Migalhas Quentes

Justiça de SP proíbe crianças de dirigirem veículos motorizados em condomínio

Direito de brincar deve compatibilizar-se com vida em condomínio.

19/10/2012

O juiz de Direito Héber Mendes Batista, da 4ª vara Cível de Ribeirão Preto/SP, julgou improcedente ação proposta por pais de crianças que objetivavam a nulidade de assembleia condominial, que vetou uso de veículos motorizados de qualquer potência por menores de 18 anos.

Os filhos dos requerentes possuem um carro e três motos infantis movidos a bateria 12 volts, mas convenção do condomínio proíbe seu uso, sob alegação de que nas vias internas circulam carros e caminhões.

Ao negar o pedido, o magistrado defendeu que o "sagrado direito de brincar deve compatibilizar-se com outros, especialmente aqueles que regem a vida em condomínio". Para o julgador, "é induvidoso que o uso de veículos ou miniveículos motorizados por menores de 18 anos coloca em risco a integridade física desses infantes, como também de terceiros".

_________

SENTENÇA

Processo nº: 0057777-31.2010.8.26.0506

Classe - Assunto Outros Feitos Não Especificados - Condomínio

Requerente: A.L.S. e outros

Requerido: Condominio Paineiras

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Héber Mendes Batista

VISTOS.

A.L.S. e outros, qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação contra CONDOMÍNIO PAINEIRAS, em mesmo local qualificado, objetivando a declaração de nulidade de assembleia condominial, que vetou uso de veículos motorizados de qualquer potência por menores de 18 anos, consoante razões expostas na inicial. Também requereram deferimento de tutela antecipada e juntaram documentos (fls. 24/71).

Deferida a liminar (fls. 72/73), o réu foi citado e contestou, alegando que a decisão assemblear apenas explicitou norma proibitiva inserta na convecção do condomínio e, assim, requereu a improcedência do pedido (fls. 80/98).

Réplica a fls. 144/151.

Saneado o feito, foi designada audiência de instrução e julgamento, na qual se produziu a prova oral que havia interesse (fls. 203/218).

Nessa mesma audiência houve a revogação da liminar (fls. 196).

Em alegações finais, as partes repisaram os termos da inicial e contestação (fls. 242/246 e 250/265).

O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (fls. 267/276).

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Em assembleia geral extraordinária, proprietários de unidades autônomas do Condomínio Paineiras deliberaram que menores de 18 anos não poderiam circular em veículos motorizados (de qualquer potência, elétricos ou a combustão) nas áreas comuns do condomínio (fls. 28), e o fizeram de forma acertada.

Com efeito, o artigo 6º, alínea “d” convenção condominial, aprovada nos termos do artigo 1.333, do Código Civil, estabelece que os condôminos não podem “abusar de seus direitos, nem prejudicar, causar dano ou incômodo de nenhuma forma aos demais condôminos ou titulares de direitos à aquisição de qualquer unidade autônoma ou ocupante das mesmas, nem obstar o regular uso das coisas comuns” (sic fls. 30).

O artigo 7º, alínea “a”, por sua vez, reza ser proibido a qualquer condômino usar “a unidade autônoma de modo diverso de sua finalidade ou utilizá-la de forma nociva e ou perigosa à salubridade, ao sossego e à segurança dos demais condôminos” (sic fls. 30).

Ora, é induvidoso que o uso de veículos ou miniveículos motorizados por menores de 18 anos coloca em risco a integridade física desses infantes, como também de terceiros, exatamente como disseram as testemunhas inquiridas em juízo (fls. 208/218).

Não bastasse isso, o Código de Trânsito Brasileiro considera como vias terrestres “as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas” (parágrafo único do artigo 2º).

Por outro lado, para fins de habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico, o mesmo código exige do condutor, dentre outros requisitos, a imputabilidade penal (artigo 140, I).

Ou seja, somente podem assumir a direção de veículos automotores ou elétricos após regular processo de habilitação pessoas maiores de 18 anos.

Vê-se, assim, que a deliberação assemblear vergastada compatibiliza-se com a convenção condominial e com o Código de Trânsito Brasileiro.

Não se desconhece o sagrado direito de brincar, previsto no artigo 16, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Entretanto, referido direito, como qualquer outro, não é absoluto; deve compatibilizar-se com outros, especialmente aqueles que regem a vida em condomínio.

A restrição decorrente da assembleia impugnada não teve como objetivo impedir brincadeiras de crianças em áreas comuns do condomínio. A intenção foi única e exclusivamente preservar a integridade física de todos (adultos e crianças), inclusive daquelas crianças que pilotavam miniveículos.

Como bem ponderou o ilustre Promotor de Justiça oficiante, é inimaginável pensar que crianças de quatro e oito anos1 tenham habilidade para conduzir um miniveículo de 110 cilindradas (fls.118) com um mínimo de segurança.

É sabido que uma criança distrai-se facilmente com qualquer coisa que ocorra ao seu redor (uma pipa no ar, uma bola, um barulho diferente etc.), e essa desatenção na direção de um simples miniveículo pode causar sérios danos à integridade física dela própria e de terceiros. Tem-se, assim, como acertadíssima a decisão assemblear impugnada.

Em 10 de maio do corrente ano, a Egrégia 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação nº 9154200-94.2009.8.26.0000, da Comarca de Salto, de relatoria do eminente Desembargador FRANCISCO LOUREIRO, deixou assentado ser possível imposição de multas aos condôminos que permitem a direção de quadriciclos por menores de 18 anos nas áreas comuns do condomínio, porque tal conduta, “além de caracterizar violação ao CTB, desrespeita norma expressa do condomínio”.

Em suma, a deliberação assembelar, porque em consonância com a convenção condominial e as leis (Código Civil e Código de Trânsito Brasileiro), merece subsistir por seus próprios fundamentos.

Posto isso e considerando tudo o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido.

Como corolário da sucumbência, condeno os autores no pagamento das custas e despesas processuais, mais honorários advocatícios dos patronos do réu, que arbitro em R$ 3.000,00.

P.R.I.

Ribeirão Preto, 17 de julho de 2012.

Héber Mendes Batista

Juiz(a) de Direito

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