Migalhas Quentes

Promotor deve indenizar magistrado por suposta ofensa à honra

Decisão do TJ/SP manteve sentença que condenou o promotor ao pagamento de R$ 20 mil por dano moral.

24/4/2012

A 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP manteve sentença que condenou o promotor de Justiça Arthur Migliari a indenizar por dano moral o juiz de Direito Luiz Beethoven Giffoni Ferreira.

De acordo com os autos, o promotor teria usado expressões ofensivas a honra do magistrado em uma peça de representação. Arthur alega que a representação foi redigida com linguagem técnica e descritiva e que, por isso, não causou dano. Porém, o relator da apelação, desembargador Flávio Abramovici, entendeu que a leitura do documento evidencia o "teor lesivo nele contido". Em um dos trechos da peça, o promotor afirmou que o juiz "comportava-se de maneira totalmente desequilibrada”.

Na apelação, o promotor também alegava que o valor da indenização fixada foi excessivo e cerceamento de defesa. Mas, o cerceamento de defesa, não foi reconhecido "porque a condenação do requerido decorre do excesso de linguagem contido no documento por ele redigido. Esse documento é, portanto, prova suficiente para a caracterização do dano".

Com base nessas considerações, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença. Os desembargadores José Carlos Ferreira Alves e José Joaquim dos Santos acompanharam o voto do relator.

Veja abaixo a íntegra do processo.

_______

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2012.0000110179

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0109863- 33.2010.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ARTHUR MIGLIARI JUNIOR sendo apelado LUIZ BEETHOVEN GIFFONI FERREIRA. ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso, com observação. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUÍS FRANCISCO AGUILAR CORTEZ (Presidente sem voto), JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES E JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS.

São Paulo, 20 de março de 2012.

Flavio Abramovici

RELATOR

RESPONSABILIDADE CIVIL DANOS MORAIS. Requerido representou contra o Autor (Magistrado) perante a Corregedoria Geral de Justiça Documento desborda da descrição objetiva dos fatos e encaminha-se para ataques pessoais contra o Autor Dano moral caracterizado Sentença de procedência para condenar o Requerido a pagar indenização no valor de R$ 20.000,00, com correção monetária desde a data da sentença (16 de maio de 2011), e juros moratórios de 1% ao mês Valor adequado para punir o infrator e reparar o dano, sem causar enriquecimento indevido RECURSO DO REQUERIDO IMPROVIDO, MAS SUPRIDA, DE OFÍCIO, A OMISSÃO DA SENTENÇA QUANTO AO TERMO INICIAL DA INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS, FIXANDO-O DESDE A DATA DO EVENTO DANOSO (25 DE AGOSTO DE 2008)

Voto nº 1357

Apelação interposta pelo Requerido contra a sentença prolatada pelo I. Magistrado Mário Rubens Assumpção Filho (fls. 332/338), que julgou procedente a ação para condenar o Requerido a pagar ao Autor indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00, com correção monetária desde a data da sentença (16 de maio de 2011) e de juros moratórios de 1% ao mês.

O Autor opôs embargos de declaração (fls. 341/344), rejeitados por infringentes (fls. 408).

Razões de apelação do Requerido a fls. 346/397.

Preliminarmente, alega litispendência, ilegitimidade passiva, e cerceamento de defesa. No mérito, afirma que os relatos ditos ofensivos pelo Autor possuem conteúdo meramente objetivo e descritivo, sem lesar a honra do Autor; que ele (Requerido) foi ofendido pelo Autor; que agiu em atenção ao dever funcional de comunicar desvios de conduta; que os excessos de linguagem não denotam intuito ofensivo; que inexiste dano e, ainda que caracterizado o dano, que a culpa é exclusiva da vítima (Autor) e, por fim, que excessivo o valor da indenização. Pugna pelo provimento do recurso, com extinção do processo (se acolhidas as preliminares), ou improcedência da ação (se apreciado o mérito).

Contrarrazões em fls. 412/424.

É a síntese.

O Requerido alega litispendência com outros processos, movidos contra ele pelo mesmo Autor, ajuizados em razão de documentos comconteúdo idêntico ao da representação que motivou esta ação indenizatória.

Inexiste litispendência.

Cada uma das ações ajuizadas contra o Requerido diz respeito a uma representação oferecida perante órgãos distintos, aptos a causar danos igualmente distintos, porque destinadas a pessoas diversas. Não preenchidos, portanto, os requisitos previstos pelo artigo 301, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Civil1, porque não há identidade entre as causas de pedir.

Cerceamento de defesa não houve, porque a condenação do Requerido decorre do excesso de linguagem contido no documento por ele redigido. Esse documento é, portanto, a prova suficiente para a caracterização do dano. Saliente-se que a representação foi arquivada (fls. 51/54), a mostrar que o excesso (abuso de direito) decorrente do uso de expressões ofensivas causou dano à honra do Autor.

A preliminar de ilegitimidade passiva não é acolhida, porque o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, assegura a responsabilização objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, mas não impede a responsabilização direta do agente estatal, hipótese em que se perquirirá como aqui se perquire da responsabilidade subjetiva.

Afastadas as preliminares, passo ao mérito do recurso.

O Requerido afirma que a representação foi redigida com linguagem técnica e descritiva e que, por isso, não causou dano ao Autor. Todavia, a leitura desse documento evidencia o teor lesivo nele contido.

Com efeito, desbordam do vocabulário técnico, e também da descrição objetiva de fatos, declarações contidas no corpo da peça de representação, tais como:

“Tal Nobre Magistrado a quo, comportava-se de maneira totalmente desequilibrada” (fls. 32)

“O interessante é que tal pedido de prisão preventiva vem sendo utilizado pelo referido Magistrado para se referir aos réus nos processos, em audiências, procurando intimidar a todos que poderá decretar a prisão, o que é mais um absurdo dos absurdos. Um verdadeiro festival de horrores!!!” (fls. 33).

“Além do que, outro fato, mais grave ainda se põe para que Vossa Excelência possa aquilatar a total falta de bom senso do Nobre Magistrado a quo, devendo ser retirado imediatamente do processo falencial” (fls. 36).

“[...] sendo que, posteriormente, sem que existisse qualquer pedido a respeito, quando fazia um 'rescaldo' nos (des) mandos judiciais me deparei com uma certidão do Oficial de Justiça 'Carlos'”. (fls. 37)

“Da mesma maneira, este Promotor de Justiça baixará outra investigação criminal [...] também eqüidistante dos tentáculos do MM. Juiz ora representado” (fls. 39).

“Passado algum tempo, os autos retornaram para minhas mãos, sendo necessário novo 'rescaldo' do processo, a fim de observar os (des) mandos judiciais e, talvez, novas investigações criminais sobre outros absurdos jurídicos” (fls. 40)

“Embora não declarada, é claro que o Nobre Magistrado a quo não quer que este órgão do Ministério Público se intrometa em seus assuntos... e não crie casos no processo” (fls. 40)

A transcrição dos trechos acima evidencia que a representação ultrapassou a mera narrativa dos fatos e, por diversas vezes, dardejou ofensas contra o Autor, o que revela nítido abuso do direito de ação (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), a ensejar responsabilidade civil do Requerido, nos termos do artigo 187 do Código Civil.

É oportuno lembrar que a representação é peça escrita, razão pela qual há menor tolerância para a linguagem mordaz, para a crítica acerba ou para a prévia formação de juízos condenatórios (tarefa cometida ao órgão julgador). Todas essas características poderiam ser toleradas na linguagem oral, se tomado o agente por irritação profunda, mas não, repito, em documento escrito, em que é possível, em segunda leitura, desbastar os excessos de linguagem e retirar as ofensas inoportunamente inseridas em documento escrito e de caráter oficial.

Caracterizado o dano, existe o dever de indenizar.

A indenização foi fixada em valor adequado (R$ 20.000,00), suficiente para reparar o dano suportado ao Autor e punir o Requerido, evitando a repetição do atentado, sem que isso caracterize enriquecimento indevido de um, ou empobrecimento demasiado do outro.

Quanto ao mais, adoto os fundamentos da sentença, com fulcro no artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. Ressalvo que a sentença contém omissão - ausência do termo inicial dos juros moratórios. Assim, de ofício, e para evitar futuros questionamentos quando da execução da sentença, fixo o termo inicial dos juros moratórios em 25.08.2008 (data do evento danoso fls. 50), por se tratar de ato ilícito.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, mas supro, de ofício, a omissão da sentença quanto ao termo inicial dos juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês fixando-o desde a data do evento danoso (25 de agosto de 2008). No mais, mantida a sentença.

FLAVIO ABRAMOVICI

Relator

1 Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: [...] § 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 2º Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

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