Decisão
Empresa tem direito de negar crédito a consumidor
A empresa alegou que a proposta de crédito foi recusada pela instituição financeira com a qual mantém convênio (Banco Fibra S/A) em razão da disparidade entre a renda informada pela requerente e o valor total da compra. Ponderou que a mercadoria não foi entregue e que a autora não desembolsou qualquer quantia.
Na Justiça, a cliente ingressou com pedido de indenização por danos morais. A juíza de Direito Denise Dias Freire, da 2ª vara Cível da comarca de Montenegro, negou a indenização.
No TJ, a desembargadora Marilene Bonzanini confirmou a sentença, ponderando que os requisitos para a concessão de créditos não são previstos legalmente, variando de empresa para empresa. São de todo aceitáveis, desde que não fujam ao bom senso nem sejam notoriamente discriminatórios. "O crédito, portanto, é uma liberalidade, e não uma obrigação pela qual deve responder o comerciante", afirmou a desembargadora.
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Processo : 70042385658
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APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECUSA DE VENDA A CRÉDITO. COMPRA NÃO LIBERADA. CRITÉRIO PRÓPRIO ESTABELECIDO PELO COMERCIANTE. DIREITO DE NEGAR A ABERTURA DE LINHA DE CRÉDITO QUANDO O SOLICITANTE NÃO SE ENCAIXE NOS REQUISITOS.
1. O fornecimento de crédito não é uma obrigação do comerciante, que pode se valer de sua vontade e de seus critérios para aprovar ou não a realização do negócio proposto pelo cliente. O crédito é uma liberalidade e não uma obrigação pela qual o comerciante deve responder.
2. Não seria aceitável que a negativa de crédito fosse realizada de maneira que viesse a colocar a demandante em situação vexatória, ou que notadamente demonstrasse preconceito e desrespeito, o que não ocorreu no presente caso. APELAÇÃO DESPROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL
NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70042385658
COMARCA DE MONTENEGRO
L.M.R.
APELANTE
REDLAR - MOVEIS CONFORTO LTDA
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.
Porto Alegre, 14 de setembro de 2011.
DESA. MARILENE BONZANINI,
Relatora.
RELATÓRIO
DESA. MARILENE BONZANINI (RELATORA)
Adoto, de saída, relatório constante da sentença:
L.M.R. ajuizou a presente ação indenizatória em face de Redlar – Móveis Conforto Ltda., ambas já qualificados nos autos. Narrou que, no dia 23-07-2008, adquiriu móveis na sede da requerida, ficando a entrega marcada para o dia seguinte. Ocorre que a compra foi cancelada pela ré sob a alegação de que a instituição financeira não havia aprovado o parcelamento do crédito, embora a autora tenha utilizado o crediário da própria loja, tendo o carnê de pagamentos sido emitido no ato da compra. Ponderou que já havia realizado outras compras a crédito na empresa, pagando religiosamente as parcelas contratadas, não havendo motivo para a recusa. Mencionou haver se negado a entregar o carnê à ré, por ser a única prova das arbitrariedades cometidas. Afirmou haver adquirido o bem em outra loja, o que comprova a ilegalidade cometida pela ré, constituindo-se em falha na prestação dos serviços, impondo-se sua condenação a indenizar a autora pelos prejuízos de ordem moral experimentados e pela expectativa frustrada, deixando a critério do Juízo o valor a ser fixado. Requereu a concessão do benefício da gratuidade judiciária. Juntou documentos.
O favor legal foi concedido à autora (fl. 17) e procedida à citação da ré.
Em sua contestação (fls. 19-23), a demandada afirmou que a proposta de crédito foi recusada pela instituição financeira com a qual mantém convênio – Banco Fibra S/A – em razão da disparidade entre a renda informada pela requerente e o valor total da compra. Ponderou que a mercadoria não foi entregue e que a autora não despendeu qualquer quantia. Sustentou não restar configurado o alegado dano moral, requerendo a improcedência do pedido.
Replicou a autora às fls. 27-31.
Intimadas para dizer acerca das provas que pretendiam produzir (fl. 33), nenhuma das partes se manifestou.
Os autos foram conclusos para sentença e, em dezembro de 2010, vieram-me conclusos em Regime de Exceção – Projeto Sentença Zero, conforme Edital nº 104/2010-CGJ.
Sobreveio sentença com dispositivo nos seguintes termos:
DIANTE DO EXPOSTO, julgo improcedente o pedido manejado por LIGÉLIA MARCIA RENZ na ação indenizatória proposta contra REDLAR – MÓVEIS CONFORTO LTDA.
Sucumbente, condeno a autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários ao patrono da parte adversa, que fixo em R$ 300,00 (art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil), tendo em vista a singeleza da causa. Todavia, suspendo a exigibilidade das verbas, por ser a autora beneficiária da gratuidade da justiça.
Em suas razões de apelação, a autora alegou indeferimento da proposta de crédito após a emissão dos carnês de pagamento. Observou a ausência de entrega do bem adquirido, bem como a inocorrência de qualquer aviso nesse sentido. Afirmou a evidência acerca da falha na prestação do serviço. Relevou falta de provas sobre os fatos narrados pela parte apelada. Referiu ter sofrido prejuízo moral e não mero dissabor. Pediu provimento.
A parte apelada ofereceu contrarrazões, refutando as alegações e pugnando pela confirmação da sentença.
Subiram os autos a este Tribunal.
Vieram conclusos.
Os procuradores da parte ré juntaram petição noticiando a renúncia ao mandato.
Houve despacho determinando a intimação pessoal da ré para que nomeasse novo procurador.
Decorreu prazo legal sem a manifestação da ré.
Retornaram conclusos.
É o relatório.
VOTOS
DESA. MARILENE BONZANINI (RELATORA)
Eminentes Colegas.
A apelante pretende a condenação da ré ao pagamento de reparação por danos morais pela negativa de crédito. Noticia ter-lhe sido negada a aquisição de produtos por meio de parcelamento oferecido pela própria requerida, sob a justificativa de não aprovação de crédito.
Primeiramente cabe salientar que o dever de reparar, regra geral, funda-se em três pilares: a existência de ato ilícito, a ocorrência de danos e o vínculo entre ambos: o nexo causal.
Neste caso, entendo não estar presente o primeiro dos requisitos: o ato ilícito.
Malgrado exista norma legal a afirmar que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços recusar a venda destes diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados casos especiais – art. 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor, com a redação dada pela Lei 8.884/94, tenho que não é o caso de se aplicar o indigitado dispositivo à espécie.
O fornecimento de crédito em si, como é o caso, não é uma obrigação do comerciante, que pode se valer de sua vontade e de seus critérios para aprovar ou não a realização do negócio proposto pelo cliente. O crédito, portanto, é uma liberalidade, e não uma obrigação pela qual deve responder o comerciante.
Neste sentido, julgados desta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE CONCESSÃO DE CRÉDITO E VENDA DE MERCADORIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CASO CONCRETO. 1. A concessão de crédito é liberalidade ou discricionariedade do fornecedor, não obrigação legal. Ato ilícito não configurado. 2. Os fatos narrados na inicial não foram comprovados, nos termos do artigo 330, inc. I, do CPC. 3. Além disso, a negativa de crédito, por si só, não constitui humilhação pessoal caracterizadora do dano moral. NEGADO PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70037611217, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 29/09/2010)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. NEGATIVA DE CRÉDITO. AUTONOMIA DA VONTADE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. Pelos elementos trazidos aos autos, a negativa de crédito reclamada na inicial não é abusiva ou ilícita. Não se verifica ato discriminatório na negativa da concessão de crédito, o que afasta qualquer possibilidade de constituir ilícito passível de recomposição, pois a concessão ou não de crédito é uma liberalidade do concedente. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70034253914, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 25/08/2010)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. NEGATIVA DE CONCESSÃO DE CRÉDITO. CASO CONCRETO. 1. A concessão de crédito é liberalidade ou discricionariedade do fornecedor, não obrigação legal. Ato ilícito não configurado. 2. Além disso, a negativa de crédito, por si só, não constitui humilhação pessoal caracterizadora do dano moral. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70030086599, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em 24/06/2009)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGATIVA DE VENDA A PRAZO COM BASE EM ESTATÍSTICAS DE CONSULTAS. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. DANOS MORAIS. 1. O fornecimento de crédito ao consumidor é liberalidade do estabelecimento comercial, sendo-lhe lícito fixar pré-requisitos para sua concessão, com vista a garantir a solvabilidade da transação, sem que isso implique em qualquer espécie de abuso de direito. Inteligência do artigo 188, inciso I, do CPC. 2. Hipótese em que a recusa de abertura de crediário em favor do demandante se deu, não porque existisse qualquer restrição em nome do autor à época de tentativa de contratação, em virtude da existência de diversas consultas, por parte de empresas associadas à Câmara de Dirigentes Lojistas, ao nome do demandante, o que indicava que o autor vinha fazendo diversas operações no comércio local mediante crédito, quiçá excedendo sua real capacidade econômica. Negativa de crédito legítima, uma vez que não havia segurança de que a dívida seria efetivamente honrada. 3. Sucumbência invertida. DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70025519125, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 18/02/2009)
A demandada não pode responder por abalo pelo fato de simplesmente ter optado por não conceder crédito a interessado que não preenchia os requisitos para a sua obtenção.
Frise-se que se fosse comprovado que tal critério foi utilizado apenas para a parte autora, e não para os demais clientes, ou que a situação tivesse ultrapassado os limites do aceitável, a decisão deveria ser diferente.
Não seria aceitável que a negativa de crédito fosse realizada de maneira que viesse a colocar a demandante em situação vexatória, ou que notadamente demonstrasse preconceito e desrespeito, mas aí a causa de pedir seria outra, e não a trazida pela autora na inicial.
Os requisitos para concessão de créditos não são previstos legalmente, variando de empresa para empresa. São de todo aceitáveis, desde que não fujam ao bom senso nem sejam notoriamente discriminatórios.
Desta forma, não há como verificar ilicitude na conduta da demandada.
Vai mantida, assim, a sentença.
Por tais razões, desprovejo o apelo.
É como voto.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LEONEL PIRES OHLWEILER - De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. MARILENE BONZANINI - Presidente - Apelação Cível nº 70042385658, Comarca de Montenegro: "DESPROVERAM O APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: DENISE DIAS FREIRE