Legislação
Debates acerca dos códigos fazem parte da história do Direito
Numa trincheira, o imortal Rui Barbosa.
Na outra, Ernesto Carneiro Ribeiro, ex-mestre do Conselheiro, médico, linguista de nomeada.
O objeto da discussão? O projeto do primeiro Código Civil brasileiro, de Clóvis Beviláqua.
"[...] sendo a língua o veículo das ideias, quando não for bebida na veia mais limpa, mais cristalina, mais estreme, não verterá estreme, cristalino, límpido o pensamento de quem a utiliza."1
Antes de sua promulgação, em 1916, o texto do CC passou por diferentes mãos, e foi alvo de críticas e mudanças até finalmente ser promulgado.
Washington de Barros Monteiro2 conta que Augusto Teixeira de Freitas, em 1855, foi encarregado de um trabalho preparatório com o intuito de fazer uma prévia consolidação das leis civis. Este trabalho foi concluído três anos depois e aprovado, "com louvor". Em 1859, Teixeira de Freitas seria novamente encarregado de preparar o respectivo projeto. Entretanto, por conta de "prolongadas e estéreis discussões", suspenderam-se-lhe os trabalhos.
Em 1899, o então ministro da Justiça, Epitácio Pessoa, incumbiu o jornalista e professor de Direito Clóvis Beviláqua para redigir o anteprojeto do Código Civil brasileiro. A redação da obra foi concluída em outubro de 1900 e encaminhada ao Congresso Nacional.
Rui Barbosa presidiu a comissão do Senado encarregada de estudá-lo. Seu parecer foi entregue em abril de 1902, com muitas críticas quanto à vernaculidade do trabalho. Esta obra, com 560 páginas, foi publicada pela Imprensa Nacional sob o título: "Parecer do Senador Ruy Barbosa sobre a Redação do Projeto do Código Civil". Ali o baiano questionava a filologia do texto qualificando o projeto de "obra tosca, indigesta, aleijada."3
No mesmo ano, o médico e renomado filólogo baiano Ernesto Carneiro Ribeiro, professor de Castro Alves e do próprio Rui, foi convidado a realizar a revisão gramatical do Projeto. Em outubro de 1902, seu trabalho, "Ligeiras Observações sobre as Emendas do Dr. Ruy Barbosa ao Projeto do Código Civil", foi publicado no Diário do Congresso.
Em 1904, Rui Barbosa fez a sua monumental "Réplica" ao trabalho de Carneiro Ribeiro.
“Se a lei não for certa, não pode ser justa: 'Legis tantum interest ut certa sit, ut absque hoc nec justa esse possit'. Para ser, porém, certa, cumpre que seja precisa, nítida, clara. E como ser clara, se for vazada nos resíduos impuros de um idioma de aluvião? Se não se espelhar nessa língua decantada e transparente, que a tradição filtrou no curso dos tempos? Aspirar à clareza, à simplicidade e à precisão sem um bom vocabulário e uma gramática exata seria querer o fim sem os meios. A lucidez no estilo das leis 'depende, a um tempo, da lógica e da gramática', diz Bentham, 'ciências que é mister possuir a fundo, para dar às leis redação boa'."
Em 1905, Carneiro Ribeiro concluiu a sua "Tréplica": "Redação do Projeto do Código Civil e a Réplica do Dr. Ruy Barbosa".
Em 1916, após 16 anos de acaloradas discussões, o Código Civil brasileiro foi finalmente aprovado. Esteve em vigor até 2002, dando lugar ao atual Código Civil.
Código Comercial
Em sua história, a área do Direito Comercial foi motivo de disputas célebres. Elencamos algumas:
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Napoleão Bonaparte versus Séguir: Nos idos de 1807 na França, disputaram questão sobre o alcance da responsabilidade pessoal do falido;
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Waldemar Ferreira versus Oliveira Vianna: sobre a autonomia da JT, nos idos de 1930, o primeiro combatia a autonomia da Justiça Trabalhista; o segundo, ideólogo do corporativismo getulista, defendia a autonomia;
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José Xavier Carvalho de Mendonça versus Trajano de Miranda Valverde: Questão falencial e de recuperação de empresas, quando o primeiro tinha uma posição contratualista, enquanto o segundo uma posição processualista;
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José Xavier Carvalho de Mendonça versus Teixeira de Freitas: debate sobre necessidade do Código Comercial definir o que seria um ato de comércio;
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José Xavier Carvalho de Mendonça e João Eunápio Borges versus Waldemar Ferreira e Rubens Requião e versus De Placido e Silva e Fábio Ulhoa Coelho: sobre a competência suplementar das normas da Sociedade Simples e da lei das S/A. Os dois primeiros entendiam a sociedade por cotas como de capitais, os segundos como de pessoas e os terceiros como híbridas.
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1 BARBOSA, Rui. Obras Completas de. Vol 29, Tomo 3, 1902. p. 302
2 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 36ª edição. 1º Volume. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 36ª edição. 1º Volume. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.