012.

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