Migalhas Quentes

Penhora promovida sobre lavoura de cana pode recair sobre álcool e açúcar

Transferência da garantia, da safra para o produto dela derivado, é providência de rigor.

10/10/2012

A jurisprudência do STJ considera que a penhora sobre safra agrícola não deve impedir sua comercialização, transferindo-se para a safra futura. Contudo, quando há em contrato previsão expressa que estabeleça a transferência da garantia aos subprodutos da safra penhorada, deve prevalecer o contrato.

A tese foi firmada pela 3ª turma, que negou dois recursos especiais da Usina Santa Rita S/A Açúcar e Álcool contra decisão do TJ/SP. A usina queria impedir penhora em execução de título extrajudicial pela I.C.G.L. Investments LLC, que cobrava um crédito no valor de US$ 11,4 mi.

Vinculada a CPR - Cédulas de Produto Rural emitidas por produtores de cana-de-açúcar em favor da usina, a dívida é garantida por penhora agrícola de 695 mil toneladas de cana plantadas em 9.270 hectares. Sob o argumento de que a safra estava sendo colhida, o credor pediu o arresto de todo o álcool produzido na usina.

A ministra Nancy Andrighi, relatora dos recursos, não aceitou os argumentos da usina, que tentava impedir que a penhora recaísse sobre os subprodutos da cana. Ela considerou que qualquer penhora é onerosa ao devedor e que o caso julgado não se insere na restrição prevista no artigo 620 do CPC.

"O princípio da vedação à onerosidade excessiva não pode ser convertido em panaceia, que leve a uma ideia de proteção absoluta do inadimplente em face de seu credor", afirmou a relatora. Segundo ela, a alegada onerosidade não foi reconhecida pelo TJ/SP, entendimento esse que não pode ser revisto pelo STJ sem analisar provas, o que é proibido pela súmula 7.

Além disso, a transferência da garantia para os subprodutos estava expressamente prevista em contrato. "Não se pode alegar que haja onerosidade excessiva num procedimento de transferência de garantias expressamente previsto em contrato e aceito pelo devedor", explicou a relatora.

Safras futuras

A usina queria que a penhora recaísse sobre a safra futura, conforme prevê o artigo 1.443 do CC/02: "O penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em garantia".

Contudo, Nancy Andrighi considerou que transferir a penhora para safras futuras, também objeto de garantias autônomas, poderia ser inócua a partir de um efeito em cadeia: a safra que garante uma dívida poderia ser vendida livremente pelo devedor, fazendo com que as duas dívidas passassem a ser garantidas pela safra futura, que novamente poderia ser vendida e assim sucessivamente.

"Esse procedimento não pode ser admitido, especialmente se o contrato contém disposição expressa no sentido de evitar esse efeito em cadeia", apontou a relatora. "A transferência da garantia, da safra para o produto dela derivado, é providência de rigor", concluiu.

Ao negar provimento aos recursos da usina, Nancy Andrighi ressaltou que a penhora sobre os produtos derivados da cana-de-açúcar plantada deve abranger apenas as mercadorias suficientes à garantia integral do débito discutido.

Veja a íntegra de uma das decisões.

_____________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.278.247 - SP (2011/0135226-9)

RECORRIDO: I.C.G.L. INVESTMENTS LLC - MELLON SERVICOS FINANCEIROS DTVM S.A

ADVOGADO: RICARDO TEPEDINO E OUTRO(S)

RECORRENTE: USINA SANTA RITA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL

ADVOGADO: CARLOS HENRIQUE SPESSOTO PERSOLI E OUTRO(S)

ADVOGADA: ADRIANA VIEIRA DE REZENDE

EMENTA

PROCESSO CIVIL. PENHOR AGRÍCOLA. CANA-DE-AÇÚCAR. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE O ÁLCOOL, COMO SUBPRODUTO DA SAFRA. PRETENSÃO A QUE A PENHORA SEJA LEVANTADA. TRANSFERÊNCIA DO PENHOR A SAFRAS FUTURAS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Qualquer penhora de bens, em princípio, pode mostrar-se onerosa ao devedor, mas essa é uma decorrência natural da existência de uma dívida não paga. O princípio da vedação à onerosidade excessiva não pode ser convertido em uma panaceia, que leve a uma ideia de proteção absoluta do inadimplente em face de seu credor. Alguma onerosidade é natural ao procedimento de garantia de uma dívida, e o art. 620 do CPC destina-se apenas a decotar exageros evidentes, perpetrados em situações nas quais uma alternativa mais viável mostre-se clara.

2. Se o próprio contrato de penhor agrícola prevê a transferência do encargo ao subproduto da safra, não se pode argumentar com a impossibilidade dessa transferência. Se há onerosidade excessiva nessa operação, o devedor deve se valer dos mecanismos previstos em Lei para substituição da garantia.

3. Transferir o penhor sobre uma safra para safras futuras pode se revelar providência inócua, gerando um efeito cascata, notadamente se tais safras futuras forem objeto de garantias autônomas, advindas de outras dívidas: a safra que garante uma dívida, nessa hipótese, poderia ser vendida livremente pelo devedor (como se sobre ela não pesasse qualquer ônus), fazendo com que a safra futura garanta duas dívidas, e assim sucessivamente, esvaziando as garantias.

4. Recurso especial conhecido e improvido.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por USINA SANTA RITA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL, para impugnação de acórdão exarado pelo TJ/SP no julgamento de agravo de instrumento.

Ação: execução de título extrajudicial (fls. 22 a 42, e-STJ), ajuizada por I.C.G.L. Investments LLC, aqui recorrida, para cobrança de crédito representado por certificados de direitos creditórios de agronegócio (CDCAs), no valor total de U$ 11.486.327,96. A dívida está vinculada, mediante cessão fiduciária, a Cédulas de Produto Rural (CPR) emitidas por produtores de cana-de-açúcar em favor da executada, e é garantida por penhor agrícola consistente em 694.804 toneladas de cana de açúcar, plantadas na área de 9.269,76 hectares, bem como por direitos creditórios detidos pela recorrente contra a empresa Sucden do Brasil Ltda.

Sob a alegação de que a recorrente estaria colhendo regularmente a cana objeto do penhor agrícola, o recorrido pleiteou o arresto, tanto do crédito detido perante a Sucden, como “de todo e qualquer álcool que seja produzido na SANTA RITA, a ser removido da SANTA RITA e depositado em armazém de primeira linha, indicado pela exeqüente.”

Decisão: o arresto pleiteado pela requerida foi indeferido pelo Juiz de primeiro grau (fl. 654, e-STJ), o que motivou a interposição de agravo de instrumento pelo requerido (fls. 657 a 677, e-STJ), do qual resultou a reforma parcial da decisão, nos termos da seguinte ementa (fls. 684 a 686, e-STJ):

“Cautelar - Arresto - Concorrência dos pressupostos elencados no art 813 do Código de Processo Civil - Medida assecuratória concedida liminarmente - Desconstituição da interlocutória que a indeferiu – Agravo de instrumento provido”

No corpo do acórdão, exarado em processo ainda sem manifestação da executada, o TJ/SP ponderou que "o contraditório poderá elidir a certeza que se tem agora com as afirmações unilaterais da exequente" (fl. 685, e-STJ).

Embargos de declaração: a executada, aqui recorrente, somente ingressou nos autos do agravo de instrumento após exarado o acórdão. Deu-se por intimada e apresentou embargos de declaração (fls. 722 a 735, e-STJ), que foram rejeitados (fls. 931 a 933, e-STJ). O acórdão foi também impugnado por recurso especial que, inadmitido, motivou a interposição do agravo de instrumento nº 1.246.587/SP, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia, resultando na distribuição do REsp 1.232.798/SP, que trago para julgamento conjunto, nesta data.

Nova petição: protocolizada pela executada, aqui recorrente, em primeiro grau de jurisdição. Nela, renovou-se o pedido de que o arresto não fosse convertido em penhora e que esta recaísse, não sobre o álcool derivado da safra, mas sobre a própria safra de cana-de-açúcar, sobre a qual incidira a garantia (fls. 693 a 706, e-STJ). Argumenta-se que, nos termos do art. 1.443 do CC/02, que a penhora de safra pendente transfere-se automaticamente à safra seguinte em caso de colheita.

Decisão: indeferiu o pedido (fls. 855, e-STJ).

Agravo de instrumento: interposto novamente, desta vez pela Usina executada, objetivando reverter a decisão de primeiro grau que denegara seu pedido de substituição da penhora (fls. 2 a 17, e-STJ). É esse segundo agravo de instrumento que deu origem ao presente recurso especial.

Decisão: não conheceu do agravo (fl. 897, e-STJ), motivando a interposição de agravo regimental (fls. 901 a 909, e-STJ).

Acórdão: conheceu do mérito do agravo de instrumento, mas negou-lhe provimento nos termos da seguinte ementa (fls. 916 a 920, e-STJ):

Agravo regimental - Acolhimento para conhecer pelo mérito do Agravo de instrumento - Pleito de substituição da penhora - Inadmissibilidade, nas particularidades do caso em apreço - Idoneidade e suficiência duvidosas dos bens oferecidos - Agravo regimental provido e desprovido o de instrumento.

Embargos de declaração: interpostos pela Usina (fls. 923 a 927, e-STJ), foram rejeitados (fls. 931 a 933, e-STJ).

Recurso especial: interposto pela Usina, com fundamento na alínea 'a' do permissivo constitucional (fls. 946 a 968, e-STJ). Alega-se violação dos arts. 165; 458, II, 535, II, 620, 655, § 1º, do CPC e 1.443 do CC/02.

Admissibilidade: o recurso não foi admitido na origem (fls. 1.040 a 1.042, e-STJ), motivando a interposição do Ag nº 1.292.598/SP, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia (fl. 1.066, e-STJ).

Medida cautelar: ajuizada pela recorrente, objetivando atribuir efeito suspensivo o recurso especial. Distribuídos os autos sob o nº 16.843/SP, entendi por bem deferir a medida liminar por decisão assim ementada:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR COM O FITO DE CONCEDER EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADOS O 'PERICULUM IN MORA' E O 'FUMUS BONI IURIS'. EXECUÇÃO. ARRESTO. BENS FUNGÍVEIS.

- A jurisprudência deste Tribunal admite, em hipóteses excepcionais, o manejo da medida cautelar originária para fins de se atribuir efeito suspensivo a recurso especial, desde que demonstrada a ocorrência do 'periculum in mora' e a caracterização do 'fumus boni iuris'.

- Impedir a comercialização dos bens fungíveis produzidos pela empresa requerente é medida extrema, capaz de criar embaraços praticamente intransponíveis à continuidade de suas atividades - especialmente na espécie dos autos, em que a execução ainda não é definitiva. Precedentes.

- Nos termos do art. 655, §2º, do CPC, a penhora efetuada em sede de execução de crédido pignoratício deve recair sobre a coisa dada em garantia, independentemente da ordem de nomeação.

Liminar deferida.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide em estabelecer se a execução ajuizada para recebimento de crédito garantido por penhor agrícola, fixado em contrato para recair sobre uma determinada safra de cana-de-açúcar, pode ser garantida pela penhora do subproduto dessa safra que, na hipótese dos autos, é o álcool produzido pela Usina executada. No processo, a discussão se trava acerca da aplicabilidade do art. 2º da Lei 2.666/55, dos arts. 655, §2º, do CPC, ou do art. 1.443 do CC/02 - ou, ainda, da possível conjugação dessas duas regras, mediante uma interpretação que as integre de maneira harmônica.

Os principais fundamentos do recurso especial são os de que a penhora do álcool produzido pela recorrente não poderia prevalecer por dois motivos. Em primeiro lugar, o art. 655, §2º, do CPC, na redação anterior à Lei 11.382/2006, determinava que "na execução de crédito pignoratício, anticrético ou hipotecário, a penhora, independentemente de nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia". Em segundo lugar, o art. 1.443 do CC/02 dispõe que "o penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou em via de formação, abrange imediatamente a seguinte, no caso de frustrar-se a que se deu em garantia". A partir dessas duas regras, resultaria que apenas na hipótese de impossibilidade de penhora da lavoura de cana é que se poderia direcionar a garantia ao álcool produzido. Havendo plantios todos os anos, a penhora sobre uma safra deveria ser transferida à seguinte, sucessivamente, até o momento da realização da garantia.

Os argumentos em que se baseou o acórdão recorrido para rejeitar essa pretensão são três. Em primeiro lugar, o Tribunal aponta que a penhora sobre safra futura não representa uma garantia imediata, não tendo o devedor apresentado alternativas para essa suposta impossibilidade de realização imediata da garantia. Em segundo lugar, há alegação do credor de que as safras futuras estariam comprometidas por outros compromissos financeiros do devedor, e este não apresentou argumentos capazes de contornar essa afirmação. Em terceiro lugar, o art. 2º da Lei 2.666/55, tratando de penhor agrícola, dispõe que "o benefício ou a transformação dos gêneros agrícolas, dados em penhor rural ou mercantil, não extinguem o vínculo real que se transfere para os produtos e subprodutos resultantes de tais operações". Essa regra, somada a disposição contratual no mesmo sentido, possibilita a penhora do álcool produzido a partir da cana-de-açúcar dada em garantia.

Como exposto no relatório, ao apreciar o pedido formulado na Medida Cautelar nº 16.843/SP entendi por bem deferir a liminar pleiteada atribuindo efeito suspensivo aos recursos especiais, pelos seguintes fundamentos, transcritos em sua parcela essencial:

A análise dos documentos acostados à inicial faz surgir a dúvida a respeito do desvio da finalidade do arresto deferido pelo TJ/SP. As constrições efetuadas ganharam ares de coação, ou seja, de meio de compelir a requerente ao adimplemento forçado da obrigação que assumiu.

O simples fato de a requerente dar continuidade às suas atividades não autoriza o arresto de toda a sua produção de álcool e açúcar, especialmente na forma pela qual foi pleiteado pela requerida. A pretensão da requerida é a remoção de todo o açúcar e o álcool produzido pela Usina requerente, ao fundamento de que poderá haver defraudação da garantia.

Eventual penhora dos produtos obtidos pelo beneficiamento da cana de açúcar pela requerente, além do mais, somente deve atingir a exata quantidade de açúcar e de álcool extraídos da lavoura de cana originalmente dada em penhor. Assim, deve haver estrita correspondência entre a quantidade de matéria-prima e quantidade de seu subproduto. Em sede de direitos reais de garantia, somente interessa a origem do produto ou subproduto do gênero agrícola empenhado, ou a equivalência entre a quantidade e qualidade dos bens penhorados e a qualidade e quantidade do gênero agrícola dado em garantia. Na hipótese dos autos, não é possível afirmar com segurança que essa equivalência existe.

O fato de que “todo o álcool constrito tem sido inequivocamente comercializado” tampouco serve para fundamentar a constrição da produção da requerente. O aspecto social na manutenção do bem em poder da devedora também deve ser considerado, de modo a assegurar, ao menos até a alienação da lavoura penhorada ou de seus subprodutos, os empregos por ela criados, direta e indiretamente. Nesse sentido, o entendimento adotado pelo acórdão recorrido está em desconformidade com a jurisprudência firmada nesta Corte a respeito do assunto. Veja-se, a propósito, os posicionamentos externados pelos i. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Carlos Alberto Menezes Direito no julgamento das medidas cautelares autuadas sob n.º 3.182/SP e 3.061/SP, respectivamente, de contornos fáticos extremamente semelhantes aos apresentados na presente medida cautelar:

“O tema versado no recurso especial, ao qual se pretende comunicar efeito suspensivo, concerne à validade ou não da penhora incidente sobre os produtos da cana-de-açúcar empenhada em garantia do contrato, por não se acharem disponíveis os próprios bens apenhados no momento da penhora. (...) tratando-se de fato constitutivo do direito da exequente, a substituição da cana pelo seu produto, à essa cumpria haver demonstrado que esse produto adveio daquela cana. (...) As matérias postas a exame no recurso especial, pendente de admissibilidade pela via do agravo endereçado a esta Corte, poderiam, assim, redundar na ilegalidade da penhora, desautorizando, consequentemente, a remoção das sacas de açúcar e dos litros de álcool dos armazéns da Usina executada e a sua indisponibilidade. O fumus boni iuris, portanto, acha-se configurado, havendo plausibilidade no pleito posto no recurso especial, como se depreende dessa síntese, a merecer exame mais detalhado oportunamente, quando do julgamento do agravo.”

(MC 3.182/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 17/10/2000 – grifos nossos)

“A requerente invoca precedente da 3ª Turma, de minha relatoria, no qual consignei que, 'tratando-se de bem fungível, a garantia se aperfeiçoa independentemente da tradição dos bens, continuando os devedores em poder dos mesmos, devendo dar a destinação mais viável à safra agrícola, contudo, apresentando-a no momento oportuno ou quando lhes for exigido' (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 181.838/SP, DJ de 23/11/98). Os termos do precedente mencionado revelam a presença do fumus boni iuris. Quanto ao periculum in mora, o corte e a alienação da cana-de-açúcar, de fato, poderá comprometer a atividade da requerente, relativa à produção de açúcar e de álcool.”

(MC 3.061/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 27/10/2000 – grifos)

Ora, a cana-de-açúcar é a matéria-prima fundamental da atividade industrial da usina, de maneira que seu consumo é mais do que previsível. A constrição e remoção do açúcar e do álcool por ela produzido, nas quantidades estabelecidas pela decisão recorrida, inviabilizariam sua sobrevivência empresarial e acarretariam graves consequências sociais, quiçá impedindo a empresa de arcar com seus compromissos financeiros imediatos, entre eles a folha de pagamento de seus quase 2.500 funcionários – os quais, aliás, teriam preferência sobre o produto da alienação dos bens em caso de falência. Sem qualquer discrepância é o posicionamento da 3ª Turma:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO. EXECUÇÃO. GARANTIA PIGNORATÍCIA. PENHOR RURAL.

1. A penhora, em execução de crédito pignoratício, recai sobre o bem dado em garantia (art. 655, § 2º, do Código de Processo Civil).

2. Tratando-se de bem fungível, a garantia se aperfeiçoa independentemente da tradição dos bens, continuando os devedores em poder dos mesmos, devendo dar a destinação mais viável à safra agrícola, contudo, apresentando-a no momento oportuno ou quando lhes for exigido.

3. Agravo regimental improvido.”

(AgRg no Ag 181.838/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 06/10/1998 - grifos nossos)

É necessário destacar, além do mais, que os embargos à execução opostos pela requerente ainda estão em curso, de sorte que a execução não é definitiva. Assim, caso venha a ser provido o recurso especial por ela interposto, o provimento poderá ser incapaz de reverter os efeitos decorrentes da indisponibilidade, judicialmente determinada, do álcool e do açúcar que produz.

O raciocínio tecido acima justificou o acautelamento do direito do recorrente. Contudo, nesta sede, por ocasião da análise exauriente da matéria discutida, outras ponderações devem ser feitas.

De fato, a jurisprudência vem se orientando no sentido de que a penhora sobre bens fungíveis se aperfeiçoa independentemente da tradição dos bens e, na hipótese de recair sobre safra agrícola, não deve impedir a respectiva comercialização, transferindo-se sempre à safra futura, que deverá ser apresentada no momento oportuno.

Contudo, havendo entre as partes previsão expressa no contrato, como reconheceu o TJ/SP, no sentido da transferência da garantia ao álcool ou ao açúcar produzido a partir da cana dada em penhor, essa disposição deve prevalecer, salvo impedimento legal.

O recorrente argumenta que a penhora dos produtos beneficiados lhe traria excessiva onerosidade, vedada pelo art. 620 do CPC. Contudo, esse argumento não pode ser acolhido por três motivos.

Em primeiro lugar, referida onerosidade não foi reconhecida pelo TJ/SP, de modo que, nesta sede, a matéria não poderia ser revolvida por força do óbice do

Enunciado 7 da Súmula/STJ.

Em segundo lugar, qualquer penhora de bens, em princípio, pode mostrar-se onerosa ao devedor, mas essa é uma decorrência natural da existência de uma dívida não paga. O princípio da vedação à onerosidade excessiva não pode ser convertido em uma panaceia, que leve a uma ideia de proteção absoluta do inadimplente em face de seu credor. Alguma onerosidade é natural ao procedimento de garantia de uma dívida, e o art. 620 do CPC destina-se apenas a decotar exageros evidentes, perpetrados em situações nas quais uma alternativa mais viável mostre-se clara. Não se pode alegar que haja onerosidade excessiva num procedimento de transferência de garantias expressamente previsto em contrato e aceito pelo devedor.

Em terceiro lugar, se de fato as safras futuras são objeto de garantias autônomas, relativas a outras obrigações, negar-se a penhora sobre os produtos derivados da safra atual acabaria gerando um efeito em cadeia: a safra que garante uma dívida, nessa hipótese, poderia ser vendida livremente pelo devedor (como se sobre ela não pesasse qualquer ônus), fazendo com que a safra futura garanta duas dívidas. Caso o pagamento não ocorra a tempo, também essa safra futura poderia ser comercializada livremente transferindo o acúmulo de garantias ainda para a safra seguinte. E assim sucessivamente, gerando uma paulatina redução do valor das garantias prestadas. Esse procedimento não pode ser admitido, especialmente se o contrato contém disposição expressa no sentido de evitar esse efeito em cadeia.

De tudo decorre que este recurso especial não pode ser acolhido em sua integralidade. A transferência da garantia, da safra para o produto dela derivado, é providência de rigor.

Importante mencionar que se houver qualquer risco de perecimento do álcool ou do açúcar penhorado durante o curso da execução, há dispositivos no Código de Processo Civil adequados a viabilizar a substituição da penhora (art. 656 e §§) ou à venda imediata desses bens, (art. 670, I, do CPC).

Por fim, cabe ressaltar que a penhora sobre os produtos derivados da cana-de-açúcar plantada, deve abranger apenas as mercadorias suficientes à garantia integral do débito aqui discutido.

Forte nessas razões, conheço do recurso especial, mas lhe nego provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, por maioria, negar provimento ao recurso especial. Votou vencido o Sr. Ministro Massami Uyeda. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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