STJ concede HC para assegurar ao paciente o direito a progressão de regime
A Sexta Turma do STJ, na sessão do dia 27.9.05, julgando o HC nº 45.906/SP, impetrado pelos advogados Ronaldo Augusto Bretas Marzagão e Rodrigo Otávio Bretas Marzagão, da Advocacia Rocha Barros Sandoval e Ronaldo Marzagão, por maioria de votos, concedeu HC para assegurar ao paciente o direito a progressão de regime.
Veja abaixo cópia da impetração.
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
URGENTE-LIMINAR
RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGÃO, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/SP sob no 123.723, e RODRIGO OTÁVIO BRETAS MARZAGÃO, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/SP sob no 185.070, com escritório na Rua Riachuelo, 67, conj. 62, São Paulo –Capital, com fundamento nos artigos 5o , LXVIII, da Constituição Brasileira, e nos artigos 647 e 648, do Código de Processo Penal, vêm, respeitosamente, impetrar
HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE LIMINAR,
em favor de M. S.,
contra ato da C. Segunda Câmara Criminal de Férias do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, praticado na Apelação nº 390.521.3, pelos motivos que a seguir expõe:
1. DOS FATOS
M. S., ora paciente, foi condenado, nos autos do Processo nº ....., da 2ª Vara Criminal da Comarca de Marília, como incurso, por dez vezes, nos artigos 214, c.c. artigos 71, 224, “a” e “c”, e artigo 226, I e III, todos do Código Penal, à pena de doze anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida integralmente no regime fechado, assim como incurso no artigo 333, do Código Penal, ao cumprimento de um ano de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, além da pena de dez dias-multa (doc. 1).
Inconformado, o paciente apelou da r. sentença para o E. Tribunal de Justiça de São Paulo (doc. 2), postulando a absolvição ou a anulação do processo, alegando, dentre outros pontos, que o atentado violento ao pudor simples, sem resultado lesão corporal ou morte, não é crime hediondo, o que, se reconhecido fosse, lhe permitiria a progressão de regime prisional na hipótese de improcedência do recurso.
A C. Segunda Câmara de Férias do E. Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente a apelação, vencido, em parte, o ilustre Relator que, acolhendo a tese da defesa, dava parcial provimento ao apelo para o fim de fixar, em inicialmente fechado, o regime de cumprimento da pena imposta pela suposta violação do artigo 214, do Código Penal, entendendo que o atentado violento ao pudor, por violência presumida, não é crime hediondo (doc. 3).
Quanto à parte unânime da votação, foram interpostos, anteriormente, os recursos especial e extraordinário, em obséquio às Súmulas 354 e 355, do E. Supremo Tribunal Federal (docs. 4 e 5). Já em relação à parte vencida, o paciente interpôs embargos infringentes para que, nos termos do r. voto vencido, a C. Segunda Câmara de Férias do E. Tribunal de Justiça concedesse ao paciente a progressão de regime prisional diante da ausência, no caso concreto, de crime hediondo (doc. 6).
A C. Segunda Câmara de Férias rejeitou os embargos infringente, por maioria de votos (doc. 7), motivo da presente impetração que objetiva seja conferida ao paciente a possibilidade de progressão de regime prisional, nos da legislação infraconstitucional vigente, reconhecida as teses de que o atentado violento ao pudor, por violência presumida, não configura crime hediondo, e de que a vedação de progressão de regime é inconstitucional frente ao princípio da individualização da pena.
O paciente também interpôs os recursos especial e extraordinário em face do v. acórdão dos embargos infringentes (docs. 8 e 9), o que não obsta a impetração do presente habeas corpus, por se tratar de questão que envolve o seu status libertatis, constitucionalmente protegido (CF, art. 5º, LXVIII).
2. DO DIREITO
No caso em exame, a condenação do paciente deu-se por atentado violento ao pudor, por violência ficta, que teria ocorrido vinte dias antes da suposta vítima completar quatorze anos de idade.
De outro lado, a pretensa vítima já era iniciada sexualmente, sendo prostituída pela própria mãe, a qual supostamente agenciou seu encontro sexual com o paciente. Como conseqüência, não há como negar à adolescente capacidade de aquiescência ao ato libidinoso, mediante paga.
Essa circunstância, à evidência, traz diversidade ao caso em exame, diferenciando-o daquele em que o agente pratica o ato com menor inocente, por ele aliciada, longe da possibilidade de proteção de sua família.
Demais disso, ressalte-se que a adolescente, em depoimento policial posterior acompanhado por membro do Ministério Público, retratou-se das acusações contra o apelante, dizendo, em síntese, que eram falsas e improcedentes (doc. 10).
Essas circunstâncias, por serem incontroversas nos autos, não necessitam exame de prova, bastando a mera leitura para a sua constatação. E devem ser consideradas na análise deste habeas corpus para que se possa fazer ao recorrente justiça sem preconceito.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a matéria objeto do presente writ.
2.1. O r. voto vencido dos embargos infringentes fez profundo exame jurídico do artigo 1º, VI, da Lei nº 8.072/90, concluindo, com inegável acerto:
“Entretanto, se o legislador deu à conjunção “e” o sentido “aditivo”, somente se pode afirmar que constitui crime hediondo o atentado violento ao pudor quando resulta lesão corporal de natureza grave ou a morte da vítima.
A interpretação do julgador não pode prejudicar o réu. Ela deve seguir a intenção do julgador, mas nunca para prejudicar aquele que cometeu um crime. Se o legislador tivesse tido a intenção de considerar o atentado violento ao pudor simples como crime hediondo, ele teria adotado a redação dos incisos anteriores.
Ao estabelecer o homicídio qualificado como crime hediondo, o legislador afirmou que é crime hediondo o pertinente ao art. 121, § 2º, incs. I,II, III, IV e V, do C. Penal. Ao afirmar que o latrocínio é crime hediondo, ele mencionou o art. 157, § 3º, in fine, do C. Penal. Ao dizer que a extorsão é crime hediondo, mencionou o art. 158, § 2º, do C. Penal. Na extorsão mediante seqüestro, mencionou o art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do C. Penal.
Em relação ao atentado violento ao pudor, o legislador não manteve a redação outorgada aos incisos anteriores do art. 1º da Lei nº 8.072/90. Se ele tivesse desejado afirmar que o atentado violento ao pudor simples seria considerado crime hediondo, ele teria mencionado no inc. V, atentado violento ao pudor (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único).
O legislador teve o cuidado de, quando mencionou o art. 223, do C. Penal, inserir a palavra “caput” e parágrafo único para não deixar nenhuma dúvida a respeito de que se a vítima de estupro sofrer lesão corporal grave ou vier a falecer, o delito é hediondo. Ele não teve esse cuidado quando mencionou o art. 214 do C. Penal e, assim, somente se pode reconhecer que a conjunção “e” foi aplicada em seu sentido aditivo, determinando-se que se reconheça crime hediondo somente quando o atentado violento ao pudor for seguido de lesão corporal grave ou morte.”
2.2. Há farta jurisprudência no sentido de que o atentado violento ao pudor simples, sem resultado de lesão corporal ou morte, não é crime hediondo.
Do E. Supremo Tribunal Federal:
“Certo está que não se pode caracterizar como delito hediondo (Lei 8072/90) qualquer forma de atentado violento ao pudor, senão aquelas condutas qualificadas, como quer a Lei nº 8.072/90, nos termos do art. 223, caput e parágrafo único, ou seja, se da violência resulta lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima.” (Supremo Tribunal Federal, no v. acórdão que julgou o Habeas Corpus nº 78.305-4/MG, publicado no DJU de 01.10.99 - Ementário 1965-1).
Do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“Afasta-se a conceituação de crime hediondo, na esteira de recente decisão da colenda 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Hediondo o crime, quando resulta lesão de natureza grave ou morte.” ( Apelação Criminal nº 2000.050.01928).
Do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Regime Prisional - Progressão - Indeferimento - Crime hediondo - Inadmissibilidade - Hipótese de atentado violento ao pudor simples - Inexistência de lesão corporal grave ou morte - Artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 que veda a progressão somente quando se tratar de crime tipicamente hediondo - Decisão insubsistente - Recurso parcialmente provido. O artigo 1º da Lei n. 8.072/90 é categórico no sentido de que o crime previsto no artigo 214 do Código Penal só se torna hediondo quando estiver irmanado ou combinado com o artigo 223, caput e parágrafo único do mesmo diploma legal, sem o que, fica o delito despido de caráter hediondo. (grifou-se - TJSP - Relator: Des. Silva Pinto - Agravo n. 164.181-3 - Pirajuí - 15.08.94)
No mesmo sentido, Apelação Criminal n. 130.429-3 – São Paulo – Rel. Des. Silva Pinto, em 02.05.94; Apelação Criminal n. 157.072-3 – Santos – 5.04.94, Relator Des. Segurado Braz; e Apelação Criminal n. 138.210-3 – Pacaembu – 24.05.93, Relator Des. Luiz Pantaleão.
2.3. No julgamento do Habeas Corpus nº 81.288, a respeito do tema, manifestaram-se, no E. Supremo Tribunal Federal, os ilustres Ministros Marco Aurélio, Néri da Silveira e Sepúlveda Pertence.
Disse o eminente Ministro Marco Aurélio:
“A Lei nº 8.072/90, no artigo 1º, refere-se a outras figuras penais. É sintomático que, apenas em relação ao estupro e ao atentado violento ao pudor, a norma utilize o vocábulo “combinação”.
O ilustre Ministro Néri da Silveira, em aparte durante o julgamento, ponderou, com propriedade, a seus colegas:
“Quando chegamos à conclusão de que a forma simples não configura crime hediondo, mas só a qualificada, não estamos dizendo que o estupro, em sua forma simples, não seja crime grave; tanto o é que a lei já o apena com o mínimo de seis anos de reclusão. É evidente que o nosso sistema penal o considera um crime tão grave como o homicídio, e o homicídio simples não é considerado um crime hediondo. Temos de ver qual é o sentido dessa Lei que escolheu alguns delitos para considerá-los hediondos. O fato de um delito não ser assim considerado não significa que ele não seja grave. Todos sabemos que o crime de roubo é grave, mas, se for na sua forma simples, não na qualificada, não é crime hediondo.”
Tendo o eminente Ministro Sepúlveda Pertence dito, em seu voto, que:
“Não consigo entender, para incluir mais um delito nesse rol infeliz dos crimes hediondos, ser necessário fazer referência – ainda que com uma redação, confesso, infeliz – à forma qualificada de um delito, se a forma simples já merecesse o fogo do inferno dos crimes hediondos.
Compreende-se a referência qualificada, por exemplo, no inciso III do art. 1º, quando só se considerou crime hediondo o crime de extorsão qualificada pela morte. Se se referisse ao estupro simples como hediondo, obviamente não seria necessária a alusão à sua qualificação”.
Acrescentando:
“...continuo convencido de não podermos cair em certa discussão de que o antônimo de crime hediondo, depois dessa infeliz criação da Constituição, é um crime formoso ao que se atribuiu, na forma simples, a mesma pena mínima do homicídio não qualificado, que não é crime hediondo, segundo a ótica do terrorismo penal da Lei nº 8.072. Não chego à anedótica inversão do conhecido conselho de um estadista brasileiro: “mata, mas não estupra’”.
As palavras do eminente Ministro Sepúlveda Pertence servem, em seu espírito, para o caso em julgamento. Se o embargante tivesse praticado homicídio simples contra a ofendida, seria menos severamente apenado e teria direito à progressão de regime.
Mas, como desafortunadamente foi sentenciado por atentado violento ao pudor simples, crime considerado hediondo pelo r. voto vencedor, está condenado a prisão perpétua, pois tem 64 anos, problemas cardíacos, patologia psíquica e, nessas condições, dificilmente conhecerá a liberdade ainda em vida.
2.4. É certo que, no Habeas Corpus nº 81.288, do qual se extraíram os trechos dos votos acima mencionados, o Pleno do E. Supremo Tribunal Federal sufragou, por maioria, a tese que o atentado violento ao pudor simples é crime hediondo.
Contudo, a E. Suprema Corte, ante a sua nova composição, está reexaminando a questão da constitucionalidade da vedação de progressão de regime para os crimes considerados hediondos, no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959-SP, sendo que, no momento, conforme informação obtida no site daquele Tribunal, está mudando de posição, por quatro votos a dois. Os ilustres Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Cezar Peluso e Gilmar Mendes votaram no sentido de modificar o entendimento da E. Suprema Corte, enquanto os ilustres Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa votaram pela manutenção. A ilustre Ministra Ellen Gracie pediu vista.
2.5. Recentemente, a Primeira Turma do E. Supremo Tribunal Federal concedeu, no HC 82.959, por unanimidade, medida cautelar para afastar o óbice do regime integralmente fechado para o paciente, condenado por crime hediondo, sobrestando o julgamento do writ, até decisão definitiva sobre a questão, pelo Tribunal Pleno (doc. 11).
2.6. Como se constata da evolução jurisprudencial, não se permite mais a negativa generalizada de progressão de regime ao condenado, tão-somente sob a alegação de ter ele praticado crime hediondo. É preciso verificar caso a caso, para não se cometer injustiça.
Vale, neste ponto, lembrar a sempre preciosa lição de Hungria:
“O juiz deve ter alguma coisa de pelicano. A vida é variedade infinita e nunca lhe assentam com irrepreensível justeza as “roupas feitas” da lei e os figurinos da doutrina. Se o juiz não dá de si, para dizer o direito em face da diversidade de cada caso, a sua justiça será a do leito de Procusto: ao invés de medir-se com os fatos, estes é que terão de medir-se com ela.” (Nelson Hungria e Heleno Fragoso, Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo I, pág. 76/77).
O Paciente, repita-se, foi, na prática, condenado a prisão perpétua, pois, pela idade e os problemas de saúde que tem, apenado a doze anos e seis meses em regime integralmente fechado, sem possibilidade de progressão, certamente terminará seus dias cumprindo a pena.
Se tivesse matado a ofendida, que estava prestes a completar quatorze anos e que já era iniciada sexualmente pela própria mãe, em vez de com ela praticar suposto ato libidinoso, teria sido menos severamente apenado, o que deve ser levado em consideração.
Daí porque o paciente roga a concessão da ordem, para que possa cumprir sua pena com possibilidade de progressão de regime prisional, nos termos do art. 112, da Lei º 7.210/84.
3. LIMINAR
No caso, conforme demonstrado, está presente a fumaça do bom direito.
O Paciente encontra-se preso desde sua prisão em flagrante, em 4/8/01. A manutenção da prisão do paciente, que já se encontra preso há mais de quatro anos, em regime fechado, importará certamente danos irreparáveis ao seu estado de liberdade e à sua dignidade, protegidos constitucionalmente, pois já cumpriu mais de um sexto da pena em regime integralmente fechado. Se lhe for concedida a progressão de regime terá cumprido mais do que a lei exige no regime fechado.
Ademais, o paciente tem 64 anos, problemas cardíacos, patologia psíquica e, nessas condições, precisa receber, com a máxima urgência, tratamento clínico adequado. Eis o perigo na demora.
A liminar, se concedida, nenhum prejuízo trará ao processo, eis que o paciente é pessoa idosa, com problemas de saúde, que não se ausentará da Comarca de Marília, onde reside com sua família, de maneira que poderá retornar para o regime fechado se a liminar, ao final, for cassada.
Por todo o exposto, postula, respeitosamente, a liminar, a fim de que seja imediatamente determinada a progressão do paciente para o regime a que fizer jus, nos termos do art. 112, da Lei de Execução Penal, protegendo-se, assim, o seu status libertatis até o final julgamento deste writ.
4. PEDIDO
Por todo o exposto e invocando os doutos suplementos desse E. Superior Tribunal de Justiça, os impetrantes, respeitosamente, rogam a concessão da ordem, com o deferimento da liminar, para que seja permitido ao Paciente o cumprimento da pena com progressão de regime prisional, nos termos do art. 112, da Lei 7.210/84, comunicando-se ao Juízo das Execuções Criminais de Marília.
São Paulo, 20 de julho de 2005.
Ronaldo Augusto Bretas Marzagão
- advogado -
OAB n. 123.723/SP
Rodrigo Otávio Bretas Marzagão
- advogado -
OAB n. 185.070/SP
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