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Santander não pode cobrar tarifas em contas salário

Instituição financeira foi condenada a devolver, em dobro, os valores cobrados sem a autorização do consumidor.

11/9/2012

O juiz de Direito Fernando Cesar Ferreira Viana, da 7ª vara Empresarial do RJ, proibiu o Banco Santander de cobrar tarifas bancárias em contas destinadas exclusivamente ao recebimento de salário, sob pena de multa de R$ 10 mil por cada descumprimento. A instituição financeira foi condenada a devolver, em dobro, os valores cobrados sem a autorização do consumidor.

A decisão, proferida no dia 22/08, é resultado de ACP proposta pelo titular da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e Contribuinte da Capital, promotor de Justiça Rodrigo Terra.

De acordo com a ACP, aproveitando-se de contratos realizados juntos a diversos empregadores para pagamento do salário dos empregados, a instituição financeira impunha ao consumidor uma série de serviços não contratados, ensejando a cobrança de tarifas não incidentes na conta salário. Para o MP/RJ, o banco descaracteriza o contrato de conta salário, passando a tratá-lo como o de conta corrente comum, e se beneficia dos pagamentos efetuados pelos serviços extras.

Segundo promotor de Justiça Rodrigo Terra, a ré não informava corretamente todas as vantagens e desvantagens consequentes da contratação desse tipo de serviço. "A abusividade rende vantagem patrimonial indevida para a instituição financeira e vem se prolongando no tempo, não atendendo, portanto, ao fim social da conta salário nem a relevante missão que os bancos de forma geral têm a prestar aos interesses da população e do Estado".

O magistrado ressaltou que é dever da instituição financeira informar melhor o consumidor antes de vender os seus serviços. "Não se está aqui impedindo que o banco firme contratos de conta-depósito, mas somente exigindo que quando o faça, seja de maneira clara e transparente, tento o consumidor oportunidade de se inteirar da natureza do serviço que está aderindo", concluiu. A ação só foi julgada improcedente no ponto em que o MP pedia que os consumidores fossem indenizados por danos morais.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

________

Sentença

 Descrição:

I - RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, em face de BANCO SANTANDER BRASIL S.A., que veio instruído pelo Inquérito Civil em apenso.

O autor alega que o réu é instituição financeira que se aproveita de contratos realizados juntos a diversos empregadores para pagamento do salário dos empregados através da conta salário para impor ao consumidor uma série de serviços não contratados, ensejando a cobrança de tarifas não incidentes na conta salário.

Dessa forma, requer que seja deferida tutela antecipada para que o réu se abstenha de fazer incidir em qualquer conta que se destine ao recebimento de salários, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, as tarifas vedadas pela resolução do BACEN, bem como que tenha que informar ao consumidor no momento da abertura de qualquer conta-salário os produtos e serviços que podem ser fornecidos mediante a incidência de tarifas, e uma comparação das vantagens e desvantagens de uma conta corrente comum com uma conta-salário.

 Como tutela definitiva pleiteia a declaração de abusividade das cobranças incidentes nas contas-salário e que sejam as tutelas antecipadas tornadas definitivas.

Requer ainda, a condenação do réu a indenização com o pagamento do indébito em dobro pelos danos causados a cada consumidor com as cobranças indevidas, bem como a condenação do réu ao pagamento de eventuais danos morais que tenham sofrido os consumidores. Em fls. 18 e 20 foi deferida a tutela antecipada com a fixação de multa diária no caso de descumprimento no valor de R$1.000,00 (mil reais).

 O réu apresentou embargos de declaração em fls. 33/36 requerendo o esclarecimento da decisão antecipatória da tutela. Em fls. 42/82 o réu apresentou contestação alegando preliminarmente que:

a) A ilegitimidade ativa do Ministério Público, uma vez que se trataria de direitos individuais patrimoniais e não homogêneos, que são disponíveis.

b) Impossibilidade jurídica do pedido por ausência de conflito coletivo, uma vez que o Ministério Público teria se valido somente das reclamações de uma pessoa.

c) Inépcia da Inicial.

No mérito, expõe a diferença da conta-salário para a conta corrente comum, que tecnicamente recebe o nome de 'conta de depósito', e diz que não há incidência de nenhuma tarifa sob a conta-salário, o que é vedado, não existindo sequer um contrato para abertura de conta-salário. Aduz que muitos consumidores fazem a opção pela conta de depósito porque nessa modalidade há a prestação de um número maior de serviços que atende as necessidades do dia-a-dia. Alega que é descabido o pedido para que seja feito folhetos informativos porque lhe traria um custo desproporcional, além de que já há ampla divulgação de informações das contas-salário pelos empregadores.

Refuta o pedido de condenação falando ser incabível discutir indenizações especificas em ações coletivas, cabendo somente indenizações genéricas. Por fim, refuta qualquer abusividade nas suas cobranças e alega não ser cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao Ministério Público por ser sua função institucional. A contestação veio instruída pelos documentos de fls. 83/111.

Os embargos de declaração foram rejeitados em fls. 131, uma vez que não há na decisão embargada nenhuma obscuridade, contradição ou omissão. Réplica apresentada às fls.132/144.

Realizou-se audiência de conciliação (fls. 175), em que as partes manifestaram a possibilidade de realização de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), tendo o feito sido suspenso.

Não tendo sido realizado nenhum acordo, e não havendo a necessidade de produção de novas provas, os autos vieram conclusos para sentença.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de ação civil pública intentada pelo Ministério Público para a tutela de direitos coletivos latu sensu oriundos de relação consumerista.

Preliminarmente, a ré alega a ilegitimidade ativa do Ministério Público, uma vez que versaria a hipótese sobre interesses patrimoniais individuais e disponíveis. Não lhe assiste razão. O feito em análise comporta, sim, a tutela de direitos coletivos no seu sentido amplo, e, especificamente, incide a tutela de diferentes espécies de direitos coletivos. Ao pretender defender os interesses não só do grupo ligado por uma relação jurídica base, que seria o recebimento de salários, aposentadorias, pensões e outros proventos dessa natureza da mesma instituição bancária, o que demonstraria um direito coletivo estrito sensu, o Ministério Público visa tutelar ainda os interesses daqueles que possam vir no futuro a possuir a mesma relação jurídica com o réu, de forma que temos a tutela de interesses indivisíveis, cujo titulares são indeterminados e indetermináveis, mas ligados por circunstâncias de fato, ou seja, temos a tutela de direitos difusos, assim compreendidos na forma do artigo 81, parágrafo único, I do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, o Ministério Público busca, ainda, que aqueles que tenham sofrido um prejuízo sejam ressarcidos, ou seja, busca a tutela de direitos individuais com uma origem em comum (a suposta incidência indevida de algumas taxas nas contas-salário), o que representa a tutela de direitos individuais homogêneos. Para ambas espécies de direitos coletivos em sentido amplo, é cabível a ação civil pública, na forma do artigo 1º, II e IV da Lei nº 7.347/85, sendo ainda o Ministério Público legitimado ativo para a propositura dessa demanda na forma do artigo 5º, I do mesmo diploma legislativo. Dessa forma ficam afastadas as preliminares da ilegitimidade ativa, bem como a de carência e possibilidade jurídica do pedido, uma vez que, pela teoria da asserção adotada pelo nosso ordenamento, a possibilidade jurídica do pedido bem como as demais condições da ação são verificadas com a suposição de que as alegações autorais são verdadeiras, e, não havendo vedação pelo ordenamento, e mais ainda, havendo autorização legislativa para a ação coletiva diante dos interesses que se pretende tutelar, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido. Por fim, o réu alega em preliminar a inépcia da inicial, o que também não é cabido. Conforme preceitua o artigo 295 do Código de Processo Civil a petição inicial será refutada por ser inepta quando: lhe faltar pedido ou causa de pedir; da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; o pedido for juridicamente impossível ou contiver pedidos incompatíveis entre si.

No caso, há sim pedido e causa de pedir, sendo os pedidos juridicamente possíveis e não guardando incompatibilidades entre si. Por fim, da leitura da peça de bloqueio, há uma decorrência lógica dos fatos à conclusão. Refutadas as teses preliminares, passo à analise do mérito. O réu esclarece a diferença entre os tipos de contas que podem aderir os correntistas do banco.

Primeiramente a conta-salário é aquela por meio do qual o empregado recebe o seu salário, vencimento, aposentadoria, pensão ou outra verba dessa natureza. Como o pagamento é feito obrigatoriamente através da instituição bancária, não pode incidir nesse tipo de conta nenhum tipo de taxa ou cobrança pelo serviço bancário, se limitando a instituição financeira a realizar o depósito do salário na conta do empregado e lhe fornecer cartão magnético para saque. Porém, caso o empregado queira ter outros serviços à sua disposição prestados pela instituição financeira, ele tem como opção a conta-depósito, que é o que se chama de 'conta comum', onde há sim a incidência de taxas e outros encargos que remuneram os serviços prestados pelo banco. Ocorre que, no caso, a lesão ao consumidor que o Ministério Público alega é a incidência dessas taxas e encargos, comuns da conta-depósito, na conta-salário, o que o réu refuta dizendo que a incidência desses encargos se dá em razão da celebração entre o banco e o empregado de um contrato para abertura de conta-depósito. Pelas provas carreadas nos autos, bem como pelo que restou demonstrado no Inquérito Civil em apenso, está demonstrada a lesão ao consumidor. Não se pode afirmar a origem da cobrança, mas a prova documental demonstra que ou houve cobrança indevida na conta-salário (o que configuraria uma cobrança ilícita flagrante), ou a origem da cobrança decorre dos contratos firmados de conta-depósito, cujos contratos somente tiveram a adesão do empregado por indução a erro, uma vez que este buscava somente a abertura de uma conta-salário. Explico melhor.

Conforme os documentos de fls. 151/171 há a reclamação de diversas pessoas que recebem o seu salário (em sentido amplo) através do banco réu, pela cobrança indevida de taxas e encargos. Em sua contestação o réu deixa claro ser ilícita a cobrança de qualquer tipo de encargos nas contas-salários, e diz que aquelas que foram cobradas se deu em razão de contrato firmado de conta-depósito, logo, conclui-se facilmente que os empregados foram induzidos a erro por prepostos do Banco, pensando estar procedendo a abertura de uma conta salário quando em verdade estavam contratando uma conta-depósito. Prossegue o réu apresentando cópia do contrato para abertura da conta-depósito em fls. 84/111, um típico contrato de adesão onde fica muito difícil para o consumidor extrair quais serão os encargos que terá que suportar. Concluindo o raciocínio, o empregado que tem o recebimento de seu salário vinculado a uma instituição financeira, é obrigado a procurar essa instituição financeira e fornecer seus dados, bem como manifestar sua adesão para a abertura da conta-salário. Porém, pelo que consta dos autos, esse empregado é levado a aderir não a conta-salário, uma vez que não lhe é fornecido informações necessárias que distinguem essas contas, mas somente um contrato de adesão de quase trinta folhas, em que ele adere a conta-depósito acreditando ser necessário para o recebimento de seu salário, e acaba sendo surpreendido com a cobrança de uma série de encargos inesperados. Assim, resta demonstrado a lesão ao consumidor. O réu tenta se esquivar de seu dever de informar dizendo que quando o empregador contrata a instituição financeira para realizar o serviço de pagamento dos seus funcionários, esse próprio empregador informa os empregados sobre a conta-salário, o que nem sempre é verdade.

Os empregados, precisando receber o seu salário no dia certo, acabam não tento o tempo necessário para diligenciarem e obterem as informações detalhadas, o que leva essas pessoas ao erro ao aderirem a um contrato de 'conta comum' quando o seu objetivo na verdade era simplesmente a conta-salário. Dessa forma, é dever da instituição financeira informar melhor o consumidor antes de vender os seus serviços. Não se está aqui impedindo que o banco firme contratos de conta-depósito, mas somente exigindo que quando o faça, seja de maneira clara e transparente, tento o consumidor oportunidade de se inteirar da natureza do serviço que está aderindo.

Assim, cabível é o pedido do Ministério Público, devendo a instituição financeira apresentar um folheto aos empregados que a procurarem, informando que para o recebimento do salário, vencimentos, pensão, aposentadoria ou qualquer outra verba dessa natureza é necessário somente a conta-salário, bem como os serviços que o titular de uma conta dessa natureza tem a sua disposição; pode igualmente oferecer uma conta depósito, deixando claro, mais uma vez, que essa não é necessária para o recebimento do salário, mas que possui outros serviços, informando ainda os encargos que incidem nessa conta. As informações dessa natureza não traduzem nenhum encargo excessivo para o réu, não passando do dever comum de qualquer prestador de serviços.

 O dano moral é lesão de bem integrante da personalidade tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. Atento a tudo o que aqui foi abordado é de se considerar que não houve lesão a bens desta natureza.

Quanto aos danos morais em que o Ministério Público requer o indébito em dobro, deve-se analisar caso a caso se a cobrança dos encargos se deu em uma conta-salário sem as contraprestações que ensejam os encargos, ou se os encargos foram cobrados, mesmo com a contraprestação, mas sem que tenha havido a solicitação expressa do empregado por esses serviços, hipóteses em que a cobrança é abusiva e os empregados fazem jus à devolução em dobro, ou se a cobrança dos encargos se deu com a contraprestação de serviços que originam a cobrança desses encargos, havendo a solicitação desses serviços, hipótese em que a cobrança não foi abusiva, apenas possibilitando que o empregado que não quer receber tais serviços deixe de integrar a modalidade de conta-depósito e passe a possuir somente uma conta-salário sem a incidência desses encargos.

III – DISPOSITIVO

 Ex positis, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para o fim de declarar abusivas as cobranças de encargos que incidam nas contas destinadas exclusivamente ao recebimento de salários, vencimentos, aposentadorias, pesões e similares (conta-salário), condenado o réu a expurgar esses encargos do contrato em que não tenha havido a expressa solicitação do consumidor.

Torno, outrossim, definitiva a tutela antecipada deferida em fls. 18, obrigando o réu a apresentar folheto com informações aos empregados que venham a receber seus salários, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares por meio da instituição ré, de que podem recebe-los por meio da conta-salário onde não há a incidência de nenhum encargo, ou podem aderir a uma conta-depósito com a disponibilização de outros serviços, aos quais incidirão certos encargos Fixo a multa de R$10.000,00 (dez mil reais), incidente sobre cada caso de descumprimento das determinações supra, devidamente comprovado por documento hábil, salvo justificada impossibilidade de fazê-lo.

Condeno ainda o réu a devolução em dobro dos valores cobrados de maneira excedente, nos casos em que tenha havido a incidência de encargos indevidos na conta-salário, ou a cobrança de encargos por serviços em que não houve a aderência expressa do consumidor.

Outrossim, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos de condenação do réu a reparação de danos morais.

Condeno o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios ora fixados em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), atento ao valor atribuído à causa e a sucumbência parcial. Dê-se ciência ao Ministério Público.

 P.R.I.

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