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Cirurgião-dentista não consegue justiça gratuita e deve pagar R$ 150 mil de honorários advocatícios

Objetivo era isenção de depósito acautelatório de R$ 20 mil para prosseguimento do feito.

17/7/2012

O Grupo de Câmaras de Direito Civil do TJ/SC indeferiu o pedido de assistência judiciária de um cirurgião-dentista e manteve sentença que o condenou a pagar R$ 150 mil em favor de um advogado, relativos a honorários advocatícios contratualmente ajustados, além de lhe imputar a responsabilidade pela satisfação das custas do processo e, ainda, de honorários sucumbenciais, fixados no equivalente a 20% do valor da condenação. A decisão do Grupo de Câmaras de Direito Civil foi unânime.

O odontólogo relatou auferir vencimentos mensais de apenas R$ 1,3 mil e não dispor de patrimônio imobiliário, reserva financeira ou veículo automotor.

Seu objetivo era isentar-se da necessidade de proceder a um depósito acautelatório no valor de R$ 20 mil para prosseguimento do feito. Nos autos, contudo, surgiu a informação de que ele teria levantado, via alvará judicial em ação de inventário que tramita na Justiça do PR, cerca de R$ 150 mil.

O desembargador Luiz Fernando Boller, relator do caso, ponderou que “o abuso nos pleitos de concessão de assistência judiciária ou de justiça gratuita é cediço, e medidas atinentes a coibi-lo são necessárias, uma vez que visam preservar não apenas o interesse público, como também o acesso à justiça daqueles que realmente não dispõem de condições financeiras para fazê-lo”.

O dentista permanece obrigado a proceder ao depósito acautelatório, sob pena de ver impossibilitado o processamento da ação rescisória que pretende desconstituir acórdão da 2ª câmara de Direito Civil.

___________

Agravo Regimental em Ação Rescisória n. 2011.023412-4/0001.00, de Itajaí

Relator: Des. Luiz Fernando Boller

AGRAVO REGIMENTAL - DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA - QUADRO PROBATÓRIO INCAPAZ DE, COM RAZOABILIDADE, EVIDENCIAR A ALEGADA HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DO AGRAVANTE - PRETENDIDA COMINAÇÃO DE PENA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DA DESVIRTUADA UTILIZAÇÃO DA VIA JUDICIAL POR PARTE DO AGRAVANTE - PRETENSÃO RECHAÇADA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Regimental em Ação Rescisória n. 2011.023412-4/0001.00, da comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é agravante J.W.R.L., e agravado M.J.I.:

O Grupo de Câmaras de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do Agravo Regimental e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Carlos Prudêncio, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jairo Fernandes Gonçalves, João Batista Góes Ulysséa, Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Denise Volpato, Gilberto Gomes de Oliveira, Odson Cardoso Filho, Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Fernando Carioni, Luiz Carlos Freyesleben, Marcus Tulio Sartorato Jaime Luiz Vicari, Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Henry Petry Júnior e Jorge Luís Costa Beber. Funcionou como Representante do Ministério Público, a Excelentíssima Senhora Doutora Hercília Regina Lemke.

Florianópolis, 11 de julho de 2012.

Luiz Fernando Boller

RELATOR

RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo Regimental onde o cirurgião-dentista J.W.R.L. verbera decisão singular que denegou-lhe a concessão do benefício da gratuidade de justiça, fixando prazo de 5 (cinco) dias para a formalização do depósito a que alude o art. 488, inc. II, do Código de Processo Civil, pressuposto extrínseco de prosseguimento válido e regular da ação Rescisória nº 2011.023412-4 (disponível em <_https3a_ _selecaoprocesso2grau.jsp3f_cbpesquisa="NUMPROC&dePesquisa=20110234124" pcpo="" cposg="" app6.tjsc.jus.br="">acesso nesta data), ajuizada contra o advogado M.J.I. (fls. 1.195/1.200).

Malcontente, o agravante reiterou o argumento de que "não possui condições de arcar com as custas do processo" (fl. 1.207), reprisando a assertiva de que não recebeu os R$ 152.083,33 (cento e cinquenta e dois mil, oitenta e três reais e trinta e três centavos), concernentes à fração sucessória que lhe caberia na alienação de bem imóvel pertencente ao falecido pai, destacando que, em verdade, o produto da venda da propriedade reverteu integralmente em proveito do respectivo espólio.

Neste rumo, exaltou que a mera possibilidade de, no futuro, receber qualquer vantagem pecuniária, não consubstancia cenário capaz de derrogar a atual insuficiência de recursos para o custeio da demanda objeto, sobressaindo que

A isto se acresce o fato do agravado, visando prosseguir com a execução provisória do acórdão rescindendo, diligenciar constantemente com vistas à satisfação de seu crédito junto ao inventário do pai do agravante, de sorte que, ainda que se fale em recebíveis futuros advindos do espólio, é previsível que sobre eles paire requerimento de penhora, obstando seu ingresso na disponibilidade patrimonial do herdeiro (fl. 1.211).

Nestes termos, aduzindo que no exercício da profissão de odontólogo percebe renda mensal de apenas R$ 1.300,00 (hum mil e trezentos reais), sendo-lhe impossível proceder ao depósito acautelatório do valor de R$ 20.908,55 (vinte mil, novecentos e oito reais e cinquenta e cinco reais), e avultando a natureza precária da benesse pretendida - que, por sua natureza, não implica definitivo afastamento da responsabilidade pela satisfação das despesas processuais -, pugnou pelo conhecimento e provimento do reclamo (fls. 1.203/1.212).

Nos termos do disposto no art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal, foi determinada a intimação do agravado M.J.I. (fls. 1.217 e 1.221), que, então, após regularizar sua representação processual, apresentou contrarrazões, aduzindo que, nos autos da ação de Inventário nº 14/1998, que tramita na 20ª Vara Cível da comarca de Curitiba-PR, o oponente teria levantado - via Alvará Judicial -, o substancial valor de R$ 152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil reais), dispondo de recursos para suportar as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento.

Não bastasse isso, o agravado avultou que

[...] em todo o trâmite processual, ao longo de mais de 9 (nove) anos, em nenhum momento fez o requerente/agravante tal pleito de assistência, a fim de isentar-se das custas, como, também, do pagamento dos honorários advocatícios, desde a citação na ação principal, no ano de 2003, até o seu trânsito em julgado, no ano de 2010, quando chegou ao Superior Tribunal de Justiça, onde foi alçado (fl. 1.230).

Assim sendo, exaltando a profissão de nível superior exercida por J.W.R.L., o recorrido pugnou pelo desprovimento da insurgência, com a condenação do oponente em multa por litigância de má-fé (fls. 1.225/1.234).

Na sequência, em 16/03/2012, os autos vieram-me conclusos (fl. 1.238).

Este é o relatório.

VOTO

O art. 195 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina estabelece que

Da decisão do Presidente do Tribunal, Vice-Presidentes, Corregedor-Geral da Justiça, Presidentes de Grupos de Câmaras, Presidentes de Câmaras ou de Relator que causar gravame à parte, caberá agravo no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 1º Não será admitido agravo da decisão que negar efeito suspensivo a agravo de instrumento ou que indeferir a antecipação da tutela recursal (CPC, art. 527, III).

§ 2º O agravo será processado nos autos em que foi prolatada a decisão que lhe deu origem.

§ 3º Presentes os pressupostos do art. 558 do Código de Processo Civil, o agravo será recebido no efeito suspensivo.

§ 4º Quando o agravo for interposto de decisão indeferitória de petição inicial em mandado de segurança (Lei n. 1.533/51, art. 8º), será ouvido o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias.

Portanto, cuidando-se de recurso interposto contra decisão monocrática que denegou a concessão do benefício da gratuidade de justiça, estando evidenciados os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, conheço do presente Agravo Regimental nº 2011.023412-4/0001.00.

Passo, de imediato, à aferição do mérito recursal, destacando que, consoante ponderado no decisum de fls. 1.195/1.200, o cirurgião-dentista J.W.R.L. ajuizou a ação Rescisória nº 2011.023412-4, com o intuito de reverter decisão prolatada pelo juízo da 3ª Vara Cível da comarca de Itajaí, que, julgando procedente a ação Ordinária nº 033.03.018738-1 (disponível em <_https3a_ _48ed36.cpo13f_paginaconsulta="1&localPesquisa.cdLocal=23&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=033030187381" _search.do3b_jsessionid="3EF34D7D4476E7180E42052D59" pg="" cpo="" esaj.tjsc.jus.br="">acesso nesta data), condenou-o a pagar ao advogado Mauro José Isolani, honorários advocatícios contratuais de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil reais), monetariamente corrigidos e acrescidos de juros de mora, impondo-lhe, ainda, a responsabilidade pela satisfação dos ônus sucumbenciais (fls. 590/602).

Não se vislumbrando nos autos prova capaz de ensejar a concessão do almejado benefício da gratuidade de justiça, ordenou-se a intimação do postulante para que, no prazo máximo e improrrogável de 10 (dez) dias, apresentasse documentos comprobatórios da alegada hipossuficiência econômica ou, alternativamente, procedesse ao recolhimento das custas iniciais e formalizasse o depósito acautelatório, sob pena de indeferimento da proemial, nos termos do art. 490 do Código de Processo Civil (fls. 1.081/1.082).

Irresignado com a pretensão do oponente, o advogado M.J.I. exaltou que, além de jovem, solteiro e sem filhos, J.W.R.L. exerce a profissão de cirurgião-dentista, não se tratando de "pessoa carente (pobre) que não dispõe de recursos financeiros" (fl. 1.086).

Neste sentido, apontou que a pretendida gratuidade estaria a ocultar o verdadeiro intuito de afastar a necessidade de formalização da garantia pecuniária a que alude o art. 488, inc. II, da Lei nº 5.869/73, razão pela qual pugnou pelo indeferimento do benefício, com a condenação do postulante em pena por litigância de má-fé (fls. 1.085/1.095), argumento renovado nas contrarrazões (fls. 1.225/1.234).

Atendendo à determinação judicial, o cirurgião-dentista J.W.R.L. carreou aos autos os documentos de fls. 1.115/1.160, exaltando que sua renda média mensal não excede R$ 1.300,00 (hum mil e trezentos reais), empregados no sustento próprio e de sua genitora, de modo que, abatidas as despesas com insumos básicos, tributos e alimentação, restar-lhe-ia pouco mais de R$ 300,00 (trezentos reais), destinados para a eventual aquisição de medicamentos e abastecimento do veículo legado por seu genitor, não possuindo em nome próprio qualquer bem móvel ou imóvel, além de manter saldo bancário irrisório, razão pela qual insistiu na concessão do aludido benefício (fls. 1.106/1.111).

Esse é o cenário que se descortina no presente reclamo, onde inexiste qualquer inovação fática ou probatória.

Diante disso - por não haver ineditismo -, natural é a mantença da conclusão objeto do rechaço, o que viabiliza a reprise dos mesmos fundamentos oportunamente deduzidos às fls. 1.195/1.200:

Analisando detidamente os autos, constato que, de um lado, J.W.R.L. carreou aos autos documentos destinados a comprovar a alegada carência financeira, ao passo que M.J.I. apresentou escritos que, per se, evidenciam substancial disponibilidade patrimonial adquirida por aquele em razão da alienação de vultoso patrimônio deixado pelo seu genitor (fls. 1.101/1.105 vº).

Aliás, nos termos da Escritura Pública de Testamento (fls. 1.098/1.100), como produto da alienação do imóvel matriculado no Cartório do Registro de Imóveis da 6ª Circunscrição da comarca de Curitiba-PR. sob o nº 86.739, coube ao autor o recebimento de 1/12 (hum doze avos) do valor de R$ 1.825.000,00 (hum milhão, oitocentos e vinte e cinco mil reais), ou seja, mais de R$ 152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil reais), quantia suficiente para viabilizar a satisfação das despesas inerentes ao presente feito.

Intimado em duas oportunidades distintas a se manifestar (fls. 1.162 e 1.175), J.W.R.L. apenas repisou a tese da alegada carência de recursos, silenciando acerca da escritura pública sobredita e de seu conteúdo, o que, portanto, deve ser ponderado no sentido de se concluir pela capacidade do autor em honrar as despesas processuais e proceder ao depósito acautelatório.

Neste sentido, há que se reafirmar o entendimento de que, para a concessão do benefício disciplinado pela Lei nº 1060/50, faz-se necessária a demonstração inequívoca da veracidade dos fatos elencados, ou seja, da dita indisponibilidade de recursos financeiros, incumbindo ao juiz exigir a comprovação da hipossuficiência para o atendimento do pleito de isenção, consoante dispõe o art. 5º, inc. LXXIV, da CF/88.

Disciplinando a matéria, o Conselho da Magistratura editou a Resolução n° 04/2006, pela qual recomenda aos magistrados que

Em havendo dúvida quanto às condições financeiras de a parte custear o processo: a) defiram o benefício em caráter provisório para que não haja prejuízo à tramitação do processo (Lei n. 1.060/50, art. 4º, §2º); b) instem-na a prestar esclarecimentos que permitam o exame mais aprofundado da pretensão e a juntar documentos que comprovem as suas alegações, se necessário (art. 1º, I).

Longe de configurar medida impeditiva do acesso à justiça, o normativo visa evitar a utilização indevida de recursos públicos.

O abuso nos pleitos de concessão de assistência judiciária ou de justiça gratuita é cediço, e medidas atinentes a coibi-lo são necessárias, uma vez que visam preservar não apenas o interesse público, como também o acesso à justiça daqueles que realmente não dispõem de condições financeiras para fazê-lo.

Na espécie, consoante já referido, J.W.R.L. deixou de oferecer resistência factível aos termos do contido na Escritura Pública de Testamento (fls. 1.098/1.100), o que, dada a fé-pública do documento, conduz à conclusão de que, indubitavelmente, dispõe de recursos suficientes para custear a demanda.

Acerca da matéria, dos julgados da JC-Jurisprudência Catarinense colhe-se que

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Justiça gratuita. Rendimentos mensais. Provas, a respeito, não produzidas. Benefício negado. Reclamo desacolhido.

Não conferindo a lei à declaração unilateral de pobreza de presunção absoluta e subsistindo dúvidas acerca da situação de hipossuficiência do postulante, ostenta razoabilidade a decisão que determina ao requerente a trazida aos autos de elementos que comprovem as condições afirmadas, como condição de viabilidade do deferimento do pleito. Desatendida essa determinação, não comprovando o peticionante os seus rendimentos mensais, correta faz-se a decisão indeferitória do pedido. (Agravo de instrumento n° 2006.036249-6, de Taió, Relator: Des. Trindade dos Santos, j. 22/02/2007).

E, mais,

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL (BRASIL TELECOM S/A). INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. POSSIBILIDADE DIANTE DOS ELEMENTOS CONSTANTES NOS AUTOS E DA INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO AGRAVANTE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 5º DA LEI 1.060/50 - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

"A presunção de hipossuficiência do peticionante, decorrente de lei, pode ser aniquilada, pois a simples declaração de pobreza na proemial, embora válida, não é prova inequívoca de sua afirmativa, especialmente quando o juiz verificar, pela natureza da lide e por outras provas e circunstâncias, que a parte, efetivamente, não faz jus à concessão do benefício" (Des. Volnei Carlin). (Agravo de Instrumento n° 2007.030102-0, de Rio do Sul, Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 12/03/2008).

Também:

PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE PROVA BASTANTE A AUTORIZAR A CONCESSÃO DA BENESSE. INDEFERIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

O benefício da gratuidade não é amplo e absoluto; logo, o juiz está autorizado a condicionar a concessão da gratuidade à comprovação do estado de miserabilidade alegado (STJ, Min. Barros Monteiro). À míngua de prova da hipossuficiência da parte, é de negar-se a benesse. (Agravo de Instrumento n° 2008.035631-0, de Sombrio, Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 22/03/2010).

Portanto, a fim de pavimentar a pretensão, deveria o insurgente ter discorrido minuciosamente acerca do destino do valor obtido em razão da alienação de parte de seu quinhão hereditário, viabilizando inequívoca conclusão de que seu patrimônio não suporta o recolhimento das custas processuais - aí incluído o depósito a que alude o art. 488, inc. II, do Código de Processo Civil -, e o pagamento dos honorários advocatícios, evidenciando a precariedade da sua situação econômica, o que, in casu, não se verifica.

Ante o exposto, considerando que a alegação do agravante não se encontra amparada por documentos hábeis e capazes de comprovar sua alegada carência financeira, indefiro o pedido de concessão do benefício da gratuidade de justiça, concedendo ao autor J.W.R.L., o prazo de 5 (cinco) dias para a formalização do depósito estatuído no art. 488, inc. II, do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento da exordial (fls. 1.195/1.200).

Como referido no intróito da fundamentação, após denegada a benesse da gratuidade de justiça, não sobrevieram aos autos quaisquer documentos outros capazes de ensejar a reconsideração da decisão hostilizada, como admite o art. 196 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Recebido o agravo, o relator terá prazo de 5 (cinco) dias para reexaminar a decisão. Ratificando-a, apresentará o agravo em mesa na primeira sessão do órgão competente.

Aliás, o cirurgião-dentista J.W.R.L. argumenta que o produto da alienação de imóvel integrante do espólio de seu genitor não teria revertido em seu proveito, integrando o monte da herança.

Contudo, nenhuma prova neste sentido foi produzida, o que situa a assertiva no plano da mera subjetividade, inviabilizando a formação de juízo favorável à pretensão.

Neste sentido, entendo pertinente invocar precioso ensinamento do notável Wilson Chagas, segundo o qual

Quais os fatos que o Juiz perquire no processo e que as partes ministram-lhe sob a forma do alegado e provado? São fatos ligados a 'acontecimentos' ou sucessos humanos. Não são fatos puros. O juiz precisa 'compreender' o que se passa para bem ajuizá-lo. A sentença exprime, sempre, um juízo de valor, e resulta de uma opção feita pelo magistrado. Neste sentido ele assume o seu veredicto (a verdade que diz, com a sentença). É dentro desse campo - essencialmente valorativo - que o Juiz se movimenta. A pesquisa que ele há de fazer, quanto à prova dos fatos, por um lado, é quanto ao Direito aplicável, por outro, é uma pesquisa do Juízo que lhe cumpre expressar e assumir pela sentença. 'Aplicar' a lei, para o Juiz, não significa conferir um fato ou uma situação jurídica determinada com uma norma abstrata. É muito mais. não há o que conferir. Há o que descobrir. E o que se descobre é o próprio Juízo de valor, em que consiste a sentença. É esta a verdade judicial, expressa no veredicto do Juiz. [...] na verdade, é o Juiz que compõe a 'norma' válida para o caso concreto, esta norma que é a sentença. Antes da sentença, não existem senão 'normas', todas elas à disposição do Juiz, mas nenhuma podendo resolver o problema da sentença. E esta norma válida, que é a sentença, resulta da interpretação judicial da Lei. Nisto consiste a função criadora da jurisprudência, função que muitos Juizes exercem sem o saber, como Monsieur Jourdain escrevia prosa (CHAGAS. Wilson. A cena judiciária. 2. ed. Porto Alegre: Revista de Jurisprudência do tribunal de Justiça, 1983. p. 20-21).

Ao caso em questão, amolda-se, ainda, magnífico raciocínio professado pelo ínclito Darci Guimarães Ribeiro, para quem

É natural, provável, que um homem não julgue sem constatar o juízo com as provas que lhe são demonstradas. Quando o autor traz um fato e dele quer extrair conseqüências jurídicas, é que, via de regra, o réu nega em sentido geral as afirmações do autor; isto gera uma litigiosidade, que, por conseqüência lógica, faz nascer a dúvida, a incerteza no espírito de quem é chamado a julgar. Neste afã de julgar, o juiz se assemelha a um historiador, na medida em que procura reconstituir e avaliar os fatos passados com a finalidade de obter o máximo possível de certeza, pois o destinatário direto e principal da prova é o juiz. Salienta Moacyr A. Santos que também as partes, indiretamente, o são, pois igualmente precisam ficar convencidas, a fim de acolherem como justa a decisão. Para o juiz sentenciar é indispensável o sentimento de verdade, de certeza, pois sua decisão necessariamente deve corresponder à verdade, ou, no mínimo, aproximar-se dela. Ocorre recordar que a prova em juízo tem por objetivo reconstruir historicamente os fatos que interessam à causa, porém há sempre uma diferença possível entre os fatos, que ocorreram efetivamente fora do processo e a reconstrução destes fatos dentro do processo. Para o juiz não bastam as afirmações dos fatos, mas impõem-se a demonstração da sua existência ou inexistência, na medida em que um afirma e outro nega, um necessariamente deve ter existido num tempo e num lugar, i.e., uma de ambas as afirmações é verdadeira. Daí dizer com toda a autoridade J. BENTHAM que "el arte del proceso no es esencialmente otra cosa que el arte de administrar las pruebas''".

Segue o mestre afirmando que

O problema da verdade, da certeza absoluta, repercute em todas as searas do direito. A prova judiciária não haveria de escapar desses malefícios oriundos dessa concepção, tanto isto é certo que para o juiz sentenciar é necessário que as partes provem a verdade dos fatos alegados, segundo se depreende do art. 332 do Código de Processo Civil [...].

Mais adiante avulta que:

Por objeto da prova se entende, também, que é o de provocar no juiz o convencimento sobre a matéria que versa a lide, i.e., convencê-lo de que os fatos alegados são verdadeiros, não importando a controvérsia sobre o fato, pois um fato, mesmo não controvertido, pode influenciar o juiz ao decidir, na medida que o elemento subjetivo do conceito de prova (convencer) pode ser obtido, e. g., mediante um fato notório, mediante um fato incontroverso.

Destaca ainda o insígne jurista, que [...] "a parte não está totalmente desincumbida do ônus da prova de uma questão de direito, na medida que cada qual quer ver a sua alegação vitoriosa devendo, por conseguinte, convencer o juiz da sua verdade." E conclui sobressaindo que "o juiz julga sobre questões de fato com base no que é aduzido pelas partes e produzido na prova." (RIBEIRO, Darci Guimarães. Tendências modernas da prova. RJ n. 218. dez-1995. p. 5).

Após compulsar detidamente o substrato probatório encartado nos autos, epilogo rematando concluir que o cirurgião-dentista J.W.R.L. não logrou êxito em conferir sustentação ao argumento de que o produto da venda do imóvel matriculado na 6ª Serventia Registral de Curitiba sob o nº 86.739 (fls. 1.105/1.105 vº), teria revertido integralmente ao Espólio de Ruy Costa da Rocha Loures, de modo que, em sendo assim, prepondera a disposição contida na Escritura Pública de Testamento (fls. 1.098/1.100), bem como na Escritura Pública de Compra e Venda com Pagamento em Parcelas e Cláusula Resolutiva (fls. 1.101/1.104), segundo as quais, ao autor teria sido, sim, destinada significativa parcela proveniente da alienação objeto.

E não se diga que se trata de matéria de alta indagação probatória, pois bastaria ter sido juntada aos presentes autos, cópia fotostática da malsinada ação de Inventário nº 14/1998 que tramita na 20ª Vara Cível da comarca de Curitiba-PR, o que afastaria qualquer incerteza acerca do recebimento, ou não, do valor aproximado de R$ 152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil reais).

Por derradeiro, relativamente ao pedido de condenação do agravante em pena por litigância de má-fé, registro que conquanto a pretensão do cirurgião-dentista J.W.R.L. mostre-se improfícua, daí não se extrai que sua conduta processual tenha adentrado na esfera da deslealdade ou da intenção de protelar o processamento da lide.

Ao contrário disso, vislumbro a contraposição equilibrada de interesses, com a utilização das ferramentas processuais postas à disposição dos contendores pelo ordenamento pátrio, razão pela qual - especialmente em decorrência da ausência de substrato probatório eficiente à demonstração do intento malicioso ou antiético do agravante -, concluo por não configuradas as circunstâncias capituladas no art. 17 do Código de Processo Civil, razão qual deixo de aplicar a sanção pecuniária pretendida pelo advogado Mauro José Isolani.

Ante todo o exposto, subsistindo eficazes indícios acerca da existência de pecúnia suficiente para que J.W.R.L. honre a satisfação dos ônus da ação Rescisória nº 2011.023412-4 - isto sem prejuízo do próprio sustento -, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Este é o voto.

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