Migalhas Quentes

Jorge Amado, 100 anos

Nascido aos 10 de agosto de 2012 e falecido em agosto de 2001, o escritor baiano viveu como escreveu : intensamente.

8/8/2012

Nascido aos 10 de agosto de 1912 em fazenda de cacau no município de Itabuna, na Bahia, mudou-se para Ilhéus com um ano de idade, onde passou a infância. Mudou-se para Salvador para os estudos secundários, onde começou a carreira de escritor como repórter do jornal Diário da Bahia, ainda antes de completar os 15 anos.

Escrevendo sobre as ocorrências policiais travou contato com muitos dos tipos populares que mais tarde povoaram seus inúmeros romances.

"Menino de quatorze anos comecei a trabalhar em jornal, a frequentar os terreiros, as feiras, os mercados, o cais dos saveiros (...)".

No início da década de 1930 mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital federal, onde cursou a Faculdade de Direito. Em 1931 publica o seu primeiro romance, O país do Carnaval. Em 1932 filiou-se à Juventude Comunista e ao PCB e tornou-se redator do jornal A manhã, órgão da Aliança Nacional Libertadora, agremiação em que atuaria ao longo de toda a década. Graduou-se em 1935, mas nunca exerceu a profissão de advogado.

O ano de sua formatura foi também o ano em que se deu aquela que entraria para a história como a Intentona Comunista, movimento que forneceria ao governo Vargas o pretexto para as prisões e perseguições políticas que caracterizaram a terrível ditadura do Estado Novo, instalado oficialmente a partir de 1937.

A trajetória de Jorge Amado como romancista foi longa, bem-sucedida e prolífica: um vasto conjunto de livros em que o autor retratou a Bahia, seu povo e sua cultura, conferindo tom de celebração à mestiçagem e ao candomblé; professou sua fé política no comunismo; deu voz a menores carentes, prostitutas e outros excluídos; brincou com clichês sexuais.

Constituinte em 1946

Mas hoje Migalhas destaca um aspecto pouco conhecido da carreira do grande escritor, sua atuação como deputado Federal na Assembleia Constituinte de 1946, que deu origem à mais democrática Carta Magna brasileira antes da Constituição de 1988.

Findo o Estado Novo, eleito Eurico Gaspar Dutra por meios democráticos, o país ansiava por um texto constitucional que refletisse liberdade. Eleito deputado federal por São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro – PCB, Jorge Amado trabalhou juntamente com sua bancada pelas liberdades individuais e políticas suprimidas durante a ditadura Vargas, com grande destaque para a emenda (aprovada) da liberdade de imprensa.

É certo que o empenho da bancada do PCB na luta pela liberdade de imprensa relacionava-se à perseguição governamental sofrida pelo próprio partido durante todo o governo Vargas e em toda sua história, aliás. Vale dizer que durante as atividades da constituinte o partido teve edição de seu jornal apreendido pela polícia e antes mesmo que a legislatura acabasse o partido já seria proscrito mais uma vez:

"Em janeiro de 1946 tomei posse na Câmara Federal de Deputados (...). Fiquei dois anos, até que, num dia de janeiro de 1948, fomos expulsos do Parlamento, eu e meus companheiros de bancada".

De um total de 15 deputados e 1 senador integrantes da bancada do PCB, 12 haviam sido presos ou perseguidos pelo governo Vargas. O próprio Jorge Amado teve o romance Capitães de Areia apreendido em todo o País e queimado em praça pública em 1937, ano de sua publicação; a publicação do folheto ABC de Castro Alves em fascículos pela revista Diretrizes impedida, em 1940, e os demais livros de sua autoria já publicados todos retirados de circulação. Exilou-se na Argentina e Uruguai, tendo sido preso por várias vezes entre 1941 e 1943. Mais tarde, o autor conferiria tratamento ficcional ao período na trilogia Os Subterrâneos da Liberdade, publicada em 1954, em que personagens e episódios do período ditatorial podem ser identificados.

Jorge Amado foi um parlamentar atuante: os anais do Congresso registram que apresentou 15 emendas ao Projeto de Constituição, dentre as quais se destacam a isenção de tributos para importação de papel para publicação de livros e jornais (emenda 2.850); a não obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas (emenda 3.062); a supressão da censura prévia para a publicação de livros e periódicos (emenda 3.064); a liberdade de culto religioso (emenda 3.218) e a eliminação do dispositivo que facultava apenas a brasileiros natos o exercício das profissões liberais (emenda 3.355).

Foram diversos os pronunciamentos de Jorge Amado em plenário contra a censura, com especial relevo para a condenação da ressalva existente no Projeto da Constituição à “propaganda de guerra, processos violentos para subverter a ordem política e social e ao comércio de gravuras e textos ofensivos ao pudor”. Em tom combativo, o autor alertou o plenário para o perigo de deixar “aos donos do poder” a classificação de atos e obras de arte como tais.

Sob o enfoque da liberdade religiosa, manifestou-se contrário à invocação da “proteção de Deus” pelo preâmbulo da Constituição.

Liberdade de culto

"Se de algo me envaideço quando penso nos dois anos que perdi no Parlamento é da emenda que apresentei ao Projeto de Constituição (...) emenda que, vitoriosa, mantida até hoje, veio garantir a liberdade de crença no Brasil".

A história da aprovação da emenda da liberdade de culto religioso, de autoria individual do próprio Jorge Amado, merece ser registrada. Frequentador dos cultos religiosos africanos desde jovem, e acostumado a vê-los tratados sob o açoite da polícia, esse era um tema sensível ao jovem deputado. (Embora a República já houvesse garantido o Estado laico, no Brasil de então, qualquer culto religioso diferente do católico romano – ainda que cristão –, era assunto de polícia). Contudo, foi uma luta para a qual o autor não pôde contar com os colegas de partido comunista, para quem religião era "o ópio do povo", "desvio pequeno-burguês".

"De comunista apenas eu, mais fácil fazê-la tramitar como projeto de intelectual conhecido, ligado às seitas afro-brasileiras, bem-visto apesar de comuna. Fosse da bancada a emenda nasceria morta".

A emenda foi negociada com parlamentares de outras legendas pelo próprio Jorge Amado, que conta em suas memórias ter procurado primeiro Luiz Viana Filho, "baiano e escritor, autor de livro sobre O Negro no Brasil, deputado pela UDN", em seguida o sociólogo pernambucano Gilberto Freire, a quem teria seduzido com o argumento de que "os xangôs do Recife vão poder dançar em paz", para em seguida percorrer o plenário, conquistar assinaturas nas bancadas da UDN e do PSD – Otávio Mangabeira, Milton Campos, Cirilo Júnior, Prado Kelly –, de espectros ideológicos tão distintos do seu PCB, cujos integrantes recusaram-se a assiná-la.

Aprovada, a emenda converteu-se no art. 141, §7° da Constituição de 1946.

"Essa a minha contribuição para a Constituição Democrática de 1946. Transformada em artigo de lei (sic) a emenda funcionou, a perseguição aos protestantes, a violação de seus templos, das tendas espíritas, a violência contra o candomblé e a umbanda tornaram-se coisas do passado. Para algo serviu minha eleição, a pena de cadeia que cumpri no Palácio Tiradentes (...)".

Bancada do PCB na Assembleia Constituinte de 1946 – Centro de Documentação e Memória da UNESP. Na primeira fila, o sexto é Carlos Marighela; Na segunda, o primeiro é Jorge Amado, o terceiro é João Amazonas, seguido de Luiz Carlos Prestes, biografado por Jorge Amado em O Cavaleiro da Esperança.

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Fontes:

AMADO, Jorge. Navegação de Cabotagem. Apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Record, 1992.

BRAGA, Sérgio Soares. Quem foi quem na Assembleia Constituinte de 1946 – um perfil socioeconômico e regional da constituinte de 1946. V. 1. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 1998.

GIOVANNETTI NETO, Evaristo. A bancada do PCB na Assembleia Constituinte de 1946. São Paulo: Novos Rumos, 1986.

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*Texto elaborado por Roberta Resende que é formada pela faculdade de Direito do Largo de São Francisco/USP (Turma de 1995) e pós-graduada em Língua Portuguesa, com ênfase em Literatura.

 

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