"O mais denso e importante conteúdo do princípio da moralidade, do decoro e da lealdade". Assim o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF, definiu a lei 8.429, promulgada em 2 de junho de 1992 e conhecida por lei de improbidade administrativa.
A norma, para Ayres Britto, revolucionou a cultura brasileira, ao punir com severidade os desvios de conduta dos agentes públicos. "A lei de improbidade administrativa é revolucionária porque modifica para melhor a nossa cultura", afirma. "Com ela, estamos combatendo com muito mais eficácia os desvios de conduta e o enriquecimento ilícito às custas do Poder Público".
Na exposição de motivos do PL 1.446/91, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, assinalava que "uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o país é a prática desenfreada e impune de atos de corrupção no trato com os dinheiros públicos". O objetivo do PL era criar mecanismos de repressão que, para ser legítimo, "depende de procedimento legal adequado", sem "suprimir as garantias constitucionais pertinentes, caracterizadoras do Estado de Direito".
A lei regulamenta o artigo 37 da CF/88, que ordena os princípios básicos da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e prevê expressamente a imposição de sanções para atos de improbidade. O texto legal especifica tais atos em três categorias principais: enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentado contra os princípios da administração pública. As penas fixadas incluem a perda de bens acrescidos indevidamente ao patrimônio, o ressarcimento integral do dano, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa.
Nos vinte anos de vigência, a lei 8.429/92 resultou, segundo levantamento do CNJ até março deste ano, em 4.893 condenações nos TJs e 627 nos TRFs. Sua aplicação, porém, ainda é motivo de diversas discussões no âmbito do Poder Judiciário, tanto por meio de recursos às condenações impostas quanto por questionamentos diretos sobre o teor e a constitucionalidade da lei. Muitas delas desembocam ou têm origem no STF.
O procurador-geral da República e presidente do CNMP, Roberto Gurgel, proferiu palesta nesta sexta-feira, 1º/6, no Seminário Nacional de Probidade Administrativa, em comemoração aos vinte anos da lei.
Roberto Gurgel alertou que, passados 20 anos, muitos pontos ainda suscitam polêmica em sua aplicação. De acordo com ele, "ainda discute-se se a natureza da lei é penal ou civil, se os agentes políticos que estão sujeitos à lei dos Crimes de Responsabilidade também o estão à lei de improbidade administrativa, e, ainda, se estes mesmos agentes políticos, que gozam de foro por prerrogativa de função para as ações penais, podem ou não ser demandados em primeiro grau". Para o procurador-geral da República, "parece difícil negar que a indefinição em relação a esses pontos de tamanha importância acaba sendo influenciada pelo fato de a lei cuidar de assuntos relacionados, em muitos casos, a pessoas de elevado poder econômico ou político". Para Gurgel, isso tem contribuído para que essa indefinição persista.
O presidente do CNMP chamou a atenção para a pouca utilização da lei de improbidade administrativa. Gurgel apresentou dados do Cadastro Nacional das Condenações Definitivas por Atos de improbidade administrativa, gerenciado pelo CNJ, que revelam a subutização da lei. O PGR afirmou que, segundo dados de maio de 2012, os Estados do Amazonas e Alagoas, juntos, condenaram apenas três pessoas nos vintes anos de vigência da lei de improbidade administrativa. Na BA e em PE, no mesmo período, foram 14 e 9 condenações, respectivamente. Em TO, as condenações somam 10. Gurgel destacou que esses números contrastam enormemente, por exemplo, com SP, que tem cadastradas 1960 condenações, número quase três vezes maior que o do RS, Estado que aparece em segundo lugar em números absolutos, com 592 agentes condenados definitivamente.
Roberto Gurgel declarou que, para fornecer novo instrumento legal para combater a corrupção e a improbidade administrativa, seria oportuna a aprovação de uma lei de natureza civil com a possibilidade do emprego da inversão do ônus da prova. O propósito seria o de se aprovar a extinção do domínio de bens em relação aos quais o servidor público não comprove a origem lícita. O procurador-geral esclareceu que uma lei com previsão dessa natureza, que obriga o indivíduo a provar que seu patrimônio é compatível com sua renda, bem como a origem lícita de seus bens, que não tenha qualquer sanção de natureza penal não poderá ser apontada como violadora de direitos fundamentais de matriz constitucional, como o da presunção de inocência. A sanção seria apenas o perdimento civil dos bens ou valores de origem ilícita. Roberto Gurgel afirmou que essa proposta foi apresentada recentemente por um grupo de trabalho da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de SP.
Ao comentar sobre experiências que surgem no âmbito da sociedade civil, Gurgel concluiu ao declarar que o MP não está afastado desse esforço, criando ferramentas para agilizar a análise de dados bancários, além de um trabalho preventivo, com a divulgação na internet de recursos distribuídos pela União. Nesse sentido, a lei de improbidade administrativa é ferramenta essencial no combate à corrupção e, apesar das persistência das dúvidas na aplicação da lei e de sua subutilização em alguns Estados, sua edição representa um grande avanço no combate à corrupção, declarou Roberto Gurgel.