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Em SC, advogado não terá carteira retida em visita a presídio

Para TJ catarinense, a retenção do documento funcional é despropositada.

5/6/2012

O desembargador substituto Ricardo Roesler, da 2ª câmara de Direito Público do TJ/SC, negou recurso do Estado e confirmou decisão da comarca de Itajaí que permite a profissional da advocacia ingressar no Complexo Prisional do Vale do Itajaí – Presídio de Canhanduba, tão somente mediante apresentação de sua carteira de identidade funcional.

Isso porque, com base em instrução normativa da Secretaria Estadual de Segurança Pública, a direção do estabelecimento prisional havia deliberado no sentido de proceder à retenção de tal documento durante a visita do advogado ao seu cliente, com a restituição da carteira apenas no momento da saída do presídio.

"A retenção do documento funcional (...) é despropositada. Não bastasse atentar contra uma das prerrogativas mais emblemáticas da advocacia, qual seja, a de livre acesso ao seu representado, não há lei, em sentido material, que assim autorize", anotou Roesler.

O magistrado reconhece que a administração pública precisa se preocupar com o acesso geral de pessoas aos estabelecimentos prisionais e com o que elas, eventualmente, carregam para o interior deles – sejam advogados ou não.

"Há evidente pretensão de inibir o ingresso de quem quer que seja – e bem por isso é indiferente que se trate de advogado – com materiais de uso proibido ou com qualquer objeto que possa representar risco para a segurança interna. Mas o que pretende a autoridade está para além; a glosa tem algum tempero de arbitrariedade", finalizou.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

_______

Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2012.018531-2, de Itajaí
Apelante : Estado de Santa Catarina
Procurador : Dr. Marcos Cezar Averbeck (Procurador) (8184/SC)
Apelado : Valmor Alexandre Gonçalves
Advogado : Dr. Valmor Alexandre Gonçalves (18253/SC)
Relator: Des. Ricardo Roesler

ADVOGADO. RETENÇÃO DE DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO FUNCIONAL PARA O INGRESSO EM REPARTIÇÃO PÚBLICA. ILEGALIDADE. OBEDIÊNCIA À LEI N.º 5.553/68. RECURSO DESPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA

Contra decisão que concedeu a ordem postulada, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso. Em síntese, Valmor Alexandre Gonçalves impetrou mandado de segurança contra ato do Diretor do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí - CPVI, que lhe vedara o ingresso naquela unidade prisional, senão mediante retenção de sua identidade funcional. Aduziu que não há razão para impedir seu ingresso com o documento funcional, nem tampouco legislação autorizando que assim seja. No mais, atenta contra o exercício de sua profissão, quer por ampla expressão do texto constituicional, quer por disciplina específica da Lei n.º 8.906/94.

Postulou a concessão de liminar para que lhe fosse assegurado o ingresso na unidade presidiária e acesso ao seu cliente portando sua identificação funcional, e a manutenção da medida quando do julgamento do mérito. A coatora foi notificada, asseverando que a retenção do documento se dá por razões de segurança, assim assegura pela Lei Complementar n.º 529/11 e pela Instrução Normativa n.º 001/2010/DEAP/GAB/SSP. Nesse cenário, a entrevista do advogado com seu constituinte exigiria o cumprimento da disciplina regente - o que implica, no caso concreto, na entrega da carteira de identidade funcional quando do ingresso no estabelecimento penal.

O Ministério Público opinou pela denegação da segurança (fls. 39-42).

A ordem foi concedida (fls. 43-47).

Sobreveio recurso do Estado, em que reafirma as razões apontadas pela autoridade coatora (fls. 52-57).

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 67-70). Lançou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Narcísio G. Rodrigues.

É o relato. Decido.

Trato de recurso contra decisão que concedeu a ordem postulada. Na origem discutiu-se ato de autoridade penitenciária, que impedira o ingresso do impetrante, advogado, em unidade prisional, salvo mediante a entrega de sua identidade funcional. A matéria em si não é complexa, autorizando o julgamento monocrático, na forma do art. 557 do CPC.

Da sentença concessiva da ordem o Estado curiosamente recorre, e o faz albergado na Instrução Normativa n.º 001/2010/DEAP/GAB/SSP e na Lei Complementar n.º 529/2011. Na prática, apenas a Instrução Normativa disciplina objetivamente a liturgia interna das unidades prisionais em relação aos advogados, dispondo a lei complementar sobre o regimento interno dos estabelecimentos penais do Estado, de modo amplo e genérico; faz reserva unicamente ao ingresso dos oficiais de justiça, e nos idênticos moldes que o faz instrução normativa em relação aos advogados. E sobre o ingresso naquelas unidades, a IN n.º

001/2010/DEAP/GAB/SSP dispõe:

"16. ADVOGADO

• O Advogado terá acesso à Unidade Prisional, devendo ser devidamente identificado e cadastrado no Sistema IPEN;

• Não será permitido ao profissional adentrar na unidade com seu veículo, salvo nas Unidades Prisionais que possuírem estacionamento próprio;

• Não será permitido ao Advogado o acesso ao interior da Unidade Prisional, acompanhado de familiares dos reeducandos;

• Na casa de revista o funcionário efetuará o cadastramento do defensor no Sistema IPEN, bem como o registro no livro de ingresso de advogados com seu registro da Ordem, qual o cliente que irá atender, data, horário da entrada, horário da saída e assinatura do defensor;

• O Advogado poderá estar acompanhado de estagiário, desde que, este possua credencial registrada no órgão de classe (OAB), contudo, em hipótese alguma o estagiário poderá adentrar sem a companhia do Advogado;

• Não será permitida ao Advogado a entrega de alimentos ou objetos destinados aos reeducandos, salvo com prévia autorização do Diretor, quando o reeducando não receber visita de familiar, porém, deverão submeter-se as regras de segurança;

• Somente será permitido o atendimento dos reeducandos registrados junto ao setor de revista ou recepção;

• O Advogado deverá se identificar apresentando sua credencial de registro na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, para que seja verificada a veracidade ou validade do documento, informando a que veio e com quem deseja falar; em seguida, o funcionário que o atendeu deverá comunicar o setor de segurança da galeria onde se encontra recolhido o recluso procurado, devendo o Profissional do Direito aguardar a retirada de seu cliente da galeria para o parlatório ou o seu deslocamento até o servidor que esteja procurando na casa de revista, setor anterior ao portal de detector de metais;

• Sempre que o Advogado se deslocar até a Unidade Prisional, não deverá estar portando materiais ou objetos que não estejam autorizados, contudo, se isto ocorrer, na casa de revista ou recepção será efetuado o registro, e Gabinete Des. Ricardo Roesler orientado o profissional a guardar seus pertences (aparelho de telefone móvel, carteira, agenda, cigarros, isqueiro, pasta, chaves, aparelhos eletro-eletrônicos e relógios) em local apropriado;

• Visando facilitar a conferência dos materiais que ficarão recolhidos em local apropriado, o Advogado deverá efetuar a exibição destes ao servidor da casa de revista, para que possa ser realizado o registro em livro, que servirá como auxílio na conferência no momento da devolução;

• Posteriormente, o Advogado deverá ser submetido a busca eletrônica, através de detectores de metais;

• O profissional interessado no ingresso, que opor-se ao cumprimento da determinação acima, terá sua entrada proibida e será comunicado o Órgão de Classe o qual está registrado;

• Após busca eletrônica, o Advogado será conduzido por um funcionário até o local do atendimento (parlatório) ou sala de atendimento, procedimento que deverá ser efetuado também por ocasião de sua saída;

• O Advogado será conduzido até a sala de espera, onde aguardará a chamada do Supervisor e/ou Agente Penitenciário de plantão para deslocamento ao destino final;

• Ao término do atendimento o advogado será retirado da sala de parlatório antes do reeducando, que ficará aguardando no local;

• O reeducando deverá ser revistado sem roupas, bem como suas vestes, antes e depois de acessar as salas de parlatório ou salas de atendimento, não sendo permitido a saída do local com qualquer tipo de objeto ou material;

• A solicitação de documentos gerados pelo setor penal deverá ser efetuada naquele local sempre com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, salvo em situações urgentes a serem definidas junto ao Gerente de Execução Penal;

• É vedado ao Advogado, entrada e saída dos locais de atendimentos com cartas ou objetos, exceto documentos judiciais;

• Não será permitida ao Advogado a retirada de pertences de seus clientes aos finais de semana e feriados;

• Não será aceito alvará de soltura apresentado por Advogado;

• Após as 18:30h, somente será permitido o ingresso para atendimento, se previamente agendado com a direção;" É compreensível que o Estado se preocupe em normatizar e padronizar o ingresso de pessoas nas unidades prisionais; a bem da verdade fala-se propriamente da segurança pública, da integridade dos internos e de que lá trabalham. É por isso inquestionável o rigor fiscalizatório.

Mas tudo exige algum tempero, pois a linha que divide a cautela do despotismo por vezes é muito suave, e eventualmente uma medida de precaução pode assumir feição policialesca. E eis um caso.

Os termos da instrução normativa revelam invejável rigor, que de todo modo parecem consentâneos com a necessidade de primar-se pela segurança das unidades prisionais. Há evidente pretensão de inibir o ingresso de quem quer seja – e bem por isso é indiferente que se trate de advogado - com materiais de uso proibido ou com qualquer objeto que possa representar risco para a segurança interna. Mas o que pretende a autoridade está para além; a glosa tem algum tempero de arbitrariedade.

Observo que dos objetos indicados na instrução cujo ingresso é vedado Gabinete Des. Ricardo Roesler nos estabelecimentos prisionais não consta a identidade funcional. Bem pudera. Não fosse a ausência de justificativa para retê-lo, há vedação legal: a Lei n.º 5.553/68 dispõe, em seu art. 2.º, § 2.º, que "quando o documento de identidade for indispensável para a entrada de pessoa em órgãos públicos ou particulares, serão seus dados anotados no ato e devolvido o documento imediatamente ao interessado".

O mesmo diploma capitula a retenção como contravenção penal, com pena prevista de um a três meses de prisão simples, e multa (art. 3.º, caput).

Ressalvado, então, algum imperativo de ordem pública, que não pode ser inaudito (há, evidentemente, a exigência de critério), a retenção do documento funcional, sobretudo firmado na IN n.º 001/2010/DEAP/GAB/SSP é despropositado. Não bastasse atentar contra uma das prerrogativas mais emblemáticas da advocacia, qual seja, a de livre acesso ao seu representado, não há lei, em sentido material, que assim autorize. Há muito, aliás, já decidiu o STF:

"PRERROGATIVAS DO ADVOGADO. 1) O ACESSO DO ADVOGADO AO PRESO E CONSUBSTANCIAL À DEFESA AMPLA GARANTIDA NA CONSTITUIÇÃO, NÃO PODENDO SOFRER RESTRIÇÃO OUTRA QUE AQUELA IMPOSTA, RAZOAVELMENTE, POR DISPOSIÇÃO EXPRESSA DE LEI.

2) AÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA ADVOGADO, POR FATOS RELACIONADOS COM O EXERCÍCIO DO DIREITO DE LIVRE INGRESSO NOS PRESÍDIOS. FALTA DE JUSTA CAUSA RECONHECIDA. RECURSO DE HABEAS CORPUS PROVIDO" (RHC 51.778/SP. Tribunal Pleno. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. Decisão de 13.12.73).

Logo, permanecer com seu documento de identidade lhe é assegurado não só em face de suas prerrogativas funcionais, mas antes de tudo como um direito que se tutela a qualquer cidadão.

Isso posto, nego seguimento ao recurso.

Intime-se

Florianópolis, 1º de junho de 2012.

Ricardo Roesler

RELATOR

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