Migalhas Quentes

Depiladora consegue indenização por danos morais mesmo sem vínculo empregatício

Trabalhadora era chamada de "cabeça de bagre" e "bêbada" pelo proprietário do salão.

23/4/2012

A 2ª câmara do TRT da 15ª região aumentou de R$ 3 para R$ 10 mil a indenização por danos morais para depiladora que era chamada de "cabeça de bagre" e "bêbada" pelo proprietário do salão. Entretanto, a câmara constatou a ausência de subordinação jurídica.

O desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, relator, entendeu necessário elevar o valor determinado na sentença da 1ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP, considerando que "a indenização mede-se pela extensão do dano".

O acórdão ressaltou que "ainda que não tenha havido vínculo empregatício entre as partes, a relação de trabalho mantida é suficiente à indenização arbitrada na origem". A decisão colegiada considerou também os quatro anos de trabalhos prestados na reclamada pela depiladora autônoma.

A reclamante alegou em seu recurso que foi admitida em 5/5/04, para exercer a função de "depiladora", e, posteriormente, em 20/11/06, passou a desempenhar as atividades de "vendedora externa", tendo sido dispensada em 5/12/08.

As recorridas negaram o vínculo empregatício e afirmaram que a autora trabalhou como depiladora e representante de vendas na condição de autônoma.

A própria trabalhadora reconheceu que recebia uma porcentagem elevada sobre os valores pagos pelas clientes (em média, 60% do valor do serviço prestado ou da venda realizada), além de ter confessado que alguns materiais para efetuar a depilação eram comprados por ela mesma.

Uma das testemunhas esclareceu que "as depiladoras eram responsáveis pela prospecção das clientes" e que "as clientes eram das depiladoras". Outra foi taxativa ao informar que "trabalhou inicialmente como depiladora e depois como vendedora" e que "a comissão pode variar de 60% a 65%, dependendo do serviço". Esta também afirmou que não havia horário fixo de trabalho e que "cada profissional tem sua agenda própria, cujos horários são marcados pela recepcionista". Disse ainda que "não há suspensões ou penas em caso de faltas" e nem havia necessidade de comprovar o motivo da falta.

O acórdão entendeu, assim, que as reclamadas comprovaram a ausência de subordinação jurídica, pois "não havia sujeição a horário e, tampouco, submissão a ordens". Também afirmou que "o recebimento de comissões em patamar elevado evidencia que a autora dividia com as reclamadas os riscos do negócio". E, desse modo, a câmara rejeitou os pedidos de reconhecimento do vínculo e verbas daí decorrentes.

__________

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO Nº: 0001463-74.2010.5.15.0004 - 2ª CÂMARA

1ª RECORRENTE: CIDIS POLI CABELEIREIROS LTDA - ME

1ª RECORRENTE: JA DE SOUZA COSMÉTICOS LTDA - EPP

2ª RECORRENTE : L.T.R.F.

ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE RIBEIRÃO PRETO

RECURSO ORDINÁRIO. DEPÓSITO RECURSAL. DESERÇÃO. O depósito recursal deve ser efetivado exclusivamente por meio da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP, uma vez que a utilização da Guia para Depósito Judicial Trabalhista não atinge a finalidade legal do aludido depósito, que é o crédito do valor depositado na conta vinculada do empregado.

Inconformadas com a r.sentença às fls. 119-122, da lavra da MMª. Juíza Polyanna Sampaio Candido da Silva, que julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou as reclamadas ao pagamento de indenização por danos morais, complementada às fls. 126-127 pela decisão proferida em embargos de declaração, recorrem as partes (fls. 130-134 e 138-145).

As reclamadas pugnam pela declaração da prescrição quinquenal e a exclusão da indenização por danos morais.

A reclamante, por sua vez, insiste no reconhecimento do vínculo empregatício e requer a majoração do valor arbitrado a título de danos morais, além dos honorários advocatícios.

Contrarrazões das reclamadas às fls. 147-151.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, com fulcro no art. 111 do Regimento Interno.

Relatados.

VOTO

RECURSO DAS RECLAMADAS

Nos termos preconizados no art. 899, §4º, da CLT, “o depósito de que trata o § 1º far-se-á na conta vinculada do empregado a que se refere o art. 2º da Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966, aplicando-se-lhe os preceitos dessa lei, observado, quanto ao respectivo levantamento, o disposto no § 1º” (não destacado no original).

Nesse sentido, a Súmula 426 do E. TST dispõe:

DEPÓSITO RECURSAL. UTILIZAÇÃO DA GUIA GFIP. OBRIGATORIEDADE

Nos dissídios individuais o depósito recursal será efetivado mediante a utilização da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 899 da CLT, admitido o depósito judicial, realizado na sede do juízo e à disposição deste, na hipótese de relação de trabalho não submetida ao regime do FGTS.

Na hipótese dos autos, as recorrentes utilizaram-se da “Guia para Depósito Judicial Trabalhista” - fl. 136 - para realizar o depósito recursal, ou seja, efetivaram-no fora da conta vinculada do FGTS, em dissonância com os preceitos explicitados.

Ademais, ressalto que a Instrução Normativa 21/02 do E. TST excluiu expressamente a “Guia para Depósito Judicial Trabalhista” para fins de efetivação do depósito recursal, conforme se depreende do item I, verbis:

Será de uso obrigatório, consoante anexo 1 desta Instrução Normativa, o modelo único padrão de guia para os depósitos trabalhistas, à exceção dos depósitos recursais(...) (não grifado no original).

Assim, não foi preenchido um dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade do apelo: o preparo recursal, consubstanciado no § 1º do art. 899 da CLT, impondo-se, consequentemente, o não-conhecimento do recurso.

RECURSO DA RECLAMANTE

Conheço, mas não as contrarrazões às fls. 147-151 e os documentos às fls. 152-158, por intempestivos.

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Alega a recorrente que foi admitida em 05.05.2004, para exercer a função de “depiladora” e, posteriormente, em 20.11.2006, passou a desempenhar as atividades de “vendedora externa”, tendo sido imotivadamente dispensada em 05.12.2008.

As recorridas negaram o vínculo empregatício e afirmaram que a autora ativou-se como depiladora e representante de vendas na condição de autônoma.

A princípio, em face dos termos da defesa, incumbia às reclamadas comprovarem a prestação de serviços autônomos, fato modificativo do direito pleiteado, nos termos dos arts. 818 da CLT e 333, II, do CPC, ônus do qual se desincumbiram.

De fato, a reclamante reconheceu que recebia uma porcentagem elevada sobre os valores pagos pelas clientes, além de ter confessado que “alguns materiais como palitos, TNT (tecido não tecido) para efetuar a depilação eram comprados pela depoente” (fl. 54).

Ademais, a testemunha Ana Paula Saburi de Oliveira esclareceu que: “as depiladoras eram responsáveis pela prospecção das clientes”; “as clientes eram das depiladoras”; e “as clientes ‘iam atrás’ da depiladora” (fl. 56).

Já a testemunha Keily Cristina Faria de Oliveira foi taxativa ao informar que: “trabalhou inicialmente como depiladora e depois como vendedora”; “a comissão pode variar de 60 a 65%, dependendo do serviço”; “não há horário fixo de trabalho”; “cada profissional tem sua agenda própria, cujos horários são marcados pela recepcionista”; “pode marcar qualquer horário em sua agenda, inclusive às 22:00 por exemplo”; “para faltar é necessário avisar com antecedência para não prejudicar as clientes”; “não há suspensões ou penas em caso de faltas”; “não há necessidade de comprovar o motivo da falta”; e “em relação às depiladoras, inicialmente a cera era custeada pelo Reclamado, mas depois houve a possibilidade das depiladoras comprarem o material” (fl. 56).

Assim, as reclamadas comprovaram a ausência de subordinação jurídica, pois não havia sujeição a horário e, tampouco, submissão a ordens.

Além disso, a reclamante possuía agenda e clientes próprios e recebia por comissões (em média, 60% do valor do serviço prestado ou da venda realizada).

O recebimento de comissões em patamar elevado evidencia que a autora dividia com as reclamadas os riscos do negócio.

Desse modo, por não coexistirem os requisitos indispensáveis à configuração de emprego, preconizados nos arts. 2º e 3º do Estatuto Consolidado, rejeito os pedidos de reconhecimento do vínculo e verbas daí decorrentes.

DANOS MORAIS – VALOR ARBITRADO

De acordo com as razões recursais, “o valor de R$3.000,00 (três mil reais), não atende ao fim a que se destina a indenização por danos morais” (fl. 143), motivo pelo qual a reclamante pleiteia a majoração da importância arbitrada na origem.

É cediço que o dano moral se configura pelo prejuízo emocional, devendo a parte que lhe deu causa ser punida, a fim de se evitar novos abusos, ressalvado o caráter pedagógico da imposição à indenização.

Nesse contexto, é oportuno registrar o contido no art. 186 do Código Civil:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Nesse sentido, trago à colação os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, verbis:

Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com os fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. (...) Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso (in Direito Civil, Responsabilidade Civil, 3ª edição, Ed. Atlas, págs. 33 e 34).

No caso em tela, a autora comprovou os danos morais sofridos, pois a sua testemunha esclareceu que “nas reuniões motivacionais as depiladoras eram humilhadas pelo proprietário da Reclamada quando não ‘batiam metas’”, sendo chamadas de “cabeça de bagre” e “bêbadas” (fl. 56).

Assim, ainda que não tenha havido vínculo empregatício entre as partes, a relação de trabalho mantida é suficiente à indenização arbitrada na origem.

Quanto à fixação do valor para a indenização do dano moral, é tarefa árdua que exige do julgador uma real e profunda análise das condições inerentes ao caso concreto, examinando não apenas a conduta das partes, mas também sua intensidade e repercussão.

Por outro lado, a indenização por danos morais deve atenuar a dor da vítima e representar um meio de coibição à prática de atos faltosos, porém, de forma a não implicar enriquecimento sem causa.

Desse modo, levando-se em conta que a relação autônoma perdurou por mais de 4 anos, reputo necessária a elevação do valor dos danos morais arbitrado pelo Juízo de origem.

Visando ao caráter pedagógico de que deve revestir-se a medida e tendo em vista que “a indenização mede-se pela extensão do dano” (art. 944 do Código Civil), majoro o valor para R$10.000,00.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Estabelecem os arts. 389 e 404 do Código Civil, verbis:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Acerca da matéria, cito o art. 8º da CLT, que tem a seguinte redação:

Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. (não sublinhado no original)

Como se constata, o primeiro requisito à aplicação do direito comum de forma subsidiária é a ausência de disposição legal específica, o que não é o caso da hipótese aqui retratada.

Com efeito, nesta Justiça Especializada, com exceção das hipóteses preconizadas nos itens II e III da Súmula 219 do E. TST, a verba honorária não decorre da sucumbência, “devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família” (item I).

Como não ficaram comprovadas a assistência sindical e a insuficiência para cobertura dos prejuízos, rejeito a pretensão.

PREQUESTIONAMENTO

Para fins de prequestionamento, fica expressamente consignado que o entendimento supra não afronta qualquer dispositivo legal em vigência em nosso ordenamento, inclusive no âmbito constitucional, máxime aqueles apontados nas razões recursais.

Ademais, não cabe ao Magistrado rebater, ponto por ponto, todas as alegações das partes.

Por fim, destaco o teor da OJ 118 da SDI-1 do E. TST, verbis:

Havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha nela referência expressa do dispositivo legal para ter-se como prequestionado este.

Pelo exposto, decido não conhecer o recurso ordinário das reclamadas em face da deserção; conhecer e dar provimento parcial ao apelo da reclamante, a fim de majorar a indenização por danos morais para R$10.000,00, nos termos da fundamentação.

Para os efeitos da Instrução Normativa 03/93, II, “c”, do E. TST, rearbitro o valor da condenação em R$10.000,00.

EDUARDO BENEDITO DE OLIVEIRA ZANELLA

DESEMBARGADOR RELATOR

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