Vida regrada
Sem abstenção: namoro da ex-mulher não exime ex-marido da pensão
"A mulher, pelo simples fato de receber pensão do ex-marido, não se obriga à abstenção sexual. Tampouco está obrigada a enclausurar seus sentimentos afetivos". Com esse entendimento, a câmara Especial Regional de Chapecó/SC, em decisão unânime, acolheu apelação de ex-mulher para manter o direito de receber alimentos do ex-marido, que, sem provar redução de seus rendimentos, alegou que ela recebe auxílio-doença, trabalha como autônoma e convive em sociedade conjugal de fato com outra pessoa.
O desembargador substituto Jorge Luis Costa Beber observou que o fato de a mulher receber auxílio-doença não é circunstância suficiente para a exoneração da pensão alimentícia. O magistrado ressaltou o caráter provisório do benefício, que tem por base a impossibilidade de a recorrente trabalhar.
Além disso, o relator afirmou que o ex-marido reconheceu que a mulher usa medicação obtida em posto de saúde, o que contraria a afirmação de que ela trabalha como autônoma e possui renda.
Assim, sem provas de atividades remuneradas exercidas pela recorrente, o relator entendeu não ser possível a suspensão do pagamento dos alimentos. A mesma situação foi apontada em relação ao possível relacionamento conjugal com outra pessoa. Conforme o relator, não consta no processo qualquer indício de estabilidade, fidelidade, notoriedade, dependência econômica e intenção "affectio maritalis", que caracterizam uma união estável.
"O que importa é que mantenha ela uma vida pública regrada, pois o fato de namorar outro homem não caracteriza, por si só, a sociedade conjugal exigida para exoneração do encargo assumido pelo ex-cônjuge", concluiu o desembargador.
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À luz de tais considerações, voto pelo acolhimento do recurso, invertendo-se, em consequência, as verbas de sucumbência.Apelação Cível
Relator: Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS EM FACE DE EX-CÔNJUGE. INEXISTINDO PROVA INEQUÍVOCA DA REDUÇÃO SIGNIFICATIVA DA CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE, QUE TORNE IMPOSSÍVEL O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, OU, AINDA, A COMPROVAÇÃO DE OUTRA CAUSA EXCLUDENTE DO PENSIONAMENTO ALIMENTAR DERIVADO DA RUPTURA DO ENLACE MATRIMONIAL, A AÇÃO DEVE SER INTEIRAMENTE DESACOLHIDA.
Compete ao autor, nos termos do art. 1.699 do código civil, comprovar eficazmente a superveniência de fatos que alteraram substancialmente a situação em torno dos rendimentos dos litigantes, existente à época da fixação dos alimentos, tornando, em consequência, comprometido o encargo convencionado ou imposto por decisão judicial.
A mulher, pelo simples fato de receber pensão do ex-marido, não se obriga à abstenção sexual. Tampouco está obrigada a enclausurar seus sentimentos afetivos. O que importa é que mantenha ela uma vida pública regrada, pois o fato de namorar outro homem não caracteriza, de si só, a sociedade conjugal exigida para exoneração do encargo assumido pelo ex-cônjuge.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n., da comarca de (1ª Vara), em que é/são apelante X., e apelado Y.:
A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Jânio de Souza Machado, e dele participou o Exmo. Des. Subst. Guilherme Nunes Born, como revisor. Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo Sr. Dr. Durval da Silva Amorim.
Chapecó, 25 de novembro de 2011.
Jorge Luis Costa Beber
RELATOR
RELATÓRIO
Y aforou ação de exoneração de pensão alimentícia em face de sua ex-cônjuge X aduzindo que separou-se judicialmente da ré em 1999, arcando desde aquele ano com o pagamento de pensão alimentícia em favor da mesma, atualmente no patamar de 50% de um salário mínimo.
Alegou que a ré não necessita do aludido pensionamento, justo que recebe auxílio-doença da Previdência Social, não possui despesas excessivas, sobretudo porque não tem gastos com moradia, somente com alimentação, água, luz e telefone, recebendo os remédios que utiliza de forma gratuita junto ao Posto de Saúde. Sustentou que a demandada está vivendo em união estável e seu atual companheiro é quem paga as suas despesas extraordinárias. À luz dessas considerações, clamou pela procedência da ação, com a consequente exoneração do encargo alimentar.
Após regular instrução, o Magistrado Christian Dalla Rosa entregou a prestação jurisdicional, julgando procedente a ação, ordenando, ainda, a juntada de cópias retiradas dos autos da ação de execução de pensão alimentícia aviada pela ré contra o autor, em razão de ambas tramitaram em apenso.
A ré, irresignada, interpôs recurso de apelação, asseverando, em compendiado, a ausência de provas acerca da alteração da fortuna das partes, negando, de outra parte, a sua convivência conjugal com outra pessoa. Alegou, ainda, que percebe a título de auxilio doença pouco mais de um salário mínimo, possuindo enormes despesas com medicamentos, alimentação, água, luz, telefone, vestuário e lazer seu e da sua filha.
Oferecida a resposta, o feito ascendeu a esta Corte. O Ministério Público disse desnecessária sua intervenção. Após, vieram-me, os autos conclusos.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Insurge-se a apelante contra a sentença que julgou procedente a ação interposta pelo apelado, exonerando-o do pagamento de pensão alimentícia à apelante.
O apelo, adianto, merece acolhimento.
Com efeito, o pedido de exoneração de alimentos está escorado em três argumentos, ou seja, a apelante recebe do INSS auxílio-doença, trabalha como autônoma e está convivendo em sociedade conjugal de fato com terceira pessoa. Nisso se resume o fundamento da causa de pedir.
Pois bem, o só fato da autora receber da autarquia previdenciária auxílio-doença não é circunstância que possa de alguma forma viabilizar o pedido de exoneração de pensão alimentícia, justo que tal benefício pecuniário, de prestação continuada, possui a marca da provisoriedade, sendo destinado aos segurados que estão impedidos de exercerem atividades laborativas, cessando o pagamento quando o beneficiário recupera sua capacidade e retorna ao trabalho, ou, ainda, quando o benefício é transformado em aposentadoria por invalidez.
No caso em liça, não há prova alguma da apelante ter sido aposentada por conta da sua alegada incapacidade. Não há como eclipsar, de outra parte, a manifesta incongruência das alegações que fundamentaram o pedido de exoneração alimentar. É que, se o autor/apelado reconhece que a ré/apelante percebe auxílio-doença, admitindo expressamente que a mesma faz uso de medicação retirada junto ao Posto de Saúde, soa no mínimo estranha a afirmação de que a recorrente trabalha como autônoma, auferindo renda.
O autor, verdadeiramente, não produziu nenhuma prova acerca da atividade remunerada exercida pela apelante, sendo certo que as declarações extrajudiciais por ele apresentadas, produzidas sem o crivo do contraditório, que deve ser exercido mediante regular instrução processual, não se prestam para supedanear o pleito exoneratório.
O mesmo deve ser dito em relação à existência de um suposto conúbio conjugal fático da apelante com terceira pessoa, não se retirando dos autos nenhum indício que pudesse evidenciar o aludido relacionamento afetivo, diga-se, com estabilidade, fidelidade, notoriedade, dependência econômica e intenção affectio maritalis, pressupostos indispensáveis para caracterização de uma união estável entre um homem e uma mulher.
É sabido que tanto a doutrina como a jurisprudência não dissentem sobre viabilidade do pedido de exoneração quando comprovado que a ex-cônjuge pensionada vive na companhia de outro homem.
Não seria, sob qualquer pretexto, justo e moralmente aceitável que o ex-marido fosse compelido a continuar pensionando sua ex-cônjuge, enquanto ela vive maritalmente com outro homem, sendo inocultável que o alimentante, ainda que indiretamente, estaria contribuindo para desonerar o novo companheiro da alimentanda dos encargos decorrentes da mancebia.
Logo, mesmo que a mulher seja pobre e inocente pela ruína do casamento, perderá definitivamente o direito aos alimentos se passar a viver em concubinato, companheirismo, sociedade conjugal de fato ou outra terminologia sufragada pela vontade popular, não havendo a restauração do referido direito nem com a morte do novo companheiro e nem por simples ruptura daquele relacionamento, ainda que por outras causas.
Todavia, para que ocorra a exoneração é imprescindível que haja prova escoimada de qualquer dúvida acerca do referido conúbio, com aparência de casamento, mantido pela alimentanda, sendo certo que meras suposições não se prestam para fundamentar um decreto de procedência, de gravíssimas consequências, pois o reconhecimento desta motivação, como já se disse, implica na perda em definitivo dos alimentos.
A mulher, pelo simples fato de receber pensão do ex-marido, não se obriga à abstenção sexual. Tampouco está obrigada a enclausurar seus sentimentos afetivos. O que importa é que mantenha ela uma vida pública regrada, pois o fato de namorar outro homem não caracteriza, de si só, a sociedade conjugal exigida para exoneração do encargo assumido pelo ex-cônjuge.
Em ações dessa natureza, para que seja acolhido o pedido de exoneração, há que existir induvidosa alteração da situação de fato que vigorava na fortuna dos litigantes na ocasião em que o encargo foi convencionado ou imposto por decisão judicial. Há que existir prova irrefutável do decréscimo exacerbado das rendas do alimentante ou do aumento significativo da fortuna da alimentanda, de tal modo que o cumprimento da obrigação fique de todo comprometido, no primeiro caso, ou desvirtuado da sua finalidade, na segunda hipótese.
Se não há no caderno processual prova em torno da alteração das condições econômicas do alimentante e da alimentada, tampouco a demonstração da excludente centrada na imputação de nova sociedade conjugal mantida por quem recebe os alimentos, inviável se mostra o pedido de exoneração.