O juiz Dario Ribeiro Machado Junior, da 5ª vara Federal do RJ, determinou que o BNDES autorize o acesso da Folha de S.Paulo a relatórios internos sobre empréstimos feitos pela instituição.
Nos relatórios, constam as operações com valor igual ou superior a R$ 100 mi aprovadas pela diretoria do Banco no período compreendido entre janeiro de 2008 a março de 2011.
A decisão foi proferida em MS impetrado pelo jornal contra o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que se nega a fornecer cópias dos relatórios alegando que eles estão protegidos por sigilo bancário.
O magistrado salientou que o BNDES é integrante da administração pública e utiliza recursos públicos. Sendo assim, verificou a existência de "expressa limitação ao direito de informação a ser prestado pelos órgãos públicos – aí incluído o BNDES –, qual seja, o sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
A ação foi patrocinada pelo advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Ciochetti & Fidalgo Advogados.
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Processo: 0020225-86.2011.4.02.5101
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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PODER J UDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO
MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO Nº 0020225-86.2011.4.02.5101
IMPETRANTE: EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A E OUTRO
IMPETRADO: PRESIDENTE DO BNDES
JUIZ FEDERAL: DARIO RIBEIRO MACHADO JUNIORSENTENÇA
(Tipo A)
I. RELATÓRIO
EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A e RICARDO DE OLIVEIRA BALTHAZAR, qualificados na inicial, impetraram o presente mandado de segurança contra ato do PRESIDENTE DO BNDES, objetivando seja determinado ao Impetrado que forneça aos Impetrantes “o acesso e a extração de cópias dos Relatórios de Análise especificados no anexo do requerimento formulado (cf. Doc. 5), de que constam as operações com valor igual ou superior a R$ 100 milhões aprovadas pela Diretoria do Banco no período compreendido entre janeiro de 2008 a março de 2011”.
Informações de fls. 121/156.
Liminar indeferida às fls. 243/244.
O MPF manifestou-se às fls. 247/251.
A seguir, vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório. DECIDO.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, afasto a alegação de impropriedade da via eleita. Como bem ressaltado pelo Ministério Público Federal, “contra os atos dos dirigentes de estabelecimentos autorizados, como no caso, bancos, praticados no interesse interno e particular do estabelecimento (atos de gestão comercial), o mandado de segurança não se mostra cabível (§ 2º, do artigo 1º, da Lei nº 12.016/09) vez que a autoridade os pratica despida das atribuições próprias do poder público de que dispõe. Contudo, quando praticados no exercício das atribuições do poder público a ele conferidas (in casu, a realização de operações de crédito), considerando a natureza da atividade exercida pelo BNDS, bem como de seu patrimônio, se mostra cabível a via do mandamus, sobretudo quando se refira à negação de acesso aos atos praticados para esse fim” (fl. 1.077).
Tampouco se cogita de litisconsórcio passivo necessário entre os beneficiários do ato em questão, uma vez que o que se busca é o acesso a relatórios elaborados exclusivamente pelo BNDES, de modo que descabida a presença no pólo passivo de outras entidades.
Por fim, não está configurada a hipótese de impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que a pretensão autoral não é vedada em tese pelo nosso ordenamento jurídico.
No mérito, tem-se que o sigilo bancário, embora não encontre proteção específica na Constituição da República de 1988, é um corolário do direito à intimidade consagrado no art. 5º, X, da CF/88, podendo ser definido em linhas gerais como a “discrição que os bancos, os seus órgãos e empregados devem observar sobre os dados econômicos e pessoais dos clientes, que tenham chegado ao seu conhecimento através do exercícios das funções bancárias” (Interpretação Constitucional Principiológica e Sigilo Bancário, Melissa Folmann, 2003, Juruá Editora, p. 113).
Assim, a princípio, as informações abrangidas pelo sigilo bancário não podem ser objeto de divulgação pelas instituições financeiras que a elas tiveram acesso, sob pena de violação de uma garantia de índole constitucional.
Por outro lado, deve-se ter em mente que as informações buscadas nesses autos não foram prestadas a uma instituição financeira qualquer, mas sim ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
De fato, conquanto não se olvide que o BNDES é uma empresa pública, entidade, portanto, de direito privado, não há como se equiparar de forma plena sua atuação a de uma instituição financeira que não integre a Administração Pública.
Isto porque, segundo o art. 3º do Decreto 4.418/02, o BNDES é o “principal instrumento de execução da política de investimento do Governo Federal e tem por objetivo primordial apoiar programas, projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do País”.
Outrossim, constituem recursos do BNDES “as dotações que lhe forem consignadas no orçamento da União” (art. 7º, V), sendo certo que aquela empresa pública se vale, ainda, dos recurso dos programas de PIS/PASEP (art. 8º, I e II).
Dessa forma, verifica-se sem maiores dificuldades que são públicos os recursos utilizados pelo BNDES na consecução de seus objetivos, tanto quanto basta para que o tratamento concedido à sua atuação, no que tange à publicidade de seus atos, seja distinto do atribuído às demais instituições financeiras.
Em outras palavras, sendo o BNDES integrante da Administração Pública Federal, e sendo públicos os recursos que utiliza, é certo haver sua submissão ao Princípio da Publicidade (art. 37 da Constituição da República), que permeia sua atuação e deve ser levado em consideração quando da interpretação das normas a ele aplicáveis.
Nesse contexto, verifica-se que o deslinde do feito passa pela solução da tensão existente entre (i) o direito à privacidade das entidades que prestaram informações ao BNDES e (ii) o Princípio da Publicidade ao qual está submetida aquela empresa pública.
Ainda sobre o tema, é importante registrar que se o próprio sigilo bancário não é absoluto (RE 219780, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 13/04/1999, DJ 10-09-1999 PP-00023 EMENT VOL-01962-03 PP-00473 RTJ VOL-00172-01 PP-00302), tampouco o é o direito à informação (art. 5º, XIV e XXXIII) ou mesmo a liberdade de expressão (art. 220 da CR/88), pelo que deve ser buscado o equilíbrio entre essas garantias aparentemente contrapostas.
Fixada essa premissa, verifico que o modelo do Relatório de Análise juntado às fls. 53/74 – documento que os Impetrantes objetivam ter acesso – contém informações que, realmente, podem ser consideradas abarcadas pelo sigilo bancário.
Naquele relatório é feita a análise de diversas informações diretamente relacionadas às movimentações financeiras das entidades, tais como dívidas bancárias, patrimônio líquido, lucro líquido, endividamento financeiro, dentre outros.
Saliente-se que o sigilo bancário abarca mais do que a simples menção a uma transação bancária específica, alcançando também, nos termos da definição supratranscrita, todos os dados econômicos aos quais o banco teve acesso em virtude do exercício de suas funções.
Nessa linha, a ampla divulgação dos Relatórios de Análise configuraria a violação ao sigilo bancário daqueles entes, o que não se pode admitir.
Outra seria a conclusão acaso houvesse indícios de irregularidades praticadas pelo BNDES. Vale dizer, havendo suspeitas concretas sobre a legalidade da aplicação de recursos públicos, devem ser prestigiados o Princípio da Publicidade e o direito à informação em detrimento da proteção ao sigilo bancário.
Assim, a condição de o BNDES ser integrante da Administração Pública ganha relevo e enseja um tratamento diferenciado em relação às demais instituições financeiras apenas quando estivermos diante de supostas práticas de irregularidade. Entretanto, não é essa a hipótese dos autos, pois não foi aventado na inicial qualquer desvio concreto por parte do BNDES, pelo que não merece acolhida a pretensão autoral, nos termos em que foi formulada.
Questão interessante foi suscitada pelo MPF em seu parecer, como se infere do seguinte trecho abaixo transcrito (fl. 1.080):
A outro giro, nota-se que, dentre os beneficiários, há pessoas jurídicas de direito público ou que, mesmo privadas, detém parcela de capital público, as quais, frente ao princípio da publicidade se encontram em situação diversa dos beneficiários particulares, diante do que as informações constantes dos Relatórios de Análise não podem sofrer restrição de sigilo.
Entendo que assiste parcial razão ao Parquet. Quanto às pessoas jurídicas de direito público, realmente é descabida a evocação do sigilo bancário como um limitador às informações que lhes são inerentes, mesmo as de natureza financeira.
Ora, como já dito o sigilo bancário deve ser entendido como um aspecto do direito à intimidade, direito esse que não subsiste diante do Princípio da Publicidade que, é sabido, é intrínseco à atuação daquelas entidades.
Entretanto, mesmo essa publicidade não deve ser entendida de maneira irrestrita, uma vez que, nos termos do art. 5º, XXXIII, da CF/88, “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Verifica-se da parte final desse dispositivo a existência de expressa limitação ao direito de informação a ser prestado pelos órgãos públicos – aí incluído o BNDES –, qual seja, o sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Portanto, quando o projeto objeto do relatório de análise for relativo a uma pessoa de direito público, será cabível sua divulgação, salvo se disser respeito à segurança da sociedade e do Estado.
Por outro lado, quando estivermos diante de entes integrantes da Administração que sejam pessoas jurídicas de direito privado, deve prevalecer o sigilo bancário, uma vez que tais entidades submetem-se em larga escala ao regime jurídico próprio dos entes tipicamente privados, pelo que devem ter preservadas as informações referentes às suas movimentações financeiras.
De conseguinte, o pedido deve ser julgado procedente em parte, nos termos do dispositivo a seguir.
III. DISPOSITIVO
Do exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO E CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA, para determinar à autoridade coatora que, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da intimação da presente sentença, autorize à Impetrante o acesso e a extração de cópias dos Relatórios de Análise relativos às operações com valor igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem milhões de reais) aprovadas pela Diretoria do Banco no período compreendido entre janeiro de 2008 a março de 2011, unicamente quando o requerente da operação for pessoa jurídica de direito público, ressalvada a hipótese do projeto referir-se à segurança da sociedade e do Estado.
Tendo em vista a vitória mínima diante da sucumbência, condeno os Impetrantes em custas. Sem honorários advocatícios.
Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
P. R. I.
Rio de Janeiro, 27 de abril de 2012.
DARIO RIBEIRO MACHADO JUNIOR
Juiz Federal
5ª Vara Federal