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Pedagoga que se passava por desembargadora é condenada

Mulher prometia a aprovação de candidatos reprovados em concurso público por meio de interposição de recursos.

7/8/2012

A 2ª câmara Criminal do TJ/RJ condenou uma pedagoga que se passava por desembargadora a três anos de reclusão e ao pagamento de 30 dias de multa pelo crime de estelionato. A mulher, associada a advogados, prometia a aprovação de candidatos reprovados em concurso público por meio de interposição de recursos.

Uma das vítimas, um candidato reprovado em um concurso da polícia rodoviária Federal, depositou R$ 10 mil na conta da pedagoga e entregou a ela um veículo Monza, ano 1994, para cobrir as despesas com o recurso. Três meses depois, sem saber do resultado do seu processo e sem ser chamado para ocupar a prometida vaga na polícia rodoviária, ele voltou ao escritório da ré e descobriu que ela havia fechado a sala e desaparecido.

"Conjunto da prova que demonstra que a apelante vendeu a garantia de êxito do recurso, incutindo no lesado certeza de que, como desembargadora, poderia influir na decisão da comissão. Seguro e coerente depoimento do lesado que, aliado às demais provas, demonstram o intenso dolo da apelante. Depoimento do lesado em crimes dessa natureza se reveste de valor relevante. Provas mais que suficientes para a condenação", considerou o desembargador Antonio José Ferreira Carvalho, relator.

Veja a íntegra da decisão.

____________

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

2ª CÂMARA CRIMINAL

Apelação nº 0006655-76.2007.8.19.0021

Apelante: V.M.C.

Corréu: P.J.M.R.

Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO

Relator: Des. ANTONIO JOSÉ CARVALHO

EMENTA – CRIME DE ESTELIONATO – AGENTE CRIMINOSA QUE, EM UNIÃO DE AÇÕES E DESÍGNIOS COM COMPARSA, FAZENDO-SE PASSAR POR “DESEMBARGADORA” E “ESPOSA DE JUIZ”, ALEGANDO ESTAR ASSOCIADA A OUTROS ADVOGADOS, INDUZ EM ERRO O LESADO PROPONDOSE A INTERPOR RECURSO CONTRA DECISÃO DA COMISSÃO DO CONCURSO QUE REPROVARA O LESADO PARA POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – LESADO QUE A ELA E SEU COMPARSA ENTREGA UM AUTO GM-MONZA, ANO 1994 E NA CONTA POUPANÇA DA APELANTE DEPOSITA R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS) – CONJUNTO DA PROVA QUE DEMONSTRA QUE A APELANTE VENDEU A GARANTIA DE ÊXITO DO RECURSO, INCUTINDO NO LESADO CERTEZA DE QUE, COMO “DESEMBARGADORA”, PODERIA INFLUIR NA DECISÃO DA COMISSÃO – SEGURO E COERENTE DEPOIMENTO DO LESADO QUE, ALIADO ÀS DEMAIS PROVAS, DEMONSTRAM O INTENSO DOLO DA APELANTE – O DEPOIMENTO DO LESADO EM CRIMES DESSA NATUREZA SE REVESTE DE VALOR RELEVANTE – PROVAS MAIS QUE SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO – APELANTE QUE, AO SER PRESA EM RAZÃO DESTE PROCESSO, SE ENCONTRAVA EM LIVRAMENTO CONDICIONAL E QUE RESPONDE A MAIS DE DUAS DEZENAS DE PROCESSOS POR IDÊNTICOS DELITOS DE ESTELIONATO, ALÉM DE RESPONDER POR OUTRAS PRÁTICAS CRIMINOSAS – NEGATIVA DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE CORRETAMENTE FUNDAMENTADA – DOSIMETRIA DA PENA PERFEITAMENTE FUNDAMENTADA, COM O AFASTAMENTO DA PENA-BASE DO MÍNIMO LEGAL – SENTENÇA BEM POSTA – DESPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO.

ACÓRDÃO

Vistos, discutidos e relatados estes autos de Apelação nº 0006655-76.2007.8.19.0021, em que figura como Apelante V.M.C., ACORDAM os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso defensivo, na forma do voto do Des. Relator.

Rio de Janeiro, 31 de julho de 2012.

DES. ANTONIO JOSÉ CARVALHO

Relator

RELATÓRIO

Recurso de Apelação interposto por V.M.C., cujas razões recursais encontram-se às fls. 438/440, eis que inconformada com a sentença prolatada pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias - RJ, fls. 411/418, que condenou a Apelante à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor mínimo legal, pela prática do delito previsto no art. 171, caput, do C. Penal.

O Juízo monocrático, à fl. 404, declarou extinta a punibilidade do acusado P.J.M.R., com base no art. 89, § 5º da Lei 9099/95.

Pretende a Defesa seja a Apelante absolvida, alegando insuficiência probatória a ensejar o decreto condenatório, esclarecendo que não há nos autos qualquer elemento que comprove que a Apelante tivesse garantido à vítima o sucesso da ação por ela ajuizada. Na realidade, a Apelante “foi usada pelo segundo acusado para conquistar a confiança da suposta vítima”. Aduz que os advogados - atuantes no escritório em que a Apelante era a responsável - recebiam o pagamento para ingressarem com ações judiciais, mas não o faziam. Tal fato somente foi percebido pela Apelante posteriormente, o que causou descontentamento nos clientes que, consequentemente, ingressaram com os processos constantes na FAC da acusada que acabou por ser condenada cinco vezes pelo mesmo crime.

Como pleito subsidiário, requer seja concedia a Apelante o direito de recorrer em liberdade, diante da presença dos pressupostos autorizadores. Discorre que a Apelante não oferece qualquer perigo a sociedade ou risco a ordem pública, possuindo a mesma mais de sessenta anos e saúde debilitada, além de ser portadora de células cancerígenas na tireoide. Por fim, relata que a Magistrada a quo decretou a prisão cautelar da Apelante equivocadamente ao fundamento de que a mesma já se encontrava presa por outro processo quando, em verdade, ela estava sob livramento condicional, desde 04/05/2010, por outro processo.

Contrarrazões do Ministério Público, às fls. 467/470, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso defensivo.

Parecer da douta Procuradoria de Justiça, às fls. 633/638 (processo eletrônico), no sentido de ser desprovido o apelo interposto pela Defesa.

É o relatório.

VOTO

Foi a Apelante condenada no Juízo a quo porque, em comunhão de ações e desígnios com P.J.M.R., a quem foi ofertada a suspensão condicional do processo,

por ele aceita e cumprida, obteve vantagem indevida, consistente no recebimento de R$10.000,00 (dez mil reais) em espécie e de um auto GM Monza, ano 1994, placa RJ/LAA 9498, bens que lhe foram entregues pelo lesado Marcos Costa da Silva, que por ambos foi induzido a erro, eis que simularam ser a Apelante uma “desembargadora” e comprometendo-se, em troca daqueles valores recebidos, a interpor recurso em favor do lesado junto à Comissão de Concurso para provimento do cargo de Policial Rodoviário Federal que o havia reprovado.

Os “serviços profissionais” foram oferecidos por P.J.M.R. ao lesado, encaminhando-o ao “escritório” onde atuava a Apelante, junto com o seu comparsa, onde a encontrou e acertou o contrato, dela recebendo o número de uma conta poupança na Caixa Econômica Federal, onde efetuou, efetivamente, o depósito do dinheiro, como se vê de fls. 07, tendo, em seguida, como pagamento do saldo dos honorários da “desembargadora”, feito entrega do automóvel a P.J.M.R..

Só posteriormente, após alguns meses, depois de não mais conseguir contatar a Apelante e seu comparsa, veio a saber que nenhum recurso fora interposto e que a Apelante não possuía qualquer cargo no Poder Judiciário.

Em suas razões recursais pleiteia a Apelante sua absolvição por insuficiência de provas e, subsidiariamente, que lhe seja concedido o direito de recorrer em liberdade, inclusive em razão de possuir a saúde debilitada.

Ao contrário do postulado pela Defesa, nos presentes autos, soberbas se mostram as provas produzidas, perfeitamente aptas a sustentarem a condenação imposta à Apelante.

Em delitos como o presente, a palavra do lesado assume especial relevância e, em Juízo, sob o crivo do contraditório, relatou:

".. que fez um concurso da Policia Rodoviária Federal (..) que oinformante conversou com P.J.M.R. lhe dizendo este que trabalhava com a Dra. V.M.C., que era Desembargadora e esposa de Juiz, e através de recursos legais conseguiria a sua admissão da PRF (...) que na data marcada por P.J.M.R. compareceu a um escritório na Rua 1° de Março, no Centro, Rio de Janeiro; que estava no escritório a ré presente e outros funcionários; que quando P.J.M.R. o levou ao escritório já havia lhe pedido o valor de R$20.000,00 para entrarem com o recurso; que foi atendido pela Dra. V.M.C., a ré presente, dizendo ela que ia ser rápido, que tudo o que P.J.M.R. havia lhe falado estava correto; que não tinha R$20.000,00, só tinha R$10.000,00 e o veiculo Monza descrito na denúncia e propôs a P.J.M.R. ; que P.J.M.R. disse que a Ré V.M.C. havia aceitado a proposta - que no dia em que esteve no escritório com a Ré V.M.C., o informante deixou os documentos do carro com P.J.M.R. na presença da Ré V.M.C. e a Ré V.M.C. lhe deu o número de sua conta de poupança, sendo ela a titular, para que o informante depositasse R$10.000,00, dizendo a Ré V.M.C. para o informante aguardar, porque logo, logo seria chamado para o cargo de Policial Rodoviário Federal (...) que o informante, no dia seguinte, depositou os R$10.000,00 na conta de poupança da Ré V.M.C.; que esperou uns três meses, mas não lhe davam o número nem o resultado do processo ( . ) que o informante e outros clientes foram ao escritório da Ré afirmando a Ré novamente que, logo, logo, todos seriam chamados; que após isso a Ré fechou o escritório e desapareceu, indo então o depoente à DP comunicar o fato; que conseguiu recuperar o veiculo Monza, através de busca e apreensão, Que estava em poder do Réu P.J.M.R. (...) Que não conseguiu recuperar os R$10.000,00 depositados na conta de poupanca da Ré .” (lesado MARCOS, fls. 145/148)

Por outro lado, pelo conjunto das provas e pelas circunstâncias que ocorreram, a versão da Apelante de que não recebeu o auto GM-Monza como pagamento dos honorários (em verdade foi ele entregue a P.J.M.R., seu comparsa) e que nunca se passou por desembargadora soa absolutamente falsa, sem qualquer resquício de credibilidade, sendo até risível a sua alegação de que teria sido ludibriada pelos cinco advogados com quem trabalhava, advogados esses que sequer aparecem no processo, até porque, pelas próprias declarações por ela prestadas, comandava ou, no mínimo, seria sócia do escritório que disse ter aberto com os cinco outros advogados (que não apareceram).

A autoria do crime imputado surge explícita no processo, devendo-se notar, tal e qual a Ilustre Magistrada sentenciante mencionou na sentença (fls. 45):

“Note-se que a Acusada cobrou não apenas a interposição de um recurso. A Ré, na verdade, vendeu a garantia de êxito do recurso com a consequente aprovação da vítima, justamente por incutir na mesma, erroneamente, o sentimento de que ela, sendo "desembargadora", poderia interferir no resultado em favor do impetrante. E essa garantia está bem delineada nas declarações da vítima, quando revela que a Acusada insistia que logo, logo seria chamada para o cargo pretendido".

Claro está que, maior e capaz, tinha a Apelante plena consciência dos atos criminosos que praticava, ficando configurada a sua culpabilidade.

A materialidade criminosa, por sua vez, está demonstrada nos autos pelo depósito bancário efetuado em favor da Apelante (fls. 13) e pelo extrato da conta-corrente dela (fls. 460/461), além da farta prova oral produzida.

Comprovado, de forma inegável, o dolo de agir da Apelante, positiva-se que as provas produzidas mostraram-se supimpas e bem mais do que suficientes para sustentarem o decreto condenatório a ela imposto.

O pleito subsidiário de recorrer em liberdade, no caso concreto, também não merece ser acolhido.

Com efeito, como a própria Defesa afirma, a Apelante, quando veio a ser presa, estava em gozo de liberdade condicional porque condenada em outro processo, e a sua folha de antecedentes criminais, quase um livro penal, contendo nada menos que 37 (trinta e sete) anotações, a grande maioria pela prática de igual injusto penal de estelionato, havendo suficientes razões e motivos para a manutenção da custódia cautelar dela, para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.

No caso em exame, a MM Juíza de Direito sentenciante justificou satisfatoriamente o afastamento da pena-base na dosimetria da pena, mostrando-se justa a fixação da reprimenda, em razão da péssima conduta social e da personalidade inteiramente distorcida e voltada para a reiterada prática de crimes de estelionato, principalmente, além de terem sido reconhecidos os seus maus antecedentes.

VOTO, pois, em CONHECENDO do recurso, no sentido de a ele NEGAR PROVIMENTO, mantendo-se a sentença como posta.

Rio de Janeiro, 31 de julho de 2012.

DES. ANTONIO JOSÉ CARVALHO

Relator

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