Migalhas Quentes

Empresa em liquidação extrajudicial não tem direito a Justiça gratuita

Concessão dos benefícios da Justiça gratuita é destinada apenas ao trabalhador e não pode alcançar pessoa jurídica.

12/3/2012

Decisão

Empresa em liquidação extrajudicial não tem direito a Justiça gratuita

A 2ª turma do TRT da 3ª região rejeitou o recurso de uma empresa que pleiteava a concessão dos benefícios da Justiça gratuita, sustentando sua precária situação financeira decorrente da decretação de sua liquidação extrajudicial.

Segundo os julgadores, a Justiça gratuita, disciplinada pela lei 5.584/70 e pelo artigo 790, parágrafo 3º, da CLT, é destinada apenas ao trabalhador, não podendo alcançar pessoa jurídica, mesmo que em liquidação extrajudicial.

Para a juíza convocada Maria Cristina Diniz Caixeta, o simples fato de recolher custas processuais e depósito recursal já demonstra o contrário. Ela frisou que o depósito recursal não figura na lista de isenções concedidas aos benefícios da justiça gratuita, conforme entendimento contido nos artigos 790-A e 790-B da CLT.

A magistrada ressaltou que a jurisprudência pacificada na súmula 86 do TST - pela qual "não ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito do valor da condenação" - não se aplica à empresa em liquidação extrajudicial. Até porque, a súmula não equipara empresa submetida à liquidação extrajudicial à massa falida. Assim, ela não goza do mesmo privilégio no que se refere à isenção das custas processuais.

Veja a íntegra da decisão.

__________

00653-2010-006-03-00-0-RO

RECORRENTES: (1) L.R.M.S.; (2) EMPREENDIMENTOS MAFRA LTDA.

RECORRIDOS: (1) OS MESMOS

EMENTA: EMPRESA – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – JUSTIÇA GRATUITA. A concessão dos benefícios da justiça gratuita, disciplinada pela Lei n.º 5.584/70 e pelo artigo 790, § 3º, da CLT, é destinada apenas ao trabalhador, não podendo alcançar a reclamada, pessoa jurídica, não obstante a decretação de sua liquidação extrajudicial. Ademais, a jurisprudência pacificada na Súmula 86 do Colendo TST não equiparou as empresas submetidas à liquidação extrajudicial à massa falida, razão pela qual não poderiam gozar do mesmo privilégio no tocante à isenção das custas processuais.

Vistos, relatados e discutidos os recursos ordinários interpostos nos presentes autos oriundos da 6ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, proferiu-se este acórdão.

1. RELATÓRIO

O Juízo da 6ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, por meio da sentença de f. 151/155, integrada pela decisão de embargos declaratórios de f. 178/179, julgou parcialmente procedentes os pedidos aduzidos na petição inicial.

O reclamante interpôs o recurso ordinário de f. 180/186, versando sobre salário in natura, valor da remuneração, horas extras e honorários advocatícios.

A reclamada interpôs o recurso ordinário de f. 187/195, versando sobre justiça gratuita e comissões extrafolha.

Depósito recursal e recolhimento de custas processuais às f. 196 e 197.

Contrarrazões do reclamante às f. 199/204, arguindo a preliminar de não admissibilidade do apelo da reclamada, por intempestivo.

Contrarrazões da reclamada às f. 205/212.

Instrumentos de mandato e substabelecimentos às f. 55, 125 e 143.

É o relatório.

2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

O reclamante suscita em suas contrarrazões a preliminar de não admissibilidade do apelo da reclamada, por intempestivo, sob o fundamento de que a publicação para as partes tomarem ciência da decisão dos embargos declaratórios ocorreu em 23.08.2011 e não em 24.08.2011, sendo que o octídio legal teria se exaurido em 31.08.2011.

Contudo, não lhe assiste razão.

Conforme se depreende do trecho do Diário Eletrônico de Justiça do Trabalho escaneado em suas contrarrazões (f. 201), o reclamante confunde a data de divulgação, que ocorreu em 23.08.2011, com a data de publicação, que ocorreu no primeiro dia útil seguinte, em 24.08.2011 (vide certidão de f. 179-v), nos termos do artigo 4º da Resolução Administrativa n.º 147/2008 deste Regional.

Assim sendo, a contagem do prazo recursal iniciou-se em 25.01.2011 (art. 4º, parágrafo único, da Resolução Administrativa n.º 147/2008 deste Regional), findando-se em 01.09.2011, sendo esta a data da protocolização do apelo da reclamada (f. 187).

Rejeito.

Por conseguinte, presentes e regulares todos os pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.

3. JUÍZO DE MÉRITO

3.1. RECURSO DO RECLAMANTE

3.1.1. Salário in natura

O reclamante insiste no reconhecimento da parcela in natura referente ao lote de sua propriedade comprado por intermédio da reclamada.

Sustenta que houve efetivo desconto em suas comissões para o abatimento das prestações convencionadas, que excederam o período correspondente à quitação do débito.

Aduz que a avença em relação ao imóvel ocorreu em 2001, ou seja, antes do registro da CTPS do reclamante no ano de 2004, cuja retificação para fazer constar a data de início do vínculo empregatício em 01.12.1999 foi determinada na sentença.

Como a reclamada teria negado a prestação de serviços no período anterior ao registro da CTPS, tal fato ensejaria presunção favorável quanto à pretensão em comento, que ainda foi corroborada pela prova testemunhal.

Sem razão.

Na inicial, o autor alegou que a empresa Terra Nossa

Empreendimentos Imobiliária e Incorporações Ltda. loteou uma área de grande porte e celebrou contrato com a reclamada (Empreendimentos Mafra Ltda.), para que esta fosse interveniente na celebração de consórcios para a venda dos respectivos lotes.

No ano de 2001, o sócio proprietário da reclamada — Sr. Márcio Antônio Lopes — propôs ao reclamante que comprasse um lote, cujo valor das prestações fosse pago com sua força de trabalho, por meio de descontos das comissões a que teria direito.

Alegou que não obstante o débito ter sido quitado em novembro de 2005, tendo em vista o desconto médio mensal de R$ 600,00 a título de comissões e o valor da prestação correspondente a R$ 187,00, os descontos das comissões continuaram até a sua dispensa.

Pois bem.

A escritura pública de compra e venda juntada à f. 46/47 revela que a empresa Terra Nova vendeu o imóvel ao reclamante, tendo a reclamada como interveniente credora (representada pelo Diretor Márcio Antônio Lopes), que disponibilizou a quantia necessária para a concretização do negócio.

No mesmo documento consta que a vendedora transferiu o imóvel por meio da “escritura adesão ao grupo de nº 490 (quatrocentos e noventa), titularizando a quota de nº 194 (cento e noventa e quatro), para ser pago em 98 (noventa e oito) prestações mensais e consecutivas de R$ 184,68”, sendo ainda registrada a hipoteca do imóvel em favor da reclamada. O registro da escritura é datado de 27.03.2003.

A testemunha arrolada pelo autor informou “que tomou conhecimento de negociação de lote do dono da empresa com o reclamante; que o lote pertencia ao consórcio; que o consórcio passou o lote para o reclamante e para o pagamento ser descontado mensalmente.” (f. 148)

Os elementos de prova citados não são suficientes para comprovar o pagamento total do imóvel em novembro de 2005 ou mesmo até a data de sua dispensa, nem que a quitação das prestações era efetivada por meio de retenção das comissões a que teria direito, no importe médio mensal de R$ 600,00.

Aliás, o conjunto probatório não aponta qualquer documentação que registre o pagamento das prestações do imóvel, sendo que o depoimento isolado da testemunha é frágil para amparar o ônus probatório do autor neste aspecto.

Não altera o rumo da lide o reconhecimento do vínculo empregatício em período anterior ao registro da CTPS, já que tal fato não tem qualquer relação com a suposta quitação do imóvel e os descontos das comissões.

A presunção pretendida pelo recorrente nesse sentido é desprovida de amparo legal e/ou jurisprudencial.

Portanto, como o reclamante não se desincumbiu a contento do ônus probatório do fato constitutivo do direito postulado (artigo 818 da CLT c/c art. 333, I, do CPC), não há como reconhecer o valor sustentado pela tese obreira como sendo salário in natura para fins de pagamento e integração das respectivas diferenças na remuneração do autor.

Nada a prover.

3.1.2. Valor da remuneração / Comissões extrafolha (matérias abordadas em ambos os recursos)

O Juízo de primeiro reconheceu o pagamento de comissões extrafolha e consectários.

Para fins de apuração das repercussões decorrentes do pagamento “por fora”, o Juízo a quo determinou a observância da diferença entre as importâncias consignadas nos recibos salariais colacionados e a importância de R$ 600,00, valor da remuneração retratada pela prova oral produzida.

No período em que não houve registro da CTPS, determinou a apuração mediante a observância da média dos 12 últimos salários pagos, conforme recibos salariais colacionados, por restar incontroverso nos autos que neste interregno o autor era comissionista puro.

Inconformadas, as partes recorrem.

O reclamante insiste na fixação da remuneração no importe de R$ 1.790,00 mensais, que corresponderia ao salário fixo, comissões extrafolha e os descontos de comissões decorrentes da venda do imóvel.

A reclamada pugna pela sua absolvição neste particular, aduzindo, em síntese, que o depoimento isolado de uma testemunha não seria suficiente para o autor desincumbir-se do encargo probatório relativo ao fato constitutivo do direito postulado.

Na eventualidade de ser mantida a condenação, requer que as comissões extrafolha sejam apuradas por todo o período do pacto laboral no importe de R$ 160,00, correspondente às diferenças entre a remuneração informada pela prova testemunhal e os valores consignados nos recibos salariais.

Sem razão.

Os recibos salariais juntados às f. 99/124 revelam que o maior salário pago ao reclamante no curso do contrato de trabalho foi de R$ 440,00.

A testemunha arrolada pelo reclamante (Gleimar Santos) informou “que recebia apenas comissão; que tinha um salário fixo pequeno mais comissão; que o salário fixo dependia das vendas.” (f. 148)

Já a testemunha arrolada pela reclamada (Cássio Max Rosa) informou “que tanto o depoente como o reclamante receberam integralmente as comissões; que não havia dedução sobre as comissões; que em média, o reclamante recebia R$ 600,00, inclusos salário fixo e comissão.” (f. 149, destaquei)

Quanto à pretensão recursal obreira, os elementos dos autos não permitem o reconhecimento do valor da remuneração na forma declinada na exordial.

Os descontos das comissões para a quitação das prestações do imóvel não restaram devidamente demonstrados, reportando-me aos fundamentos expendidos no tópico anterior deste acórdão.

A prova oral produzida pela própria reclamada comprova a existência de valores quitados extrafolha, já que a importância de R$ 600,00 (somados o salário fixo mais comissões) informada é superior aos valores consignados nos recibos salariais colacionados.

Mais uma vez a tese recursal de presunção favorável ao reclamante quanto ao período não registrado na CTPS não pode prevalecer, diante da situação fática demonstrada pelos elementos de prova produzidos.

Portanto, a repercussão das diferenças a serem apuradas na forma determinada pela sentença é incensurável, por estar em consonância com o contexto probatório. Não se olvida que o depoimento isolado favorável à tese obreira de pagamento extrafolha decorreu da testemunha da reclamada, devendo prevalecer o princípio norteador da primazia da realidade.

Quanto ao período anterior ao registro da CTPS, como o autor admitiu que recebia apenas comissões e a importância de R$ 600,00 comprovada nos autos se referia à soma dos valores fixos e comissões, a determinação judicial de observância da média dos últimos 12 meses de remuneração com amparo nos valores consignados nos recibos salariais também se apresenta razoável, diante da míngua de elementos probatórios quanto a este período.

Nego provimento a ambos os recursos.

3.1.3. Horas extras

Insurge-se o reclamante contra o deferimento de horas extras e consectários.

Sem razão.

Na inicial, o reclamante alegou que trabalhava das 8h às 18h, com 30 minutos de intervalo intrajornada, de segunda a sexta-feira, sendo que durante três vezes na semana a jornada era elastecida até às 20h. Cumpria ainda jornada de 8h às 14h em três sábados por mês.

Embora a tese defensiva da reclamada de jornada externa, nos moldes do inciso I do artigo 62 da CLT, não tenha prevalecido diante da prova oral produzida, o estabelecimento da empresa em que o autor laborou tinha menos de 10 empregados, razão pela qual a juntada dos controles de jornada não era obrigatória (art. 74, § 2º, da CLT c/c Súmula 338, I, do Colendo TST).

Assim sendo, competia ao autor o ônus probatório quanto à existência da sobrejornada laborada sem a respectiva remuneração, encargo do qual não se desincumbiu.

O depoimento da testemunha arrolada pelo autor (Gleimar) não convence. Além de informar uma jornada mais extensa do que a informada pelo autor, não foi clara em informar se a jornada por ela laborada correspondia à mesma habitualmente laborada pelo reclamante, afirmando ainda que o autor fazia trabalhos internos e, às vezes, externo. A jornada laborada aos domingos sequer foi alegada na inicial.

A testemunha arrolada pela reclamada (Cássio) nada soube informar acerca da jornada laborada pelo autor, até porque trabalhavam em locais distintos.

Com amparo no princípio da imediatidade e valoração da prova, as convicções do Juízo de origem acerca da prova oral produzida devem ser prestigiadas, pelo contato direto com as testemunhas inquiridas, dispondo assim de melhores condições para verificar o grau de credibilidade dos depoimentos ou de partes deste.

Nada a prover.

3.1.4. Honorários advocatícios contratuais

Nas ações de competência da Justiça de Trabalho, decorrentes de relação de emprego, somente são devidos os honorários de sucumbência se o (a) autor (a), vencedor (a) da demanda, é pobre no sentido legal e está assistido pelo sindicato representativo de sua categoria profissional, consoante a inteligência das Súmulas 219 e 329 do Colendo TST em conjunto com o artigo 14 da Lei n.º 5.584/70.

O autor não se encontra assistido pelo sindicato, razão pela qual não há como acolher sua pretensão.

A contratação de advogado particular foi uma mera opção do recorrente, já que também poderia utilizar-se do ius postulandi previsto no artigo 791 da CLT, razão pela qual não prospera a tese de ressarcimento com amparo nos arts. 389 e 404 do Código Civil.

Nego provimento.

3.2. RECURSO DA RECLAMADA

3.2.1. Justiça gratuita

A reclamada pleiteia a concessão dos benefícios da justiça gratuita, sustentando sua precária situação financeira decorrente da decretação de sua liquidação extrajudicial.

Sem razão.

A concessão dos benefícios da justiça gratuita, disciplinada pela Lei n.º 5.584/70 e pelo artigo 790, § 3º, da CLT, é destinada apenas ao trabalhador, não podendo alcançar a reclamada, pessoa jurídica, não obstante a decretação de sua liquidação extrajudicial (f. 74/75).

Aliás, a alegada situação financeira precária sustentada pela recorrente é elidida de certa forma com o recolhimento no caso vertente das custas processuais e do depósito recursal que não figura no rol de isenções concedidas aos beneficiários da justiça gratuita, consoante a inteligência dos arts. 790-A e 790-B da CLT).

É importante enfatizar que a jurisprudência pacificada na Súmula 86 do Colendo TST não equiparou empresa submetida à liquidação extrajudicial à massa falida, não podendo gozar do mesmo privilégio no tocante à isenção das custas processuais.

Nada a prover.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, por sua Segunda Turma, unanimemente, conheceu do recurso do reclamante; sem divergência, negou-lhe provimento; à unanimidade, rejeitou a preliminar de não admissibilidade suscitada pelo autor, conheceu do apelo da reclamada e negou-lhe provimento.

Belo Horizonte, 31 de janeiro de 2012.

MARIA CRISTINA DINIZ CAIXETA

Juíza Convocada Relatora

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