Quebra
É possível estender efeitos de falência a empresas sem vínculos societários diretos
A 3ª turma do STJ conheceu parte do recurso especial interposto pela Kiaparack Participações e Serviços Ltda. acerca da falência da sociedade Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda.
Em 20 de julho de 2007, o síndico da Petroforte requereu a extensão dos efeitos da falência a 11 empresas – entre elas a Kiaparack – e nove pessoas físicas que teriam participado de diversas operações realizadas com o intuito de desviar bens da massa falida.
No recurso, a Kiaparack protestava por não ter sido previamente intimada, citada ou ouvida em processo autônomo, o que, para ela, implicaria cerceamento de defesa. No entanto, a ministra Nancy Andrighi, relatora, não viu violação a qualquer direito da empresa.
Quanto à dispensa de ação autônoma para a extensão da quebra, a ministra observou que se trata de medida possível quando forem empresas coligadas, conforme jurisprudência do STJ. E, no caso concreto, a caracterização da coligação das empresas é uma questão fática reconhecida pelas instâncias ordinárias, o que não pode ser revisto na análise do recurso especial.
A mesma controvérsia já havia sido analisada pela 3ª turma em agosto de 2011, no julgamento de quatro recursos especiais (REsp 1.259.018, REsp 1.211.823, REsp 1.259.020 e REsp 1.266.666). Em um deles, argumentava-se que, em agosto de 2008, eram 243 empresas e 76 pessoas físicas a quem a falência havia sido estendida.-
Processo: REsp 1.258.751
Veja a íntegra da decisão.
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RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: KIAPARACK - PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS LTDA
ADVOGADO: MAX ROBERTO DE SOUZA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO: PETROFORTE BRASILEIRO PETRÓLEO LTDA – MASSA FALIDA
ADVOGADO: AFONSO HENRIQUE ALVES BRAGA - SÍNDICO E OUTROS
EMENTA
PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. SOCIEDADES COLIGADAS. POSSIBILIDADE. AÇÃO AUTÔNOMA. DESNECESSIDADE. DECISÃO INAUDITA ALTERA PARTE. VIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. O recurso especial não deve ser conhecido nas hipóteses em que não foi ventilada, pela decisão recorrida, a questão federal impugnada, não obstante a interposição de embargos de declaração. Enunciado 211 da Súmula/STJ.
2. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos.
3. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses.
4. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita independentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social.
5. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a utilização de complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica da desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e nesta parte negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). JOSE ANCHIETA DA SILVA, pela parte RECORRENTE: KIAPARACK - PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS LTDA.
Brasília (DF), 15 de dezembro de 2011 (Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por KIAPARACK - PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS LTDA. objetivando impugnar acórdão exarado no julgamento de recurso de agravo de instrumento.
Ação: este recurso especial deriva de uma controvérsia já conhecida desta 3ª Turma. Trata-se da falência da sociedade PETROFORTE BRASILEIRO DE PETRÓLEO LTDA.
Em 20 de julho de 2007, o síndico requereu a extensão dos efeitos da falência dessa sociedade a uma série de empresas, discriminadas no requerimento apresentado (fls. 38 a 77, e-STJ), a saber: River South S.A., Vultee Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, Securinvest Holdings S.A., Turvo Participações S.A., Agroindustrial Espírito Santo do Turvo Ltda., Kiaparack Participações e Serviços Ltda., MT&T Prestação de Serviços em Envasamento Ltda., All Sugar International Inc (off-shore ), Red Cloud Ltda. (off-shore ), Blue Snow Holdings Inc (off-shore ) e Real Sugar Corporation (off-shore), além de uma série de pessoas naturais, a saber: Carlos Masetti Junior, Carlos Masetti Neto, Ida Tufano, Francisco Bosque Neto, Watson Gonçalves, Fernando Masetti, Wellengton Carlos de Campos, Myriam Nívea de Andrade Ortolan e Maria Isabel Quintino Nicotero Pestana.
Controvérsia muito semelhante, oriunda do mesmo processo, foi enfrentada pela 3ª Turma do STJ no julgamento dos recursos especiais nº 1.211.823/SP, 1.259.018/SP, 1.259.020/SP e 1.266.666/SP, sem sessão de 9/8/2011.
O motivo da decretação de extensão da quebra seria o de que todas as empresas e pessoas descritas no requerimento teriam participado de diversas operações realizadas com o intuito de desviar bens da massa falida. A KIAPARACK especificamente teria participado uma sequência de negócios jurídicos de arrendamento e compra e venda celebrados com o intuito de desviar, mediante fraude, uma valiosa usina dos bens da sociedade falida.
Decisão: deferiu o pedido de extensão dos efeitos da quebra (fls. 79 a 80, e-STJ).
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela SECURINVEST, nos termos da seguinte ementa (fls. 427 a 450, e-STJ):
FALÊNCIA – PETROFORTE- EXTENSÃO DOS EFEITOS DE SUA QUEBRA À AGRAVANTE NOS AUTOS DA FALÊNCIA – ADMISSIBILIDADE – POSSIBILIDADE DE DEFESA POR MEIO DE RECURSO – NULIDADE INEXISTENTE – RECURSO DESPROVIDO. FALÊNCIA – PETROFORTE – EXTENSÃO DOS EFEITOS DE SUA QUEBRA À AGRAVANTE – CABIMENTO – DESVIO DE FINALIDADE SOCIAL E ABUSO DE PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE – TRANSFERÊNCIAS SUCESSIVAS DE BENS PARA MANTÊ-LOS FORA DO ALCANCE DA JUSTIÇA – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE APONTEM PARA A EFETIVA MATERIALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS - RECURSO DESPROVIDO.
Embargos de declaração: interpostos (fls. 438 a 450, e-STJ), foram rejeitados (fls. 454 a 458, e-STJ).
Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas 'a' e 'c' do permissivo constitucional (fls. 485 a 515, e-STJ). Alega violação dos arts. 165 e 458 do CPC, 6º, 12 e 14 da LF/45, 50 do CC/02 e 81, 82 e 116 da LF/05.
Recurso extraordinário: interposto (fls. 465 a 479, e-STJ).
Admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso especial, por decisão do i. Des. Presidente da Seção de Direito Privado à época, Dr. Maia da Cunha, motivando a interposição do Ag 1.346.304/SP, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia.
Parecer do MPF: não colhido até o momento nos autos. Contudo, no julgamento dos recursos especiais acima citados, o Ministério Público proferiu parecer no sentido do improvimento do recurso especial, solicitando, inclusive, cópia dos autos para a verificação do cometimento de crime.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a lide a estabelecer se é possível estender os efeitos da falência de uma empresa a outra, por decisão incidentalmente proferida, sem a oitiva da interessada, na hipótese em que não há vínculo societário direto entre as empresas, mas em que há suspeita de realização de operações societárias para desvio de patrimônio da falida nos anos anteriores à quebra, inclusive com a constituição de sociedades empresárias conjuntas para esse fim.
I - Histórico da alegada fraude
Consoante mencionei no julgamento do REsp 1.259.018/SP, para compreensão da lide, é necessário descrever, antes de mais nada, no que consistem as fraudes que a massa falida alega terem sido cometidas, justificando a desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência a uma série de empresas e pessoas físicas.
Segundo afirma o síndico, uma série de operações societárias foi montada para desvio de bens da massa falida, notadamente os bens da sociedade SOBAR S/A – ÁLCOOL E DERIVADOS, do grupo Petroforte. A fraude consistiria na seguinte operação, utilizando-se as palavras do acórdão recorrido:
Como já verificado em outros recursos, oriundos do mesmo processo de falência, houve uma extensa cadeia de negócios sucessivos, que em vários aspectos revelam-se duvidosos, envolvendo negociações de créditos devidos pelo grupo falido quando já existentes sinais claros da derrocada econômica dos devedores.
Entre a Rural Leasing e a Sobar foi celebrado contrato de arrendamento mercantil, na modalidade 'lease back'. Para instrumentalização do negócio, a Sobar transmitiu à Rural Leasing a propriedade do imóvel (por escritura aparentemente não registrada no Registro de Imóveis competente) e dos equipamentos nele instalados. Alegadamente inadimplido o contrato, a arrendadora ajuizou ação de rescisão, obtendo posteriormente sua reintegração na posse dos bens arrendados.
Entrementes, a Rural Leasing cedeu seus direitos creditórios, oriundos do mesmo contrato de arrendamento mercantil, à ora agravante, 'Securinvest Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros', que por seu turno integralizou, com os bens objeto do leasing (e não com os direitos creditórios de que era cessionária), ações destinadas ao aumento do capital social de 'Turvo Participações S.A.', que posteriormente os arrendou a 'Agroindustrial Espírito Santo do Turvo'.
Consta ainda a existência de um 'contrato particular de compra e venda de universalidade de bens' pelo qual a 'Turvo Participações S.A. alienou os mesmos bens a 'Kiaparack Participações e Serviços Ltda.', que por seu turno os teria arrendado (novamente...) a 'Agroindustrial Espírito Santo do Turvo'.
A mesma operação é descrita com mais detalhes pela SECURINVEST, no REsp 1.259.020/SP, que trata da mesma controvérsia. Naquela oportunidade, a empresa SECURINVEST, objetivando fazer crer ao julgador que todo o processo foi revestido de legalidade, descreveuo- da seguinte forma:
Não é demais relembrar que em 22 de agosto de 2000, a sociedade Rural Leasing realizou com Sobar S.A. – Álcool e Derivados uma operação de crédito revestida de toda legalidade, no caso um lease back. Por força da referida operação, a Rural Leasing adquiriu da Sobar o terreno, as construções nele erguidas e todas as máquinas e equipamentos empregados na atividade industrial. Ato contínuo os arrendou através de contrato de arrendamento mercantil. Tudo dentro da mais rigorosa legalidade, repita-se. Comprove-se pelos documentos que estão nos autos que por força da operação a Rural leasing efetivamente entregou à vendedora a importância de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), no caso o preço do negócio.
De seu lado, a arrendatária se obrigou a pagar à arrendante 42 (quarenta e duas) parcelas mensais, iguais e consecutivas, no valor de R$ 328.907,32, pelo arrendamento e R$ 187.320,79, pela antecipação do valor residual garantido.
Em razão do inadimplemento parcial as partes celebraram instrumento de aditamento e re-ratificação do contrato de arrendamento mercantil ajustando que a dívida seria agora resgatada em 37 parcelas mensais e sucessivas de R$ 655.823,05, a partir de 22 de outubro de 2001. Diante do novo inadimplemento a Rural Leasing promoveu em face da Sobar a competente ação de rescisão contratual (2ª vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo – doc. Junto).
Uma vez cumprida a reintegração na posse dos bens objeto do arrendamento as partes em 7 de junho de 2002, celebraram novo acordo eis que não era interesse da rural Leasing ter a posse dos bens. Pelos termos do acordo, seriam pagos R$ 24.135.318,80 em 82 (oitenta e duas) parcelas mensais e consecutivas sendo a primeira em 25 de junho de 2002. Diante do reiterado descumprimento dos ajustes, a arrendante se reintegrou na posse do imóvel em 4 de abril de 2003, tudo conforme objeto do acordo. Foi quando a Agravante adquiriru os direitos junto à Rural Leasing que não tinha interesse ou em seu objeto a administração do acerca de bens.
Essa é, em linhas gerais, a principal das operações que teria justificado a extensão do decreto de quebra, não apenas à recorrente, mas a uma série de outras empresas. Com efeito, segundo a recorrente, a quebra tem sido estendida a todas as empresas que, indistintamente, tenham figurado, em qualquer posição contratual, nas sucessivas transferências da Usina SOBAR. No agravo de instrumento que deu origem ao REsp 1.259.018/SP, a sociedade AGRÍCOLA RIO TURVO LTDA. informou que já eram 210 empresas a quem a falência havia sido estendida. No recurso especial interposto naquele processo, argumenta-se que, em 18/8/2008, esse número havia subido para 243 empresas e 76 pessoas físicas.
Para o síndico, a operação empreendida, em que pese se revestir, à primeira vista, de uma aparente legalidade, em verdade se enquadrava em um contexto rotineiro de fraude. Com efeito, na petição que deu origem a todo esse incidente, o síndico pondera que:
As operações são sempre as mesmas: as empresas e os sócios do Grupo Econômico da Petroforte contraem dívidas – geralmente com o Rural Leasing ou com o Banco Rural – como não são pagas, são movidas ações judiciais que nem sequer chegam à segunda instância. Daí se obtém uma sentença judicial, ora condenatória, ora homologatória de acordo entre as partes e, como consequência, os bens dados em garantia são transmitidos aos 'credores' – empresas do Grupo Rural. Ato contínuo, aparece a Securinvest que subroga-se na dívida e os bens são rapidamente repassados a terceiros ou outras empresas dos mesmos Grupos Econômicos”.
Ainda segundo o síndico, no caso específico da USINA SOBAR, para além da reintegração judicial dos bens objeto do contrato de lease back, a operação de desvio teria sido complementada da seguinte forma: os antigos proprietários da SOBAR constituíram uma sociedade chamada RIVER SOUTH S.A. Essa empresa associou-se à SECURINVEST para a constituição de uma terceira sociedade, chamada TURVO PARTICIPAÇÕES LTDA. A SECURINVEST teria utilizado o patrimônio que recebeu da SOBAR para integralizar suas quotas na TURVO PARTICIPAÇÕES, na qual detinha 51% do capital social. Os outros 49% seriam da RIVER SOUTH, integrante do Grupo Petroforte. Posteriormente, a TURVO PARTICIPAÇÕES alienou os bens que lhe foram transferidos a uma outra sociedade, denominada KIAPARAK PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS LTDA., também supostamente do Grupo Rural e os bens teriam, então, sido arrendados a uma nova sociedade, AGROINDUSTRIAL ESPÍRITO SANTO DO TURVO LTDA., sociedade empresária cujos sócios são duas off-shores sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas: All Sugar International e Real Sugar Corporation , ambas, segundo o Síndico, do Grupo Rural.
Ou seja: uma cadeia de operações societárias teria sido preparada, segundo o síndico, de modo a tentar criar uma veste de legalidade para a transferência dos bens.
Durante a criação dessa cadeia, empresas do Grupo Rural teriam se associado com a Securinvest e empresas do grupo Petroforte, criando, entre eles, significativo vínculo societário.
Além disso, haveria, sempre segundo o síndico, grande intercâmbio entre os grupos econômicos Rural e Petroforte. Afirma-se que “nos autos da ação falimentar da Petroforte existem diversos documentos que comprovam a interferência direta na administração das empresas relacionadas no parágrafo anterior [do grupo Petroforte] por pessoas que são funcionários do Grupo Rural”. Toda a operação teria sido escancarada em uma ação declaratória de nulidade de ato jurídico proposta pela RIVER SOUTH em face de VULTEE, SECURINVEST e CARLOS MASETTI, na qual farta documentação acerca de tudo teria sido juntada.
É dentro desse panorama que o presente recurso deverá ser julgado.
II - Violação dos arts. 81, 82 e 116 da Lei 11.101/2005. Inaplicabilidade.
Adentrando ao mérito da impugnação, é importante frisar, desde já, que a falência da PETROFORTE foi decretada quando vigente o DL 7.661/45, de modo que qualquer alegação de ofensa aos dispositivos da Lei 11.101/2005 não poderá ser conhecida nesta sede por força do disposto no art. 192 da referida Lei, salvo hipóteses excepcionais, em que não há, na lei antiga, norma para uma situação concreta específica (REsp 1.172.387/RS, de minha relatoria, DJe 24/3/2011; AgRG no REsp nº 1.089.092/SP, Rel Min. Massami Uyeda, DJe de 29/4/2009, entre outros).
Na hipótese dos autos, o art. 82 da Lei 11.101/05 tem correspondência no art. 6º do DL. 7.661/45, de modo que sua violação não poderá ser apreciada nesta sede.
Já o art. 81 dessa mesma Lei não foi abordado pelo acórdão recorrido, não obstante a interposição de embargos de declaração pela recorrente. Não tendo essa alegado, no recurso especial, a violação do art. 535 do CPC, seu apelo, quanto ao ponto, esbarra no óbice do Enunciado nº 211 da Súmula/STJ.
Por fim, a violação do art. 116 da Lei 11.101/05 é arguida com fundamento na necessidade de estabelecimento de processo autônomo para a decretação da quebra.
Essa impugnação converge para as razões desenvolvidas pela recorrente no capítulo de eu recurso que trata da alegada violação ao art. 6º do DL 7.661/45. Assim, a matéria será abordada adiante.
III - Ausência de fundamentação da decisão de extensão da quebra.
Violação dos arts. 165 e 458 do CPC.
Conquanto tenha sido mencionada no relatório elaborado pelo i. Des. Relator ELLIOT AKEL, a questão da ausência de fundamentação da decisão de primeiro grau não foi abordada nas razões do voto que proferiu no julgamento do agravo de instrumento que deu origem a este recurso especial. Tampouco há manifestação sobre a matéria no julgamento dos embargos de declaração subsequentes. Não tendo sido requerida, como já mencionado, a anulação do acórdão por violação ao art. 535 do CPC, a alegada ofensa aos arts. 165 e 458 do CPC não pode ser apreciada nesta sede por ausência de prequestionamento, aplicando-se, à espécie, novamente o óbice do Enunciado 211 da Súmula/STJ.
IV - Quebra sem prévia citação e sem processo autônomo. Alegada violação dos arts. 6º, 12 e 14 do DL 7.661/45, bem como do art. 50 do CC/02.
O tema de mérito deste recurso se resume à possibilidade de extensão da falência da PETROFORTE à recorrente, sem sua prévia intimação, citação ou oitiva e sem o estabelecimento de processo autônomo. Com efeito, no processo que originou este recurso, o pedido do síndico de extensão da quebra foi autuado em expediente avulso e deferido, pelo juízo, em primeiro grau, sem a participação da recorrente, destinatária dos efeitos da decisão. O exercício do contraditório foi com isso diferido, possibilitando-se a defesa da recorrente apenas por meio de recurso.
A análise da regularidade desse procedimento não pode, naturalmente, desprender-se das peculiaridades da espécie. Com efeito, não é mais possível, no processo civil moderno, tomar a apreciação de uma causa baseando-se exclusivamente nas regras processuais sem se considerar, em cada hipótese, as suas especificidades e, muitas vezes, a evidência com que se descortina o direito material por detrás do processo.
Hoje está muito claro, tanto na doutrina como na jurisprudência, que as regras processuais devem estar a serviço do direito material, nunca o contrário.
No REsp 1.259.018/SP, interposto pela sociedade AGRÍCOLA RIO TURVO LTDA., relativo à mesma controvérsia, a recorrente demonstrou que a extensão dos efeitos da falência sem a prévia citação vem sendo admitida pela jurisprudência da 3ª Turma nas hipóteses em que caracterizada a existência de grupo econômico. Cita, nesse sentido, inclusive, julgado de minha relatoria (RMS 12.872/SP, 3ª Turma, DJ de 16/12/2002)
Na hipótese dos autos, verifica-se que realmente não há notícia de que o juízo de primeiro grau tenha promovido a citação ou a notificação da recorrente antes da decretação da extensão de sua quebra. Contudo, é fato também que a recorrente teve, ainda que a posteriori, suficientes oportunidades para se defender, inclusive mediante a apresentação de ampla documentação no agravo de instrumento que interpôs. Não é desconhecida do processo civil moderno a possibilidade de o juiz dar provimentos de cunho antecipatório inaudita altera parte. A condução do processo, portanto, deu-se de modo a garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa, não havendo que se falar em violação do arts. 6º, 12 e 14 do DL 7.661/45.
Além disso, é importante frisar que a jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de dispensar a propositura de ação autônoma para que se defira a extensão dos efeitos da falência de uma sociedade a empresas coligadas, consoante se vê nos seguintes precedentes: REsp 1.034.536/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 16/2/2009; REsp 228.357/SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 19/12/2003; entre outros.
Assim, em princípio, caracterizada a coligação de empresas, a exigência de processo autônomo não se justificaria.
A caracterização de coligação de empresas é, antes de mais nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver decidido o Tribunal a esse respeito não pode ser revisto nesta sede por força do óbice da Súmula 7/STJ.
De todo modo, para além de seus contornos fáticos, a coligação consubstancia um conceito societário. A coligação se caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas decisões de políticas financeiras ou operacionais da outra, sem controlá-la. Antigamente, a Lei das S/A dispunha, em seu art.
243, §1º, acerca de um montante fixo de participação no capital para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre empresas. Dizia que “são coligadas as sociedades quando um participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”. Esse percentual, contudo, era fixado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no relatório anual da administração . Na prática, independentemente de um percentual fixo, o conceito de coligação está muito mais ligado a atitudes efetivas que caracterizem a influência de uma sociedade sobre a outra. Há coligação, por exemplo, sempre que se verifica o exercício de influência por força de uma relação contratual ou legal, e em muitas situações até mesmo o controle societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria do capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com significativa emissão de ações preferenciais sem direito a voto.
No parecer subscrito pelo i. Prof. Fábio Ulhoa Coelho, juntado aos autos do REsp 1.259.018/SP, sustenta-se que os grupos econômicos são tratados pela legislação interna dos diversos países que os reconhecem segundo dois amplos modelos: o modelo orgânico , segundo o qual o grupo é caracterizado mediante a análise de meras circunstâncias de fato que evidenciem a existência de direção econômica unitária para diversas sociedades formalmente autônomas; e o modelo contratual , segundo o qual, em vez disso, o grupo se formaria mediante um acordo expresso de vontades.
O Brasil teria adotado o modelo contratual para a caracterização de um grupo econômico, de modo que sua caracterização, nos termos do art. 265 e seguintes da Lei das S.A., submete-se à convenção celebrada para sua caracterização, cuja celebração é regulada pelo art. 269 da mesma lei. Assim, no Brasil, a caracterização do grupo econômico seria jurídica , não meramente fática.
Entretanto, o próprio professor Fábio Ulhoa Coelho reconhece no parecer que, mesmo nos países de modelo contratual, seria possível identificar a coexistência de duas categorias: os grupos de fato e os grupos de direito. Para ele, “embora elejam certas formalidades cujo cumprimento é indispensável à configuração jurídica do grupo, eles [os países que adotam o modelo contrautal] não podem ignorar a existência de sociedades que, de fato, estão articulando seus esforços na realização de seus respectivos objetivos sociais sem o atendimento daquelas”. Um grupo de fato, assim, “seria aquele que atender às mesmas características de um grupo de direito, exceto as de ordem formal”.
Os grupos, ainda segundo Fábio Ulhoa Coelho, também podem ser subdivididos em grupos de subordinação e de coordenação . Nos primeiros, de subordinação, a estrutura é piramidal, com uma sociedade exercendo o controle sobre as demais. Nos segundos, de coordenação, há apenas articulação de atividades e investimentos. Mas a caracterização de grupo repousa na característica essencial de
combinação de esforços das sociedades para realização dos respectivos objetivos ou participação em atividades ou empreendimentos comuns (art. 265 da Lei das S/A).
Essa característica, que já estava presente na Lei das S/A desde antes das reformas implementadas mais recentemente, hoje se encontra prevista de maneira clara.
Ao tratar de coligação de sociedades, a Lei modificou o critério anterior, de atribuição de montante fixo de participação no capital social. Com a modificação empreendida pela Lei 11.941/2009, o art. 243, §1º, da Lei das S/A passou a simplesmente prever que “são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa”. Tal influência, segundo o §5º desse artigo, incluído pela mesma Lei 11.941/2009 em consonância com a redação anteriormente dada pela MP 449/2008, é presumida “quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la”, mas a influência significativa, para além disso, caracteriza-se “quando a investidora detém ou exerce o poder nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la”.
A partir dessas reflexões, verifica-se que a cadeia societária descrita neste processo, não só em relação ao complexo agroindustrial SOBAR, mas em relação a diversos outros bens, demonstra a existência de um modus operandi que evidencia a influência recíproca dos grupos societários RURAL, PETROFORTE e SECURINVEST (seja ele ou não integrante do mais amplo GRUPO RURAL), uns sobre os outros, com a ativa participação da recorrente na cadeia de negócios reputada fraudulenta pelas instâncias ordinárias.
Isso é especialmente significativo quando nos debruçamos sobre a operação societária aqui descrita, consistente em arrendamento de bens, posterior inadimplemento da arrendante, retomada judicial da garantia, constituição de empresas para a administração desses bens e seu posterior redirecionamento a sucessivas sociedades que, na forma, são aparentemente independentes, mas cujo capital social é, na maioria das vezes, detido por sociedades off shore cuja efetiva propriedade não é dado aos credores da massa falida conhecer. É significativo notar inclusive que a influência de um grupo sobre outro se manifesta até mesmo na constituição de uma sociedade (TURVO PARTICIPAÇÕES LTDA.) cujo capital era dividido entre o GRUPO SECURINVEST e o GRUPO PETROFORTE, para quem os bens aqui discutidos, retomados pelo GRUPO RURAL, foram inicialmente transferidos antes de serem repassados a terceiros supostamente independentes.
É possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técnica da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que, para isso, seja necessário dar-lhe nova roupagem, interpretando-se progressivamente o art. 50 do CC/02. Para as modernas lesões, promovidas com base em novos instrumentos societários, são necessárias soluções também modernas e inovadoras. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica desenvolvida pela doutrina diante de uma demanda social, nascida da praxis, e justamente com base nisso foi acolhida pela jurisprudência e pela legislação nacional.
Como sói ocorrer nas situações em que a jurisprudência vem dar resposta a um anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do direito, referida técnica tem de se encontrar em constante evolução para acompanhar todas as mutações do tecido social e coibir, de maneira eficaz, todas as novas formas de fraude mediante abuso da personalidade jurídica.
Inexiste, portanto, nem sob a ótica dos arts. 6º, 12 e 14, do DL 7.661/45, nem sob a ótica do art. 50 do CC/02, violação de qualquer direito da recorrente.
V – Divergência jurisprudencial
O recurso, por fim, quanto à divergência, pauta-se pela alegada necessidade de processo autônomo para implementar a extensão dos efeitos da falência, como único instrumento passível de garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa. Essa questão já foi apreciada acima, quando da análise do recurso pela alínea “a” do permissivo constitucional. Assim, torna-se desnecessário tecer maiores considerações sobre a matéria porquanto, ainda que conhecido o recurso quanto à divergência, o seu resultado naturalmente convergirá para o que já se decidiu quando da análise da violação a dispositivos de lei federal.
Forte nessas razões, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.