Migalhas Quentes

Homem que prometia tirar família de mandinga é condenado por estelionato

Ele afirmou que era capaz de desfazer “trabalho” contra a família mediante pagamento de R$ 2 mil.

18/4/2012

Acusado de prometer livrar família de bruxaria em troca de R$ 2 mil teve condenação por estelionato confirmada pela 5ª câmara Criminal do TJ/RS. A pena foi arbitrada em um ano de reclusão em regime aberto e 10 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. A pena restritiva de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade, também pelo período de um ano.

De acordo com denúncia do MP/RS e da própria vítima, ele apresentou-se à mulher, uma idosa, como índio mato-grossense, oferecendo a ela um saquinho com pedaços de tronco, que seriam, segundo ele, remédio. Após teste, ele teriam revelado à idosa a existência de "trabalho" contra a família, que poderia ser desfeito mediante pagamento.

A vítima alegou que não tinha dinheiro, mas conseguiu parte da quantia mediante saque no banco e abertura de crediários em lojas. A mulher levantou suspeita apenas ao pedir dinheiro emprestado à família, que avisou a polícia. O acusado foi preso em flagrante quando recebia R$ 700 restantes pelo serviço.

Apelação

Após a condenação por estelionato, a defesa apelou alegando falta de provas. O desembargador Diógenes Vicente Hassan Ribeiro analisou o recurso e salientou que tanto o fato quanto a autoria estão suficientemente comprovados. Ele destacou que o próprio acusado, apesar de negar ter feito qualquer mandinga, afirmou que apenas fazia orações e admitiu que a mulher lhe entregou o equivalente a R$ 800.

O desembargador analisou que a vítima foi ludibriada pela ideia de ver retirados os males que recaíam sobre a sua família, caracterizando o dolo. Ribeiro observou que era sempre exigido mais dinheiro e segredo absoluto, o que comprova prática do art. 171 CP, que consistente em obter para si vantagem ilícita, mediante induzimento da vítima em erro por meio ardil.

Acompanharam o voto do relator o desembargador Luís Gonzaga da Silva Moura e a desembargadora Genacéia da Silva Alberton.

_________

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. CONDENAÇÃO E PENA MANTIDAS.
Preliminar: inexiste flagrante preparado, pois o réu não foi atraído até o local, restando comprovado que previamente combinou de encontrar a vítima para obter mais dinheiro. Contudo, familiares da ofendida desconfiaram da situação e acionaram a polícia.
Condenação: suficientemente demonstrada a materialidade do delito, a autoria e o dolo no agir do réu. Comprovado que o acusado se fez passar por um índio, obtendo vantagem ilícita ao ludibriar a vítima com “mandingas”, induzindo-a em erro.
Pena: mantida a pena fixada na sentença, que restou cominada no mínimo legal.
APELO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CRIME
QUINTA CÂMARA CRIMINAL
Nº 70045165651
COMARCA DE GETÚLIO VARGAS
APELANTE: A.A.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, rejeitaram a preliminar e negaram provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES.ª GENACÉIA DA SILVA ALBERTON.

Porto Alegre, 04 de abril de 2012.

DES. DIÓGENES V. HASSAN RIBEIRO
Relator

RELATÓRIO

DES. DIÓGENES V. HASSAN RIBEIRO (RELATOR)

Na sentença, o Dr. Antonio Luiz Pereira Rosa consignou o seguinte relatório:

O Ministério Público, alicerçado no inquérito e no uso de suas atribuições institucionais (CF, art. 129, I), ofereceu denúncia contra A.A. dando-o como incurso nas penas dos artigos 284; 171, “caput”, e 283, na forma do art. 69, “caput”, todos do Código Penal, pelo fato descrito na denúncia de folhas 02/04, que assim refere:

“1º Fato:

No dia 05 de abril de 2007, por volta das 13 horas e 30 minutos, na Rua Antônio Balbinot, nº 700/fundos, em Getúlio Vargas, RS, o denunciado A.A. exerceu o curandeirismo em prejuízo da vítima W.B.B..

Na ocasião, o denunciado, apresentando-se como “um índio do Mato Grosso”, foi até a residência da vítima e diagnosticou uma doença e, a fim de curá-la, prescreveu um saquinho com pedaços de tronco, que seriam “casquinhas de remédio”.

2º Fato:

Nas mesmas circunstâncias de tempo o local do 1º fato, logo após a prática daquele, o denunciado A.A., mediante ardil, induziu em erro W.B.B., obtendo, para si e em prejuízo daquela, vantagem ilícita, qual seja, R$ 200,00 (duzentos reais) em moeda corrente.

Na ocasião, o denunciado disse à vítima que ela se encontrava doente e, mediante o pagamento da quantia supracitada, fez um “teste”, com uma bacia de plástico e sal, a fim de verificar como estavam seus filhos.

3º Fato.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local dos demais fatos, após a prática daqueles, o denunciado A.A. anunciou à vítima W.B.B., cura por meio de secreto e infalível.

Na ocasião, o denunciado, dizendo à vítima que havia sido feito um trabalho espiritual para sua família ir mal, prometeu, com a ajuda de seus “guias”, desfazer aquele mediante o pagamento de R$ 1.000,00 (um mil reais).”

Foi designada audiência preliminar, relativamente aos crimes de menor potencial ofensivo. Diante da impossibilidade de intimação do réu, foi decretada a prisão preventiva (fls. 101/102).

A denúncia foi recebida em 23/10/2009 (fl. 113).

O acusado foi citado por edital (fl. 114), tendo sido determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional (fl. 118).

Posteriormente, compareceu em audiência, indicando endereço atualizado, tendo sido revogada a prisão preventiva e determinado o recolhimento do mandado de prisão (fl. 126).

Apresentou resposta à acusação (fl. 141).

Não sendo caso de absolvição sumária, foi mantido o recebimento da denúncia (fl. 142).

Durante a instrução do processo foram ouvidas a vítima (fls. 148/150v), quatro testemunhas (fls. 150v/154 e 158/160v) e interrogado o acusado (fls. 160v/163v).

Encerrada a instrução, o Ministério Público requereu a procedência da ação penal, para condenar o acusado nas sanções do art. 171, “caput”, e 283, na forma do art. 69, todos do Código Penal, e absolver o denunciado em relação ao crime do art. 284, I, do CP (fls. 169/178). A defesa, por seu turno, arguiu, preliminarmente, a ocorrência de flagrante preparado e, no mérito, postulou pela absolvição, forte no artigo 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal (fls. 180/182).

Acrescento que houve a condenação do réu como incurso nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal, à pena de 1 ano de reclusão, no regime aberto, e multa de 10 dias-multa no valor mínimo legal. A pena foi substituída por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade. O acusado restou absolvido dos delitos tipificados nos art.s 283 e 284, I, ambos do Código Penal, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

O réu, assistido por defensor constituído, interpôs recurso de apelação, pugnando, preliminarmente, pela nulidade do processo, pois o flagrante foi preparado. No mérito, pleiteou a sua absolvição, aduzindo que a prova produzida não corrobora o juízo condenatório.

O Ministério Público, no primeiro grau, pela Dra. Stela Bordin, postulou a manutenção da condenação e, em segundo grau, no parecer do Dr. Renoir da Silva Cunha, opinou pelo improvimento do recurso, com a rejeição da preliminar arguida.

É o relatório.

VOTOS

DES. DIÓGENES V. HASSAN RIBEIRO (RELATOR)

Inicialmente, cumpre afastar a arguição de nulidade suscitada nas razões recursais. Importante trazer considerações da doutrina acerca do flagrante preparado :

Diz-se que há fragrante preparado quando são tomadas providências para que a pessoa que vai praticar a infração não perceba que está sendo vigiada. Daí a súmula 145 do STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

(...)

Contudo não se deve confundir o flagrante preparado com o flagrante esperado. Hungria, aliás, já chamava a atenção para a distinção: “Deve-se notar, porém, que não há falar em crime putativo quando, sem ter sido artificialmente provocada, mas previamente conhecida a iniciativa dolosa do agentes, a este apenas se dá o ensejo de agir, tomadas as devidas precauções” (cf. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1955, v. 1, t. 2, p. 105). Quando a autoridade é informada de que alguém vai, em determinado lugar, cometer um crime e, incontinenti, para lá se dirige, tomando, a tempo, as necessárias providências para que o crime não ocorra, a situação se iguala à do flagrante preparado, pois num e noutro o crime é impossível. Todavia, se a polícia chegar ao local e encontrar o agente praticando atos de execução, não podendo prosseguir em face da pronta intervenção dos agentes policiais, ou se já perpetrou o crime, não se pode negar, no primeiro caso, a figura da tentativa e, no segundo, a de um crime consumado. A prisão em flagrante é legal.

Não se pode confundir o agente provocador com o funcionário policial que, informado previamente acerca do crime que alguém está praticando ou vai consumar, diligencie prende-lo em flagrante, pois em tal hipótese a intervenção da autoridade não provocou nem induziu o autor do fato criminoso a cometê-lo.

No caso dos autos, restou demonstrado que o flagrante de fl. 8 não foi premeditado, ou seja, não foi armado pela vítima e policiais. Com efeito, a polícia soube da ocorrência do fato porque familiares da vítima desconfiaram do seu agir, já que a Sra. Wladilava abriu contas em diversas lojas e começou a gastar vultosas somas. Assim, o seu genro, sem o conhecimento desta, comunicou tal situação à polícia, que realizou a abordagem quando o réu já estava saindo da residência da ofendida.

Logo, verifica-se que o réu não foi induzido a perpetrar o delito, ao contrário, já estava previamente acertado com a vítima, pois pretendia receber mais dinheiro. Aliás, antes mesmo da prisão poder-se-ia dizer que o delito de estelionato já estava consumado, uma vez que o réu já havia ludibriado a vítima e obtido vantagem ilícita.

Assim, de qualquer forma, é rejeitada a preliminar, pois não configurado o flagrante preparado. Passo a analisar o mérito. Com efeito, não há duvida sobre a materialidade do delito, autoria e dolo no agir do réu.

A existência do fato (estelionato – segundo fato denunciado) está demonstrada pelo auto de arrecadação de fl. 12, em que consta a quantia de R$ 700,00 e carnês de lojas; auto de restituição de fl. 17, referente à quantia em dinheiro apreendida; auto de arrecadação de fls. 55-56, referente a um comprovante de compra com a assinatura do réu e restante da prova oral produzida.

A vítima, no depoimento de fls. 148-150, aduziu que o réu se apresentou como um índio e teria dito que a sua família estava sob um “mal feito e tinha inveja”, pedindo dinheiro para desfazer o malgrado. Disse que o réu entrou na sua casa, pediu uma bacia, uma toalha e um ovo, fazendo uma “mandinga”. Afirmou que ele pediu 2 mil reais para desfazer o mal que acometia a sua família. Relatou que não tinha esse dinheiro e, então, foi “torturada” psicologicamente, tendo buscado dinheiro no banco, aberto crédito em lojas e etc. A vítima referiu que após entregar R$ 400,00 ao réu, conseguir crédito de R$ 500,00 em uma loja e mais R$ 300,00 em um supermercado, restaria entregar R$ 700,00 reais ao acusado. Disse que o réu lhe pedia segredo e que a sua família desconfiou das suas atitudes, motivo pelo qual antes de entregar os R$ 700,00 o acusado foi preso.

A testemunha Jorge, genro da vítima, aduziu que recebeu uma ligação de uma loja da cidade, porquanto a sua sogra estava tentando abrir uma conta na companhia de um homem. Disse que ele e sua esposa estranharam o fato e, no dia da prisão, ela teria pedido R$ 700,00 emprestado, motivo pelo qual avisou à polícia. Referiu que a vítima tinha o réu como um milagreiro e naquela época a sua filha estava passando por uma grave doença.

Os policiais militares que atenderam a ocorrência apenas confirmaram como ocorreu a abordagem (fls. 150 v. -151/ 152-153/ 153-154).

O réu, por sua vez, negou que tenha feito qualquer “mandinga” com a bacia e disse que apenas fazia orações, recebendo o que as pessoas podiam pagar em troca. Disse que a vítima lhe entregou por vontade própria R$ 300,00 e mais R$ 500,00 em gastos e comida (fls. 160 v.-163).

Ora, verifica-se que autoria está suficientemente demonstrada, tendo o próprio réu aduzido que recebeu valores da vítima.

Quanto ao dolo, também inexiste dúvida, pois a vítima restou ludibriada pela ideia de ver retirados os males que recaíam sobre a sua família. A ofendida refere que o acusado costumava dizer “a senhora não quer bem seus filhos, por isso que a senhora não faz”, exigindo sempre mais dinheiro e pedindo segredo absoluto.

Desta forma, comprovadamente demonstrada a prática do art. 171 do Código Penal, consistente em obter para si vantagem ilícita, mediante induzimento da vítima em erro, por meio ardil.

No que se refere à pena, nenhuma modificação deve ser feita, pois foi corretamente fixada no mínimo legal, 1 ano de reclusão, no regime aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos.

Diante do exposto, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso.

DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª GENACÉIA DA SILVA ALBERTON - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA - Presidente - Apelação Crime nº 70045165651, Comarca de Getúlio Vargas: "À UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

Julgador(a) de 1º Grau: ANTONIO LUIZ PEREIRA ROSA

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