Migalhas Quentes

Pastor será indenizado por vício de produto existente em CD

Pastor comprou CD de música gospel para tocar no culto, mas o que os fiéis ouviram foram piadas.

30/10/2012

A 8ª câmara Cível do TJ/RJ condenou uma fabricante de CD a indenizar em R$ 2 mil, por danos morais, um pastor evangélico que comprou um CD com encarte da cantora gospel Mara Maravilha para tocar em culto religioso, mas que na verdade continha piadas contadas com palavrões e "contos impróprios" do comediante Ary Toledo.

O laudo pericial concluiu que houve um erro na masterização por parte da empresa ao trocar o conteúdo do produto por outro diverso do que deveria constar no CD adquirido pelo autor. "Tem-se, portanto, que houve falha na prestação do serviço", afirmou a desembargadora Ana Maria Pereira de Oliveira, relatora da apelação.

"A relação jurídica existente entre as partes é de consumo, pelo que incumbe ao fornecedor o dever de indenizar os prejuízos decorrentes de falha na prestação do serviço", concluiu a magistrada.

Veja a íntegra da decisão.

__________

OITAVA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL

PROCESSO Nº 0015573-02.2007.8.19.0205

APELANTE: V.R.N.

APELADO 1: NOVODISC MÍDIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA.

APELADO 2: RECORD PRODUÇÕES E GRAVAÇÕES LTDA.

APELADO 3: BAZAR GOSPEL ÁGUA VIVA LTDA. ME

RELATOR: DES. ANA MARIA PEREIRA DE OLIVEIRA

Ação de conhecimento objetivando o Autor a condenação das Rés ao pagamento de indenização por danos material e moral, em decorrência de vício de produto existente em CD de música produzido pela primeira Ré (RECORD), fabricado e distribuído pela segunda Ré (NOVODISC) e comercializado pela terceira Ré (BAZAR GOSPEL). Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a Segunda Ré (NOVODISC) a restituir o preço do produto, reconhecendo a sucumbência recíproca. Apelação do Autor, objetivando a condenação das Rés ao pagamento de indenização por dano moral. Prova pericial que comprovou a existência de vício do produto que somente pode ser imputada ao fabricante do mesmo já que identificado. Inteligência dos artigos 12, caput e 13, inciso I da Lei 8.078/90. CD de música gospel que, na verdade, continha piadas e palavrões e foi utilizado em culto religioso conduzido pelo Apelante. Dano moral configurado. Indenização fixada em R$ 2.000,00, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Reforma da sentença que enseja a imposição à segunda Apelada (NOVODISC) dos ônus da sucumbência. Provimento da apelação.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível no Processo Nº 0015573-02.2007.8.19.0205, em que é Apelante, V.R.N., e Apeladas, NOVODISC MÍDIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA., RECORD PRODUÇÕES E GRAVAÇÕES LTDA. e BAZAR GOSPEL ÁGUA VIVA LTDA. MEACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compõem a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Trata-se de ação de rito sumário proposta por V.R.N. em face de RECORD PRODUÇÕES E GRAVAÇÕES LTDA., NOVODISC MÍDIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA. e BAZAR GOSPEL ÁGUA VIVA LTDA. ME, alegando, em síntese: que, em 22/09/2007, comprou um CD de música gospel da cantora Mara Maravilha, com a finalidade de utilizá-lo em culto religioso na Igreja em que é Pastor; que, em 23/09/2007, após ter iniciado o culto, em momento de louvor, quando os membros já se encontravam dentro do templo, pediu que o responsável pelo som retirasse o CD do invólucro de plástico transparente, e colocasse o mesmo no aparelho de som para que iniciasse a música de acordo com o programado para o culto; que, em vez das músicas que continha o título descrito na capa do CD, começaram a tocar piadas do humorista Ary Toledo contendo alto conteúdo de palavrões e contos impróprios para aquele momento, e que tal fato lhe causou grave constrangimento. Ao final, requereu indenização por dano moral no valor de R$ 22.800,00 e a condenação do terceiro Réu (BAZAR GOSPEL) a efetuar a troca do produto, ou a indenizar o valor correspondente.

Na audiência designada, realizada conforme ata de fls. 27/28, tendo sido apresentada contestação pelas primeira e segunda Rés (RECORD e NOVODISC), foi deferida a produção de provas pericial, depoimento pessoal do Autor, testemunhal e documental superveniente, e, em razão da ausência da terceira Ré (BAZAR GOSPEL), esta teve a revelia decretada.

A primeira Ré (RECORD) em sua contestação, às fls. 29/35, alegou, em resumo: que somente se responsabiliza pelo encaminhamento da matriz e do material gráfico para a fábrica a fim de produzir o produto para colocação no mercado; que cabe à segunda Ré (NOVODISC) esclarecer qual é a rotina para fabricação de CD’s e se realmente ocorreu tal equívoco; que consta na capa do produto que o mesmo foi produzido pela segunda Ré (NOVO DISC), tendo esta a obrigação de zelar pela qualidade da realização de seus serviços; que entregou a matriz do CD (master) perfeita à segunda Ré (NOVO DISC); que não ficou configurado o dano moral, e que o valor da indenização pretendido pelo Autor é excessivo.

Em contestação, às fls. 69/82, a segunda Ré (NOVO DISC) aduz, em síntese: que o Autor não comprovou os fatos constitutivos do seu direito, uma vez que não trouxe a obra cujo defeito invocou; que o Autor sequer manteve qualquer contato com as Rés visando a solução dos problemas; que as testemunhas indicadas pelo Autor provavelmente são fiéis que compartilham de uma rotina e laço de amizade com o mesmo, sendo os seus depoimentos desprovidos de imparcialidade; que o Autor não indicou o valor correspondente ao alegado prejuízo material; que não ficou configurado o dano moral; que o Autor deixou de cumprir o disposto na Lei de Direitos Autorais ao veicular fonograma não autorizado em público; que o Autor não checou anteriormente o material que seria utilizado em seu trabalho, configurando sua culpa exclusiva, e que o quantum indenizatório requerido pelo Autor é excessivo.

Laudo pericial, às fls. 163/181, sobre o qual se manifestaram o Autor (fls. 189/190) e a segunda Ré (NOVO DISC – fls. 191/193).

Na audiência de instrução e julgamento, conforme ata de fl. 213, foi ouvida uma testemunha do Autor (fls. 214/215), tendo sido rejeitada a contradita ofertada pela segunda Ré (NOVODISC), o que ensejou a interposição de agravo retido.

Na sentença (fls. 250/256) foi julgado procedente, em parte, o pedido para condenar a segunda Ré (NOVODISC) a restituir a quantia de R$ 16,60, corrigidos monetariamente pelos índices da CGJ/RJ a partir da sentença, e acrescidos de juros de 1% ao mês desde a citação, tendo sido reconhecida a sucumbência recíproca, observado o disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50 quanto ao Autor.

O Autor interpõe recurso de apelação (fls. 258/265), objetivando a reforma da sentença, para que as Rés sejam condenadas ao pagamento de indenização por dano moral, alegando que as provas produzidas nos autos comprovaram a existência de grave vício no produto e que deve ser levado em consideração que a terceira Ré (BAZAR GOSPEL) foi revel.

A segunda Ré (NOVODISC) apresentou contrarrazões, às fls. 282/293, prestigiando a sentença recorrida.

É o relatório.

Insurge-se o Apelante contra a sentença que rejeitou o pedido de indenização por dano moral que teria sofrido em razão da aquisição de um CD Gospel da cantora Mara Maravilha, e que, ao ser apresentado durante culto religioso, continha a gravação outro artista, qual seja, um relato de piadas de Ary Toledo.

A relação jurídica existente entre as partes é de consumo, pelo que incumbe ao fornecedor o dever de indenizar os prejuízos decorrentes de falha na prestação do serviço, salvo se demonstrada a inexistência do defeito ou fato exclusivo do consumidor ou de terceiro (artigo 14, § 3º da Lei 8.078/90).

O laudo pericial de fls. 163/181, concluiu que,

"... houve um erro na masterização por parte da empresa NOVODISC, ao trocar o conteúdo do produto por outro diverso do que deveria constar, no CD adquirido pelo Autor”

"... restou demonstrado e caracterizado, o DEFEITO DO PRODUTO FABRICADO E COLOCADO NO MERCADO PELA 2ª RÉ...” (fl. 181)

Tem-se, portanto, que houve falha na prestação do serviço, não tendo as Apeladas se desincumbido do ônus de demonstrar quaisquer das excludentes de sua responsabilidade.

A sentença limitou-se a condenar a segunda Apelada (NOVODISC) à devolução do valor que o Apelante pagou pelo CD da cantora Mara Maravilha – R$ 16,60, o qual apela alegando que os fatos lhe causaram transtornos que ensejaram repercussão extrapatrimonial.

De fato, o dano moral, ao contrário do que concluiu o MM.

Juízo a quo, ficou configurado, pois a aquisição de CD religioso que, na verdade, tinha conteúdo de piadas com palavrões, e que foi utilizado em culto religioso conduzido pelo Apelante, por certo lhe causou aborrecimento que supera os do cotidiano, tanto mais se considerado que ele teve que se valer da via judicial para solucionar o dano material.

O quantum da indenização, no entanto, deve ser fixado com moderação para que não seja tão elevado a ponto de ensejar enriquecimento sem causa para a vítima do dano, nem tão reduzido que não se revista de caráter preventivo e pedagógico para o seu causador, revelando-se, o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), condizente com a repercussão dos fatos em discussão, observados critérios de razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que ficou comprovado pelo depoimento da testemunha Jucinea, que o período de reprodução do CD de piadas foi curto e que não houve abalo na imagem do Apelante perante seus fiéis de sua Igreja.

Ressalte-se, outrossim, que tendo sido constatado vício no produto e tendo identificado o fabricante, deve ser a condenação imposta somenteà segunda Apelada (NOVODISC), na forma dos artigos 12, caput e 13, inciso I da Lei 8.078/90.

Diga-se, por fim, que em razão da reforma da sentença deverão ser impostos à segunda Apelada (NOVODISC) os ônus sucumbenciais, fixando-se os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação.

Diante do exposto, dá-se provimento à apelação para condenar a primeira Apelada (NOVODISC) ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de indenização por dano moral, corrigidos a partir da publicação do acórdão até o efetivo pagamento, e acrescidos de juros de mora, a contar da citação, além das despesas processuais e honorários advocatícios de 10% do valor da condenação.

Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2012.

DES. ANA MARIA PEREIRA DE OLIVEIRA

Relatora

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