Migalhas Quentes

Sabonete terá que mudar embalagem para não ser confundido com concorrente

Liminar foi mantida para cessar atos de concorrência desleal e violação de marca.

25/4/2012

O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, não conheceu do recurso interposto pela Francis Licenciamentos Ltda. A empresa pretendia reverter a liminar que determinou a alteração, em 90 dias, das embalagens do sabonete Francis Protection, pois elas foram consideradas muito semelhantes às do concorrente Protex, da Colgate.

Segundo o relator, "em se tratando de decisão liminar para determinar a substituição das embalagens de produtos, por alegada prática de ato de concorrência desleal, o artigo 209 da Lei 9.279/96 é que deve reger a controvérsia, pois é hipótese que se subsume à norma albergada por esse dispositivo".

"O artigo 209, parágrafo 1º, da Lei 9.279/96 expressamente prevê a possibilidade de o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje", esclareceu.

"Desse modo, o artigo 209 constitui salutar e relevante instrumento processual à disposição do Judiciário para que a autoridade judiciária possa garantir, nos casos de materialização de sua incidência, a tutela da propriedade intelectual, possibilitando, ainda que em caráter provisório, a cessação da indevida violação por terceiros de bens relativos à propriedade industrial e, ainda, a pronta repressão a atos de desvio desleal de clientela", completou.

Veja a íntegra da decisão.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.306.690 - SP (2011/0245390-4)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: FRANCIS LICENCIAMENTOS LTDA

ADVOGADO: DAVID KASSOW E OUTRO(S)

RECORRIDO: COLGATE PALMOLIVE INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA E OUTRO

ADVOGADO: RODRIGO ROCHA DE SOUZA E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCORRÊNCIA DESLEAL. CONCESSÃO DE LIMINAR PARA DETERMINAR A SUBSTITUIÇÃO, EM PRAZO RAZOÁVEL, DAS EMBALAGENS DE PRODUTOS POSSÍVEIS DE SEREM CONFUNDIDAS COM AS UTILIZADAS POR MARCA CONCORRENTE. POSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE.

1. A antecipação de tutela, nos moldes do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil, constitui relevante instrumentário de que dispõe o magistrado para que, existindo prova inequívoca e verossimilhança das alegações, dentro de seu prudente arbítrio, preste tutela jurisdicional oportuna e adequada que, efetivamente, confira proteção ao bem jurídico tutelado, abreviando, ainda que em caráter provisório, os efeitos práticos do provimento definitivo.

2. A decisão recorrida reconheceu expressamente que "uma primeira análise das embalagens dos sabonetes comercializados pelas partes permite constatar a existência de uma grande semelhança no conjunto visual dos produtos, a qual tem inegável potencial de levar à confusão, induzindo o consumidor a adquirir um pelo outro", e, portanto, limita-se a impor à ré, no prazo de 90 dias, alterações nas embalagens de sua nova linha de sabonetes. A providência liminar, ademais, em caráter provisório, não tutela a marca, mas sim faz cessar a possível concorrência desleal, evitando eventual utilização indevida de elementos que têm função "para-marcárias", que a doutrina denomina "Trade Dress".

3. Dessarte, como o artigo 209, § 1º, da Lei 9.279/96 expressamente prevê a possibilidade de o juiz, em casos de violação de direitos de propriedade industrial ou prática de atos de concorrência desleal, "nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje", a revisão da decisão recorrida encontra óbice intransponível na Súmula 7/STJ.

4. Ademais, "[e]sta Corte, em sintonia com o disposto na Súmula 735 do STF (Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar), entende que, via de regra, não é cabível recurso especial para reexaminar decisão que defere ou indefere liminar ou antecipação de tutela, em razão da natureza precária da decisão, sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada ou revogada pela sentença de mérito. Apenas violação direta ao dispositivo legal que disciplina o deferimento da medida autorizaria o cabimento do recurso especial, no qual não é possível decidir a respeito da interpretação dos preceitos legais que dizem respeito ao mérito da causa". (AgRg no Ag 658.931/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011)

5. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Dr(a). GUSTAVO PIVA DE ANDRADE, pela parte RECORRIDA: COLGATE PALMOLIVE INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

Brasília (DF), 10 de abril de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Colgate Palmolive Indústria e Comércio Ltda. e Colgate Palmolive Company ajuizaram ação de reparação de danos em face de Francis Licenciamentos Ltda., objetivando compelir a ré a cessar atos de concorrência desleal e violação de marca. Afirmam que a segunda autora é lider de mercado no segmento de produtos destinados à higiene pessoal, sendo titular da marca de renome "PROTEX" há mais de 50 anos. Sustentam que o produto adquiriu alta credibilidade e reconhecimento, sendo reconhecido pelo conjunto-imagem que consiste na embalagem com fundo branco, estampada com a marca "PROTEX" em azul, com listras coloridas, que são objeto de registros e pedidos de registro no INPI e funcionam "como ímãs na captação de clientela e constam expressamente de todas as publicidades envolvendo o sabonete". Asseveram que a ré, em atitude oportunista, lançou linha de embalagens para seus produtos "FRANCIS PROTECTION", que são muito semelhantes às embalagens utilizadas há anos pelas autoras, tendo sido copiados "os elementos distintivos do produto líder de mercado para atrair clientela alheia".

Além do pleito indenizatório, requereu fosse concedida liminar para determinar à requerida que promova imediatamente alterações nas embalagens de sua nova linha de produtos "Francis Protection", sob pena de multa diária.

O Juízo da 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo - SP, em antecipação de tutela, determinou á ré que substitua as embalagens por outras não suscetíveis de serem confundidas ou associadas às embalagens dos produtos Protex.

Interpôs a ré agravo de instrumento para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que deu parcial provimento ao recurso apenas para ampliar o prazo para o cumprimento da obrigação de fazer, mantendo a liminar.

A decisão tem a seguinte ementa:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL - PRODUTOS COM EMBALAGENS SEMELHANTES - FATO QUE, EM PRIMEIRA ANÁLISE, PODE INDUZIR O CONSUMIDOR A ADQUIRIR UM PRODUTO PELO OUTRO - RISCO DE CONFUSÃO - LIMINAR CASSADA, EM PARTE PARA CONCEDER À EMPRESA RÉ O PRAZO DE NOVENTA DIAS PARA A ALTERAÇÃO DAS EMBALAGENS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Interpôs a ré recurso especial com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal sustentando violação ao artigo 273 do Código de Processo Civil.

Afirma que é necessária a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial, de forma a obstar a execução imediata do acórdão recorrido, tendo em vista a irreversibilidade da antecipação de tutela concedida.

Argumenta que não há prova inequívoca do direito pleiteado ou formação de contraditório, e que a alteração das embalagens de produtos que já se encontram no mercado é provimento irreversível.

Sustenta ter sofrido danos de ordem moral, pois a sua imagem foi indevidamente associada "a uma empresa que concorre deslealmente em sua área de atuação, por conta das alegações infundadas da Recorrida nos autos".

Argumenta que as próprias recorridas pleitearam a produção de prova pericial, para fins de comprovar com certeza a existência de possibilidade de confusão entre as embalagens dos produtos das partes.

Em contrarrazões, alegam as recorridas que: a) recorrente pretende o reexame de provas; b) há prova inequívoca e verossimilhança das alegações; c) foi comprovada "a flagrante imitação da embalagem dos sabonetes"; d) o requerimento de produção de provas, serve para demonstrar as alegações, não significando que a parte tenha dúvida acerca dos seus direitos; e) em nenhum momento pretenderam que a recorrente deixasse de produzir e comercializar os seus produtos, mas apenas que respeitassem os seus direitos; f) não há óbice à concessão da antecipação de tutela.

Dei provimento ao agravo em recurso especial para determinar a sua conversão no presente recurso especial (fl. 377).

As recorridas apresentaram documentos asseverando que o requerimento de prova pericial não significa que a conduta ilícita não podesse ser constata em cognição sumária, e que "no dia 13/03/2012 a i. Perita, nomeada pelo d. Juízo a quo" ,"apresentou o laudo pericial concordando com a tese das Recorridas" (Fls. 382-400).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão controvertida consiste em saber se a decisão concedendo a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar à Ré que, no prazo de 90 dias, providencie alterações nas embalagens de sua nova linha de produtos, viola o artigo 273 do Código de Processo Civil.

O acórdão recorrido dispôs:

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de ação de reparação de danos, concedeu medida liminar compelindo a sociedade ré a proceder, no prazo de cinco dias, alterações nas embalagens de sua nova linha de produtos Francis Protection, suscetíveis de serem confundidas ou associadas com os produtos da marca Protex, de propriedade das autoras.

Sustenta a ré-agravante, em suma, que as embalagens dos sabonetes fabricados pelas partes são dotadas de elementos suficientes a perfeita distinção, não havendo que se falar de concorrência desleal. Aduz que a concessão da liminar implicou em pré-julgamento do mérito, sendo a medida materialmente irreversível, gerando-lhe extremos danos. Argumenta também que não houve violação de marca. Alega, ainda, que o prazo concedido foi muito exíguo e pede, ao final, a reforma da decisão.

[...]

Nota-se, pois, que a proteção da marca é matéria ligada ao interesse público, na medida em que não se limita a resguardar os interesses do seu titular, mas a segurança do próprio consumidor quando da aferição da origem do produto.

Por essa razão, não se pode negar que, mesmo diante da divergência de marcas, havendo prova no sentido de que a imagem externa de determinado produto, ou seja, a sua embalagem, foi imitada de forma a gerar confusão no consumidor, a ponto de levá-lo a pensar que provenha do mesmo fabricante de outra marca conhecida, fica caracterizada a concorrência desleal.

No caso em apreço, uma primeira análise das embalagens dos sabonetes comercializados pelas partes permite constatar a existência de uma grande semelhança no conjunto visual dos produtos, a qual tem inegável potencial de levar à confusão, induzindo o consumidor a adquirir um pelo outro.

Ressalte-se que a proteção legal não se restringe á marca nominativa, mas alcança também as características extrínsecas dos produtos, que não devem estar acondicionados em embalagens que, de alguma maneira, tenham potencial para confundir o consumidor, como ocorre no caso em comento.

Sobre a matéria, confira-se o seguinte julgado do Egrégio Superior tribunal de justiça:

[...]

Nessa conformidade, merece ser mantido o deferimento da medida liminar que determinou que a ré-agravante proceda as devidas alterações nas embalagens de sua nova linha de produtos "Francis Protection", substituindo-as por outras que não sejam suscetíveis de serem confundidas ou associadas às embalagens dos produtos "Protex", de titularidade das autoras.

Todavia, considerando a imensa quantidade de produtos existentes no mercado, assiste razão à agravante no que diz respeito ao prazo concedido para a referida substituição, sendo razoável a sua prorrogação para noventa dias, tempo suficiente para que a agravante proceda o desenvolvimento de novas embalagens para substituir as atuais.

2.1. É bem de ver que a antecipação de tutela, nos moldes do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil, constitui relevante instrumentário de que dispõe o magistrado para que propicie tutela jurisdicional oportuna e adequada que, efetivamente, confira proteção ao bem jurídico tutelado, abreviando, ainda que em caráter provisório, os efeitos práticos do provimento definitivo:

Deve-se ressaltar, ainda, que a antecipação de tutela, como aliás se passa com todas as medidas de urgências, inclusive as cautelares, não é uma simples faculdade exercitável pelo juiz, a seu bel prazer. Presentes os requisitos legais, a parte tem o direito subjetivo processual a sua obtenção e, consequentemente, ao juiz cabe o dever de deferi-la. Na estrutura constitucional de acesso pleno à tutela jurisdicional inserem-se as medidas de urgência como remédio necessário e indispensável, sempre que, sem ela, o resultado do processo reste imperfeito e ineficiente. Trata-se, na verdade, de parte da garantia constitucional do devido processo legal. É, pois, arbitrariedade tanto o deferimento de antecipação de tutela fora dos parâmetros legais, como sua não concessão quando presentes os requisitos prescritos pelo art. 273 e seus parágrafos.

Novidade em nosso direito, a antecipação de tutela introduziu, no CPC, os princípios da verossimilhança, da prova inequívoca e do perigo da irreversibilidade (a nova redação do art. 273 decorre da Lei nº 8.952, de 13.12.94).

Os incisos I e II cuidam das condições de concessão da medida, que não se confundem com as tutelas cautelares, previstas nos arts. 796 a 889 do CPC, nem as prejudicam.

Verossimilhança, em esforço propedêutico, que se quadre com o espírito do legislador, é a aparência de verdade, o razoável, alcançado, em interpretação lato sensu, o próprio fumus boni iuris e, principalmente, o periculum in mora.

Prova inequívoca é aquela clara, evidente, que apresenta grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável, equivalendo, em última análise, à verossimilhança da alegação, mormente no tocante ao direito subjetivo que a parte queira preservar.

Assim, pode-se ter como verossímil o receio de dano grave que decorra de fato objetivamente demonstrável e não de simples receio subjetivo da parte. O mesmo critério de verossimilhança aplica-se à aferição do abuso do direito de defesa. E, como prova inequívoca do direito requerente, deve-se ter aquela que lhe asseguraria sentença de mérito favorável, caso tivesse a causa de ser julgada no momento da apreciação do pedido de medida liminar autorizada pelo novo art. 273. Por se tratar de antecipação de tutela satisfativa da pretensão de mérito, exige-se, quanto ao direito subjetivo do litigante, prova mais robusta do que o mero fumus boni iuris das medias cautelares (não satisfativas).

O fundado receio de dano e o abuso do direito de defesa são requisitos alternativos e não cumulativos, para o efeito de concessão da liminar de tutela de mérito.

Por subordinar-se aos princípios da execução provisória, a antecipação de tutela não permite transferência de domínio do bem litigioso nem levantamento de dinheiro sem caução.

O pedido de antecipação de tutela poderá ser requerido com a inicial, ou, havendo comprovada necessidade, após a propositura da ação.

O perigo de irreversibilidade, previsto no § 2º, não será do provimento, mas das consequências do fato.

A tutela poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, desde que a pedido da parte. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro; Forense, 2011, p. 317)

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A antecipação definitiva e irreversível não está autorizada pelo art. 273, que prevê modalidade de tutela eminentemente provisória, passível de revogação a qualquer tempo. Sua eficácia, da mesma forma que a das cautelares conservativas, está sempre condicionada ao provimento final (CPC, arts. 273, §§ 2º e 4º, 805 e 807).

O legislador processual, com a alteração do art. 273 do Código de Processo Civil, introduzida pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994, simplesmente estendeu a solução excepcional da antecipação de efeitos da tutela, antes existente em procedimentos específicos, a todas as situações sujeitas ao processo cognitivo. Ou seja, admitiu, preenchidos determinados requisitos, fossem antecipados efeitos da tutela jurisdicional em qualquer procedimento.

Na da mais fez, portanto, do que possibilitar, de forma genérica, a concessão de decisões antecipatórias de efeitos do provimento pleiteado, até mesmo em caráter liminar, toda vez que tal medida seja necessária para assegurar a utilidade da prestação jurisdicional ou se mostre aconselhável ante o manifesto propósito protelatório do réu.

O que somente era possível em determinados procedimentos especiais, como mandado de segurança, embargos de terceiros, possessórias e outros, hoje se admite em qualquer hipótese, desde que verificados os requisitos previstos no art. 273. É espécie de tutela de urgência, caracterizada pela provisoriedade e pela instrumentalidade. Não é apta a ditar solução definitiva para o litígio e está voltada a assegurar a efetividade do provimento final, mediante antecipação de seus efeitos.

Com a alteração do art. 273 do CPC ampliaram-se as oportunidades para concessão da tutela antecipada, que pode ser requerida em qualquer hipótese submetida a procedimento comum ou especial, não mais se limitando aos casos específicos anteriormente previstos. Trata-se de mais uma tentativa de conferir efetividade à tutela jurisdicional, sem prejuízo da segurança representada pelo devido processo legal.

A tutela antecipada destina-se a acelerar a produção dos efeitos práticos do provimento, ainda que em caráter provisório, para abrandar o dano causado pela demora do processo.

3. Natureza da antecipação de tutela: Diverge a doutrina, todavia, sobre a natureza da providência consistente em antecipar efeitos da tutela jurisdicional, regulada no Brasil pelo art. 273 do CPC. predomina o entendimento de que não se trata de cautelar, pois não se limita a conservar situações para assegurar a efetividade do resultado final, mas implica antecipação do próprio resultado.

Muito mais do que se preocupar com as diferenças existentes entre tutela cautelar e tutela antecipada, mais útil para o sistema é considerá-la como espécies do gênero tutela de urgência.

A garantia constitucional do devido processo legal abrange a efetividade da tutela jurisdicional, no sentido de que todos têm direito não a um resultado qualquer, mas a um resultado útil no tocante à satisfatividade do direito lesado ou ameaçado. Mas também se inclui nesse contexto o direito À cognição adequada a assegurar o contraditório real e a ampla defesa.

4. Segurança e efetividade: Entre os direitos fundamentais da pessoa encontra-se, sem dúvida, o direito à efetividade do processo, também denominado direito de acesso à Justiça ou direito à ordem jurídica justa, expressões que pretendem representar o direito que todos têm a tutela jurisdicional do Estado. Essa proteção estatal deve ser apta a conferir tempestiva e adequada satisfação de um interesse juridicamente protegido, em favor de seu titular, nas situações em que isso não se verificou de forma natural e espontânea.

Por outro lado, não se pode esquecer de que a necessidade de solução justa para as controvérsias requer a prática de atividades que demandam tempo, especialmente para possibilitar ao juiz adequado conhecimento da realidade substancial que lhe é submetida à apreciação. Também deve as partes ter amplas condições de debater a respeito dos fatos controvertidos e questionar decisões do órgão jurisdicional, impugnando-as.

A Justiça da solução estatal exige, portanto, cognição exauriente da situação de direito material pelo julgador, bem como o desenvolvimento dessa atividade sob o crivo do contraditório e em conformidade com as regras inerentes ao devido processo legal. São garantias constitucionais voltadas à segurança e à justiça do resultado do processo.

Resposta rápida implica limitar o conhecimento dos fatos e da ampla defesa, normalmente em benefício do autor, com prejuízo para o réu. Cognição completa e exauriente, contraditório pleno e irrestrito, recorribilidade condicionada acabam por retardar a entrega da tutela jurisdicional a que porventura o autor tenha direito, beneficiando-se o réu dessa demora.

A rapidez contribui para a efetividade da tutela, mas compromete a segurança quanto à justiça da decisão, pois implica limitações à atividade cognitiva do juiz e ao contraditório.

As tutelas provisórias destinam-se à compatibilização desses valores. Constituem técnicas processuais voltadas à obtenção de soluções imediatas, muitas vezes de conteúdo antecipatório do provimento final, para assegurar a utilidade deste último. Mas, como são tutelas provisórias, o resultado definitivo irá substituí-las. Caso a pretensão seja acolhida, a tutela final terá eficácia prática análoga à antecipada, com o acréscimo de eventuais efeitos não contidos nesta.

O conteúdo jurídico do provimento definitivo, todavia, é completamente diverso do antecipatório, visto que produz a solução da controvérsia, restabelecendo o ordenamento violado e impondo a pacificação definitiva. Os escopos jurídico e social das tutelas provisórias e definitivas são diversos.

[...]

Toda antecipação significa sacrifício de postulados inerentes ao devido processo legal, especialmente o contraditório e a ampla defesa. É a opção legislativa pelo valor efetividade, em detrimento da segurança do resultado. Mas a provisoriedade permite que, em momento posterior à decisão antecipatória, toda a atividade destinada à cognição plena, ao contraditório e à ampla defesa se desenvolva, para possibilitar a tutela final e definitiva, que irá efetivamente regular a situação substancial. (MARCATO, Antonio Carlos (Org.). Código de Processo Civil Interpretado. 2 ed.: São Paulo, Atlas, 2005, ps. 829-832)

No entanto, é medida cuja concessão impõe o prudente arbítrio do juiz, sendo necessária a coexistência da prova inequívoca e da verossimilhança das alegações, não sendo suficiente apenas a constatação do fumus boni iuris e do periculum in mora:

Ação de rescisão de contrato de arrendamento mercantil. Tutela antecipada. Pagamento do Valor Residual Garantido - VRG a descaracterizar o contrato para compra e venda a prestação. Constatação da ausência de prova inequívoca e da verossimilhança das alegações. Precedente da Corte.

1. Já decidiu a Corte que "a construção legal impôs condições rigorosas para o deferimento da tutela antecipada, assim a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, o que significa que não basta a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, que embasam o deferimento da liminar nas cautelares em geral. É claro que o convencimento da verossimilhança diz respeito ao sentimento íntimo de convicção do Juiz, com o que não há critério objetivo algum para a verificação da sua presença, ainda que para tanto possa ser útil a jurisprudência, particularmente aquela dos Tribunais superiores, especialmente as súmulas. Mas, a "prova ínequívoca" exige evidência, elementos probatórios robustos, cenário fático indene a qualquer dúvida razoável" (REsp nº 131.853/SC, da minha relatoria, DJ de 08/02/99).

...

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 410229/MT, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2002, DJ 02/12/2002, p. 307)

2.2. No caso, a decisão recorrida limita-se a impor alterações nas embalagens da nova linha de sabonetes da recorrente, em caráter provisório, sem tutela específica da marca, mas com intuito de cessar a possível concorrência desleal, evitando a manutenção de eventual usurpação de elementos que têm função "para-marcárias", que a doutrina denomina de "Trade Dress":

No entanto, a modalidade de intervenção historicamente preferida tem sido a concessão de direitos exclusivos. Como indica o nome, são direitos de excluir terceiros, que não o titular, da fruição econômica do bem.

[5] § 2. Como se constitui a Propriedade Intelectual

Fixada como um ente historicamente definido, essa propriedade nova se faz como uma medida de incentivo a um tipo de investimento: a daquela que Tobias Barreto classificava como uma indústria de natureza espiritual. Espiritual, sim, mas organizada e voltada para um tipo de produção específica: a destinada a um mercado.

[...]

Já ao segmento da Propriedade Intelectual que tradicionalmente afeta mais diretamente ao interesse da indústria de transformação e do comércio, tal como os direitos relativos a marcas e patentes, costuma-se designar por "Propriedade Industrial".

Seguramente isso acontece porque o estatuto da propriedade tende a ser um dos conjuntos mais estáveis de normas de um sistema legal, permitindo a formulação da política de longo prazo, aumentando a segurança dos investimentos e direcionando a evolução tecnológica para os objetivos que a comunidade elegeu como seus.

[...]

[5] § 2.1. Propriedade concorrencial

Nos países de economia de mercado a propriedade industrial sempre consistiu numa série de técnicas de controle da concorrência, assegurando o investimento da empresa em seus elementos imateriais: seu nome, a marca de seus produtos ou serviços, sua tecnologia, sua imagem institucional, etc.

[....]

Como já se notou acima, não obstante a expressão "propriedade" ter passado a designar tais direitos nos tratados pertinentes e em todas as legislações nacionais, boa parte da doutrina econômica a eles se refira como "monopólios".

[...]

Uma definição analítica (como a do nosso Código Civil de 1916 e do de 2002, art. 1.228) seria: o direito constituído das faculdades de usar a coisa, de tirar dela seus frutos, de dispor dela, e de reavê-la do poder de quem injustamente a detenha. Os direitos reais diferentes da propriedade seriam exercícios autônomos das faculdades integrantes do domínio, de parte deles, ou limitações e modificações.

A emergência das novas formas de direitos patrimoniais oponíveis erga omnes exige, porém, que se analise tal fenômeno jurídico sob o ângulo da estrutura dos direitos em geral, levando em conta, inclusive, a natureza dos objetos destes mesmos direitos

Em termos muito genérico, a propriedade poderia ser definida como "controle jurídico sobre bens econômicos". A palavra controle tem a acepção de regulamento, além da de domínio, ou soberania; é a segunda significação que cabe ao conceito ora expresso. Falando dos fundamentos de uma economia de mercado, Jaquemim e Schrans lembram:

"Em geral, um bem não adquire uma utilidade econômica, ou ainda, uma coisa não se converte em bem, senão graças aos direitos que se têm sobre ela. Assim, uma certa forma de propriedade está na base das trocas. Esta propriedade confere, com efeito, um controle do bem ou serviço, de forma que haja uma relação entre o fato de adquirir e o de dispor. Assegura a possibilidade de excluir, até certo grau, a utilização por outrem. Além disso, comporta o direito de ser transferida. Quanto mais estritos são os princípios de exclusividade e de transferência da propriedade de um bem, mais o valor comercial desse bem tenderá a subir. Em suma, o verdadeiro bem é menos a coisa do que os próprios direitos."

As características econômicas da propriedade serão, assim, o controle sobre o bem (inclusive o bem-serviço ou o bem-oportunidade), e a possibilidade de excluir a utilização por outrem.

Mas a tradição tem reservado a palavra "propriedade" ao controle sobre coisas ou bens tangíveis; por uma extensão relativamente moderna, admite-se falar de propriedade intelectual, propriedade industrial, propriedade comercial, etc., para descrever direitos exercido com relação a certos bens intangíveis. (BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, ps. 72 -74)

Nesse diapasão, Maria Alicia Lima assinala que o Trade Dress é "a vestimenta de um produto ou serviço", "o aspecto geral de como o produto ou serviço é apresentado ao público":

Assim, trouxe algumas frases que falam um pouco sobre o trade dress e que são bastante adequadas para definir os limites do instituto.

A primeira delas é de um advogado americano Lloyd J. Jassin que assim colocou a definição de trade dress: "produtos, assim como pessoas, têm personalidade; e uma personalidade vencedora é o bem mais valioso de um titular de marca. Um elemento chave da personalidade de um produto é a sua embalagem; a imagem comercial de um produto é conhecida pelo termo trade dress."

Na própria definição do termo trade dress já se encontra uma primeira interpretação que seria a vestimenta de um produto, sua roupagem. O trade dress é o aspecto geral de como o produto ou serviço é apresentado ao público; é o look and feel, outra expressão que revela bastante o espírito do trade dress, a identidade visual.

A proteção aqui no Brasil não é formal, na medida em que não existe a possibilidade de fazer um registro, mas é protegida sob o instituto de combate à concorrência desleal. E é isso que tem sido a nossa vivência em relação a esse assunto.

[...]

Estes eram os exemplos que queria trazer, apenas para ressaltar que, independente do produto, nos parece que existe uma tendência, não só no Brasil como em outros países do mundo, de realmente reconhecer que o conjunto de elementos e imagens de uma marca, ou seja, sua vestimenta, também devem ser protegidos e não apenas aqueles elementos que foram registrados nos órgãos de proteção à propriedade intelectual. (LIMA, Maria Alicia. Pirataria e Contrafação: da propriedade intelectual ao Trade Dress, Anais do XXVIII Seminário Nacional da Propriedade Intelectual, Rio de Janeiro, ABPI, 2008, ps. 69-70)

Nas abalizadas lições de Denis Borges Barbosa, a constatação da violação do trade dress demanda a comparação das características externas do produto ou a forma de sua apresentação, tomando-se em conta o risco de confusão do público consumidor desses produtos, isto é, deve ser prevenido o desleal desvio de clientela, pois há casos em que o "titular do produto imitador aproveita-se do sucesso do titular do produto imitado para confundir os consumidores com a similaridade externa entre os produtos":

2.3. As funções para-marcárias

Outros objetos de direito terão funções análogas à marca, de distinção relativa dos agentes ou objetos na concorrência. Serão eles:

a) Os objetos de desenho industrial;

b) O Trade Dress;

c) as construções publicitárias, inclusive as expressões e sinais de propaganda.

Como os pressupostos econômicos e semiológicos e - em certo grau - também os jurídicos dessas categorias e das marcas são próximos, em muito se aproveita a construção doutrinária e jurisprudencial desta área mais vasta para iluminar os problemas aqui estudados.

[....]

Segundo as lições de Gama Cerqueira, temos que:

Entre os meios de criar confusão com os produtos ou artigos de um concorrente, acode à idéia, desde logo, o uso de sinais distintitivos idênticos ou semelhantes aos que os assinalam. Quando êsses sinais distintivos se acham registrados como marcas, a hipótese cai sob o domínio da lei respectiva, sendo punível como contrafação (Código, art. 175, II). Tratando-se de sinais não registrados, é condição essencial á ação baseada em concorrência desleal que êsses sinais, além de reunirem os requisitos intrínsecos que os tornem distintivos e suscetíveis de constituir marcas, estejam em uso prolongado, de modo a se tornarem conhecidos como marcas dos produtos concorrentes. Aplica-se o mesmo princípio quando se trata de imitação ou reprodução dos aspecto característico do produto ou à forma de sua apresentação (embalagens, envoltórios, recipientes, etc.), quando não sejam vulgares ou pertencentes ao domínio público.

[...]

Neste caso, as configurações ornamentais têm função análoga às marcas, como nota Antonio Luis Figueira Barbosa.

[...]

Tive, igualmente, oportunidade de indicar a mesma hipótese - de confusão entre elementos ornamentais de produtos - na 2ª ed. do meu Uma Introdução à Propriedade Intelectual, Lumen Juris, 2003:

No caso de concorrência desleal por imitação de aspectos ornamentais de um produto de uma empresa de renome por outra empresa, a análise da incidência de concorrência desleal deve ocorrer ao comparar as características externas do produto ou a forma de apresentação dos mesmos, deve-se levar em conta o risco de confusão do público consumidor destes produtos.

Não raro os consumidores de produtos idênticos pensam se tratar de uma variação de um mesmo produto, de mesma marca e titular, como sendo um produto de mesmo segmento de uma mesma marca. O titular do produto imitador aproveita-se do sucesso do titular do produto imitado para confundir os consumidores com a similaridade externa entre os produtos.

Para Pontes de Miranda, no que tange à concorrência desleal, é contrário a direito tudo aquilo que, reproduzindo ou imitando, traz confusão; não há confusão se há distinguibilidade.

Já Pouillet, escrevendo em 1892, aponta decisões judiciais que - mesmo na época - já determinam as espécies de atos de concorrência desleal por confusão e os exemplificam:

Caracteriza-se concorrência desleal 1º - empregar, para venda, um produto similar, de mesma forma e mesma cor de caixa de uma casa rival (Trib. Comm. Sena, 17 sept. 1835, Gevelot, gás. Trib., 18 sept.)... 3º - não é lícito um comerciante empregar meio desleal para fazer concorrência a outro, vendendo mercadoria de mesma natureza sem distinção de forma a induzir público em erro; consequentemente, o comerciante que adota a mesma forma de garrafa, de carimbo, e a mesma cor de cera que um concorrente, faz aquilo na intenção evidente de fazer confusão entre os produtos, e causar confusão ao público, cometendo atos de concorrência desleal. Com razão é de se proibir o uso de produtos ou sinais que provoquem a confusão... (Lião, 21 de agosto de 1851, Dalloz, J. pall.51.2.643)

[...]

2.3.2. O trade dress

Cabe neste contexto suscitar a noção de Trade Dress, para o que nos valemos da definição de José Carlos Tinoco Soares:

Trade dess e/ou conjunto imagem, para nós é a exteriorização do objeto, do produto ou de sua embalagem, é a maneira peculiar pela qual se apresenta e se torna conhecido. É pura e simplesmente a "vestimenta", e/ou o "uniforme", isto é, um traço peculiar, uma roupagem ou maneira particular de alguma coisa de apresentar ao mercado consumidor ou diante dos usuários com habitualidade. (BARBOSA, Denis Borges. Proteção das Marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, ps. 27-30)

3. Nesse passo, andou bem o Tribunal de origem ao ressaltar o manifesto interesse público na repressão dos possíveis atos de concorrência desleal, pois é indiscutível que a coibição tem função reflexa de proteção ao consumidor:

A propriedade intelectual, como os demais direitos de clientela, só se exerce sobre um objeto imaterial específico, o bem econômico. O que o caracteriza como tal não é a simples intangibilidade filosófica, ou a impossibilidade de tocar com as mãos. Intangível por ser incorpóreo, ou por consistir apenas na concepção, ou, ainda, por ser uma regra de reprodução - o bem só se torna econômico, e por isso, objeto potencial de uma propriedade, quando satisfaz o requisito essencial de escassez e disponibilidade.

A noção de bem intangível tem uma funcionalidade toda especial quando se tem uma sociedade em que a economia é competitiva. Onde os valores econômicos se definem no mercado, e quando há liberdade de entrada neste mercado por parte dos agentes econômicos. Quando se está numa economia de mercado.

Numa economia concorrencial, tal objeto é uma criação estética, um investimento em imagem, ou uma solução técnica que consiste, em todos os casos, numa oportunidade de haver receita pela exploração de uma atividade emrpesarial. Ou, como queria Vivante, configura a expectativa de receita futura.

5.2.2.1. Direitos de exclusiva e expectativas de comportamento.

Numa atmosfera de concorrência entre empresas, a titularidade ou uso de um dos objetos da propriedade intelectual dá exclusividade no uso de certos bens imateriais, de forma que só seus titulares possam explorar a oportunidade perante o mercado, configurada pela utilização privativa de tais bens. Assim, a exclusividade neste contexto é de caráter concorrencial.

Mas a abrangência da propriedade intelectual não se resume aos direitos exclusivos, ou direitos de exclusiva. Também se tutelam posições jurídicas, na teia das relações privadas de concorrência, que não são exclusivas. Os agentes econômicos concorrentes podem deter oportunidades total ou parcialmente idênticas, sem que o Direito exclua qualquer deles do uso lícito do item em questão.

O que pode haver, conforme a situação fática, é a garantia de um comportamento leal na concorrência.

A matéria da lealdade na concorrência tem sido sempre analisada a partir da noção de liberdade, ecoando, assim, o princípio do art. 170, IV, da Carta. É nos confins dessa liberdade, na liberdade alheia de também concorrer, que se destina a tutela da concorrência leal. Presumes-se que cada concorrente haja em um exercício legal e honesto do direito próprio, entendendo-se como tal o que se tem como correto ou normal no mundo dos negócios.

Assim, não é a lei que define os limites da concorrência, mas as práticas localizadas no tempo, no lugar e no mercado específico, dos demais concorrentes, que vão precisar o que é lícito ou ilícito. Quando cada concorrente entra num mercado específico, encontra aí certos padrões de concorrência, mais ou menos agressivos, que vão definir sua margem de risco. Embora tais padrões possam alterar-se com o tempo, ou conforme o lugar, há padrões esperados e padrões inaceitáveis de concorrência. Dentro de tais padrões, pode-se formular uma expectativa razoável de receita futura.

[...]

O direito tutela tal expectativa, mesmo que inexistam patentes, registro de marcas, ou obra literária ou estética protegida.

[...]

De outro lado, a análise da concorrência é sempre crucial em todos os casos relativos à propriedade intelectual. Para começar, para a definição das indenizações em caso de violação - pois o dano a ser considerado deve ser sempre efetivo.

[...]

De outro lado, é corrente - e perfeitamente adequada- a argüição de concorrência desleal em certas situações em que o direito exclusivo não tenha condições de se exercer: elementos de criação não suscetíveis de direito autoral, marcas não registradas, etc.

Como regras, nestes casos, cabe repressão é ao risco de confusão ou denigração, não à proteção substantiva da criação tecnológica, do signo distintivo, ou da criação intelectual em si mesma. Protege-se essencialmente, o risco simbólico da confusão, em seus efeitos tipicamente jurídicos de abalo á oportunidade de mercado.

Como se verá, a vedaçãoo do efeito simbólico de confusão, é o critério, ainda, da juridicidade da repressão aos efeitos parasitários não-concorrenciais.

[...]

A legislação brasileira prevê, no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), art. 4º e incisos, os princípios da Política Nacional de Relações de Consumo.

No inciso VI a lei menciona como propósitos a serem alcançados a "coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal (...) que possam causar prejuízos aos consumidores" (grifamos). Isso, pois que há concorrências desleais que favorecem - e não lesam - os consumidores - como o rebaixamento de preços (dumping) que não afete o mercado de forma a atrair a sanção antitruste.

Brito Filomeno afirma que o fim mediato das leis anti-concorrenciais é, certamente, a defesa do consumidor, uma vez que ele é o destinatário final de tudo o que é colocado no mercado. Ou seja, não obstante o direito da concorrência desleal defender e regular primariamente as relações entre as empresas na economia de mercado, ela exerce uma função secundária de proteção ao consumidor, em situações em que este corre risco de ser confundido e enganado por práticas de concorrência desleal.

O Código também lista os direitos dos consumidores (art. 6º e incisos), dentre eles, "a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços".

De nenhuma forma a concorrência desleal se reduz, mas sempre transcende o consumidor. Na concorrência, a relação é essencialmente horizontal, entre concorrentes, e afeta tanto à montante (os credores, que se retraem pela insolvência de uma empresa cujo nome é igual ou similar à devedora) quanto à jusante (os consumidores iludidos). (BARBOSA, Denis Borges. Proteção das Marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, ps. 208-214)

No REsp. 698.855-RJ, embora versando apenas sobre violação de marca, foi reconhecido, pela egrégia Terceira Turma, que o Trade Dress merece proteção:

A decisão tem a seguinte ementa:

Propriedade Industrial. Alegação de imitação de marca cujo registro fora solicitado pela autora, mas ainda não concedido por ocasião da propositura da ação. Registro obtido no curso do processo. Acórdão que julga improcedente o pedido com fundamento em que, apesar de muito parecidas, as marcas da autora e da ré não seriam capazes de gerar confusão em consumidor atento. Necessidade de reformada decisão. Recurso provido.

[...]

- O fundamento utilizado pelo Tribunal 'a quo', de que as marcas do autor e do réu para o sabão em pedra controvertido são parecidas mas não a ponto de confundir o consumidor atento não pode prosperar. O consumidor atento jamais confundiria embalagens de produtos, por mais parecidas que sejam. O que a lei visa a proteger em relação a imitações é a possibilidade de o produto concorrente ser adquirido, por engano, justamente pelo consumidor desatento ou incapaz de reparar nos detalhes da embalagem, seja por falta de instrução, por problemas de visão ou por pressa.Daí a necessidade de prover o recurso especial nessa parte, para conferir aos recorrentes a proteção da marca no período posterior ao deferimento do registro.

- A proteção conferida pelo art. 129 da LPI protege apenas a marca a partir do deferimento do registro. O período compreendido entre o protocolo e a concessão do registro é protegido, ou pelo art. 130, III, da referida Lei, ou pelo art. 21, XVI, da Lei nº 8.884/95, conforme o caso. Não tendo sido argüida a violação de nenhum desses artigos, o recurso não merece prosperar nesse aspecto.Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.(REsp 698855/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 29/10/2007, p. 218)

Naquele mencionado precedente, relatado pela Ministra Nacy Andrighi, Sua Excelência dispôs:

Não se pode descurar o fato de que, muitas vezes, o consumidor não pode ler a embalagem de um produto ou, ao menos, tem dificuldade de fazê-lo, seja por seu grau de instrução, por problemas de saúde ocular ou mesmo por pressa. Nesses casos, tudo o que o consumidor distinguirá será a forma da embalagem, as características gerais do produto, as cores apresentadas e assim por diante.

Ora, ao observar as fotografias dos produtos com a marca "Brilhante" e dos produtos com a marca "BioBrilho" que constam do processo, é nítida a possibilidade de confusão. Num olhar rápido, as embalagens são muito parecidas.

Assim, é imperativo que se reconheça a imitação alegada na petição inicial.

Nesse mesmo diapasão, cabe transcrição de decisão do egrégio STF, citada por Denis Borges Barbosa:

Supremo Tribunal Federal: "A livre concorrência, como toda liberdade, não é irrestrita, o seu direito encontra limites nos preceitos dos outros concorrentes pressupondo um exercício legal e honesto do direito próprio, expresso da probidade profissional. Excedidos esses limites surge a CONCORRÊNCIA DESLEAL... Procura-se no âmbito da concorrência desleal os atos de concorrência fraudulenta ou desonesta, que atentam contra o que se tem como correto ou normal no mundo dos negócios, ainda que não infrinjam diretamente PATENTES ou SINAIS DISTINTIVOS REGISTRADOS" (R.T.J. 56/453-5). (BARBOSA, Denis Borges. Proteção das Marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 209)

4. Ademais, o artigo 209 da Lei 9.279/96 dispõe:

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

§ 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.

§ 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada.

Com efeito, em se tratando de decisão liminar para determinar a substituição das embalagens de produtos, por alegada prática de ato de concorrência desleal, o artigo 209 da Lei 9.279/96 é que deve reger a controvérsia, pois é hipótese que se subsume à norma albergada por esse dispositivo.

Dessarte, o artigo 209, § 1º, da Lei 9.279/96 expressamente prevê a possibilidade de o juiz, "nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje":

A disposição contida no art. 209 supratranscrito foi proposta na Emenda Substitutiva ao Substitutivo do relator, deputado Ney Lopes como art. 215.

Os crimes contra a propriedade industrial e crimes de concorrência desleal previstos na Lei n º 9.279/96 acham-e listados no Título V, nos seguintes Capítulos da lei em questão: Capítulo I - crimes contra as patentes (artigos 183, 184, 185); Capítulo II - crimes contra os desenhos industriais (artigos 187, 188); Capítulo III - crimes contr as marcas (artigos 189, 190); Capítulo IV - crimes cometidos por meio de marca, título de estabelecimento e sinal de propaganda (artigo 191); Capítulo V - crimes contra indicações geográficas e demais indicações (artigos 192, 193 e 194); Capítulo VI - crimes de concorrência desleal (artigo 195). Todavia, a enumeração contida na lei em questão não é exaustiva podendo o titular do direito ser prejudicado e sofrer prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal, que, apesar de não se enquadrarem nos dispositivos legais da lei em questão, são capazes de prejudicar a reputação ou os negócios alheios, e criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviços, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

Na área específica da concorrência desleal e demais áreas da propriedade industrial, a cada dia que passa os infratores inventam novos artifícios, utilizam novos meios, sempre visando um mesmo fim: prejudicar concorrentes, confundir os consumidores e desviar a clientela.

[...]

15. A disposição contida no § 1º transcrito supra não constava do Projeto de Lei do Executivo encaminhado ao Congresso Nacional, havendo sido proposta como § 1º do art. 215 da Emenda Substitutiva ao Substitutivo do Relator, deputado Ney Lopes, sendo aprovada sem modificações.

Com fundamento no § 1º do art. 209 da Lei nº 9.279/96, o juiz do feito, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, poderá determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, ficando a critério do julgador exigir, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.

A caução é a contracautela por excelência. Toda vez que a medida cautelar possa causar prejuízo, a garantia contra este prejuízo é feita mediante caução. (DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2009, ps. 649-650)

Desse modo, o artigo 209, parágrafos, constitui salutar e relevante instrumentário processual à disposição do Judiciário para que a autoridade judiciária possa garantir, nos casos de materialização de sua incidência, a tutela da propriedade intelectual, possibilitando, mesmo que em caráter provisório, a cessação da indevida violação por terceiros de bens relativos à propriedade industrial e, ainda, a pronta repressão a atos de desvio desleal de clientela:

Com efeito, tendo a Corte local apurado, com base nos elementos existentes nos autos, que, "[N]o caso em apreço, uma primeira análise das embalagens dos sabonetes comercializados pelas partes permite constatar a existência de uma grande semelhança no conjunto visual dos produtos, a qual tem inegável potencial de levar à confusão, induzindo o consumidor a adquirir um pelo outro", só se concebe a revisão da decisão recorrida por meio do reexame de provas, o que é obstado pela Súmula 7/STJ.

5. Ademais, conforme bem observado em recente precedente deste Colegiado, em linha de princípio, não é cabível recurso especial para reexaminar decisão que defere ou indefere liminar ou antecipação de tutela, em razão da natureza precária da decisão, sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada ou revogada pela sentença de mérito:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO. ARTIGO 557, DO CPC. JULGAMENTO COLEGIADO. SUPERAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. REEXAME. SÚMULA N. 7-STJ. QUESTÕES DE MÉRITO. PRECIPITAÇÃO. SÚMULA N. 284-STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. SÚMULA N. 98-STJ. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Eventual mácula da decisão singular do relator que decide nos termos do artigo 557, do Código de Processo Civil, fica superada com o julgamento colegiado do recurso pelo órgão competente.

2. Esta Corte, em sintonia com o disposto na Súmula 735 do STF (Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar), entende que, via de regra, não é cabível recurso especial para reexaminar decisão que defere ou indefere liminar ou antecipação de tutela, em razão da natureza precária da decisão, sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada ou revogada pela sentença de mérito. Apenas violação direta ao dispositivo legal que disciplina o deferimento da medida autorizaria o cabimento do recurso especial, no qual não é possível decidir a respeito da interpretação dos preceitos legais que dizem respeito ao mérito da causa. Precedentes.

3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar os pressupostos de fato necessários ao deferimento de liminar ou antecipação de tutela (Súmula 7).

4. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório". Súmula n. 98, desta Corte.

5. Agravo regimental parcialmente provido.

(AgRg no Ag 658.931/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011)

6. Diante do exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

Brasília (DF), 10 de abril de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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