Migalhas Quentes

Editora Abril é condenada por divulgar identidade de fontes em matéria

Matéria apontava lugares frequentados por duas adolescentes para prática de sexo com seus parceiros.

4/6/2012

A 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP concedeu indenização no valor de R$10 mil a cada uma das duas adolescentes que tiveram suas identidades divulgadas sem consentimento em matéria sobre sexo, publicada na Revista Gloss, da Editora Abril.

As autoras alegaram que foram convidadas por uma jornalista para dar ideias para uma nova revista, que ainda seria lançada. Em um bate-papo informal, trataram de assuntos como moda, beleza, namoro, sexo, escola e estilo de vida. Dias depois, foram informadas que um dos temas da conversa teria virado pauta. Aceitaram participar da reportagem com a condição de que suas identidades fossem preservadas.

A matéria publicada apontava lugares frequentados pelas adolescentes para prática de sexo com seus parceiros, situações embaraçosas, detalhes íntimos e inserção de seus nomes, idades e fotografias. Indignadas com a exposição, propuseram ação de ressarcimento por danos morais.

De acordo com o voto do desembargador Neves Amorim, relator do recurso, para a publicação das fotografias, necessitava a editora de consentimento expresso, inclusive com explicitação do seu objetivo e do conteúdo da matéria a ser ilustrada. "Depreende-se que restou incontroversa a publicação da imagem das autoras, em matéria constrangedora e de cunho sexual, e que a requerida não se desincumbiu de seu ônus de apresentar qualquer contrato ou autorização para a veiculação daquelas imagens, autorização essa que deveria ser expressa e não tácita como pretendeu fazer crer a ré", disse.

Veja a íntegra da decisão.

____________

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2012.0000247167

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9178655-26.2009.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CASSIA GARCIA FERREIRA, PATRICIA CARLETTI e ALESSANDRA VASCONCELOS DE PAULA SOUZA sendo apelado EDITORA ABRIL S/A.

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUÍS FRANCISCO AGUILAR CORTEZ (Presidente) e JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS.

São Paulo, 29 de maio de 2012.

Neves Amorim

RELATOR

EMENTA:

RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO DANO MORAL PUBLICAÇÃO DOS NOMES, IDADES E FOTOS DAS AUTORAS IMAGENS UTILIZADAS PARA ILUSTRAR MATÉRIA INTITULADA “ONDE TRANSAR” USO NÃO AUTORIZADO AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO QUANTO AOS RETRATOS INDEPENDE DE PROVA DO PREJUÍZO A INDENIZAÇÃO PELA PUBLICAÇÃO NÃO AUTORIZADA DA IMAGEM DE PESSOA INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 403 DO STJ DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) VALOR CONDIZENTE COM A CAPACIDADE FINANCEIRA DO OFENSOR, SEM ENRIQUECER AS VÍTIMAS SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA.

RECURSO PROVIDO.

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente a ação de indenização por danos morais, sob o fundamento de que as autoras consentiram com a publicação da matéria da revista GLOSS, inexistindo dano suscetível de reparação (fls. 310/319).

Inconformadas, apelam as autoras, sustentando que só concordariam com a publicação da matéria se o texto publicado fosse antes analisado por elas, omitindo-se suas identidades. Afirmam que todos os fatos narrados na exordial foram comprovados, sobretudo, a falta de anuência para a divulgação da matéria. Esclarecem que nunca houve autorização para que seus nomes ou imagens fossem divulgados, sendo imperiosa a reforma da r. sentença para julgar procedente a demanda condenando a requerida no pagamento de indenização pelos danos morais suportados (fls. 325/332).

Regularmente processada, vieram aos autos contrarrazões (fls. 336/355).

É o relatório.

O recurso merece provimento.

As autoras propuseram a presente ação buscando ressarcimento pelos danos morais que alegam ter sofrido em razão de matéria jornalística publicada na revista “GLOSS” de autoria da requerida intitulada “Onde transar”.

Na aludida matéria, foram apontados lugares frequentados pelas autoras para prática de sexo com seus parceiros, contando situações embaraçosas por ela vivenciadas e revelando detalhes íntimos de suas vidas pessoais com a inserção de seus nomes, idades e fotografia, sem seu expresso consentimento (fls. 46).

A requerida, em sua defesa, sustenta que sua preposta, Liele Karine Vieira Lourdes Malard Monteiro, e as autoras mantiveram relação amigável e pretende corroborar seus argumentos com os e-mails trocados entre as partes cujo teor será analisado a seguir.

Na espécie dos autos, a jornalista Liele, contou às autoras que se tratava de reunião para colheita de material para redigir matéria para nova revista que seria lançada pela Editora Abril, o que é diametralmente oposto à divulgação das histórias particulares contadas pelas entrevistadas, citando seus nomes e inserindo suas imagens, sem sua autorização expressa.

Ademais, a alegação de que a jornalista e as autoras estabeleceram relação amistosa a teor dos e-mails trazidos aos autos não implica anuência para publicação de seus relatos narrando os locais onde costumam fazer sexo, seguido de seus nomes e fotos, o que deveria ser praxe para editora conceituada como a requerida.

Neste contexto, pela leitura dos e-mails trocados, verifica-se que, em nenhum momento, há menção de que seriam utilizados os nomes das autoras ou suas fotografias na matéria a ser publicada, pelo contrário, afirmam, apenas que o conteúdo conversado serviria de pauta para futura matéria.

Igualmente pífios os argumentos de que uma das autoras teria pedido permissão para levar outra amiga que contribuiria na pauta a ser redigida pela preposta da ré, tampouco o anterior ajuizamento, por uma das autoras, de ação de indenização por dano moral (fls. 236/237) pode servir como fato impeditivo de seu direito inexoravelmente violado.

Também não há como agasalhar o argumento da jornalista Lieli de que “o envio da autorização se dá apenas a título de zelo”, porquanto a assinatura das autoras, autorizando a publicação da matéria com suas fotos era essencial (fls. 201/202).

A própria diretora da revista, Maria Angélica Santa Cruz Paes Barreto, confirma que só notaram a falta de assinatura das autorizações após o ajuizamento da ação, demonstrando a total imperícia dos prepostos da editora no sentido de obter a anuência de seus entrevistados antes da divulgação de material (fls. 199/200).

Como visto, constou o nome e fotografia das autoras na matéria, o que permite a identificação das suas imagens, sendo que, para a publicação das referidas fotografias, necessitava a apelada de consentimento expresso das apelantes, inclusive com explicitação do seu objetivo e do conteúdo da matéria a ser ilustrada.

Portanto, depreende-se que restou incontroversa a publicação da imagem das autoras, em matéria constrangedora e de cunho sexual e que a requerida, não se desincumbiu de seu ônus de apresentar qualquer contrato ou autorização para a veiculação daquelas imagens, autorização essa que deveria ser expressa e não tácita como pretendeu fazer crer a ré.

Tenha-se presente que a Constituição Federal de 1988 assegurou e resguardou a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa, delineando a forma em que os referidos direitos seriam exercícios, sendo certo que estas garantias encontram limites ao se depararem com os direitos individuais tidos como fundamentais.

Com efeito, a imagem das pessoas constitui direito inviolável, conforme prevê expressamente o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, qualificando-se como direito de personalidade, extrapatrimonial e de caráter personalíssimo. Essa inviolabilidade visa proteger o interesse que tem a pessoa de se opor à divulgação da sua imagem, sobretudo, em circunstâncias relativas a sua vida privada ou aptas a lhe causar situações humilhantes ou constrangedoras.

Tal direito é absoluto e também foi assegurado no art. 20 do Código Civil, que preconiza que, salvo razões de interesse público ou para a correta aplicação da justiça, não se admite que se publique, sem consentimento, retrato que reproduza a aparência física do sujeito retratado, sob pena de responder por indenizações.

Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “Cuidando-se de direito à imagem, o ressarcimento se impõe pela só constatação de ter havido a utilização sem a devida autorização. O dano está na utilização indevida para fins lucrativos, não cabendo a demonstração do prejuízo material ou moral. O dano, neste caso, é a própria utilização para que a parte aufira lucro com a imagem não autorizada de outra pessoa. Já o Colendo Supremo Tribunal Federal indicou que a 'divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano'” (STJ - REsp 138.883 PE - Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO 3ª Turma j. 04/08/1998, in DJ 05/10/1998, p. 76).

É preciso insistir também no fato de que se tratando de indenização decorrente de uso indevido da imagem, não há necessidade da prova do prejuízo, já que o dano ocorre in re ipsa, entendimento sedimentado na Súmula n.º 403 do STJ: "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais".

Como se observa, a exploração da imagem alheia constitui ato ilícito e fundamenta a indenização, independentemente de prejuízos concretos, não importando o tipo de publicação, ou seja, basta que se publique a imagem, sem consentimento, para que a pessoa exposta possa ter direito de ser indenizada ou compensada financeiramente.

Vale lembrar que as autoras não são pessoas públicas ou com notoriedade no meio artístico, não sendo a publicação realizada para satisfazer o interesse público ou a necessidade de informação, de forma que indispensável, à espécie, a expressa autorização para publicação.

Logo, seja pela natureza dos fatos incontroversos ou comprovados segundo o teor das provas produzidas neste processo, forçoso é concluir que incorreu a ré, repita-se, em ofensa à honra e ao direito de imagem das autoras, dado o uso indevido que fez de suas imagens.

Impende observar que a quantificação do dano moral deve ter como parâmetro a vedação ao enriquecimento sem causa do ofendido. Mas, além do caráter satisfativo da indenização, são inegáveis: seu grande poder de coibir condutas ilícitas e seu objetivo de fazer com que os veículos de comunicação e empresas jornalísticas atuem com diligência e seriedade ao publicar a notícia.

É fundamental analisar a saúde financeira do ofensor, com fixação de indenização que não lhe pareça irrisória; e o efetivo prejuízo e abalo sofridos pelo ofendido, para que o valor da reparação não constitua verdadeiro enriquecimento sem causa.

Partindo deste pressuposto, arbitro a indenização no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autora, valor que obedece a tais critérios por ser apto a indenizar as apelantes pelos danos suportados. Sobre esse valor incidirão os juros desde a data do fato danoso (Súmula 54 do STJ) e correção monetária a partir da publicação do acórdão, por se tratar de ilícito extracontratual.

Pela sucumbência, arcará a ré com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15 (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do disposto no artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.

Assim, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

NEVES AMORIM

Desembargador Relator

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