Seguro de vida
Avanço da idade não pode gerar renovação de seguro com preço maior
Na 1ª instância, o segurado não obteve êxito e apelou para reapresentar seu pleito, que foi integralmente atendido no Tribunal. O desembargador Carlos Prudêncio, relator do recurso, anotou que as seguradoras têm usado a prática de aventar vantagens, "inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada", mas, passados alguns anos, impõem cláusulas muito mais onerosas ao consumidor.
O magistrado acrescentou que este costume "deve ser coibido pelo Judiciário, [...] mormente quando o desequilíbrio tem como causa a elevação da faixa etária dos contratantes, em prestígio ao princípio da boa-fé objetiva e ao disposto no artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor." A câmara entendeu, ainda, que contratos de trato sucessivo - com pagamento mês a mês - são únicos, uma vez que criam no segurado a expectativa de continuidade do negócio jurídico.
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Processo : 2008.043168-7 - clique aqui.
Veja abaixo a decisão na íntegra.
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Apelação Cível n. 2008.043168-7, de Indaial
Relator: Des. Carlos Prudêncio
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. RENOVAÇÃO ANUAL AUTOMÁTICA. RECUSA DA RENOVAÇÃO APÓS LONGO PERÍODO DE CONTRATAÇÃO. FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DO SEGURADO DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO. RESILIÇÃO UNILATERAL. "É reprovável a prática utilizada por muitas seguradoras consistente em atrair o consumidor com diversas vantagens, inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada e, passados alguns anos, verificar-se a imposição da renovação do contrato mediante a aceitação de cláusulas muito mais onerosas ao consumidor." (AC n. 2004.027532-4, de Blumenau, rel. Des. Joel Dias Figueira, DJ 10-4-2007).
DESINTERESSE NA CONTINUIDADE DA AVENÇA EM RAZÃO DA IDADE ATINGIDA PELO SEGURADO. INADMISSIBILIDADE. PROPOSTA RENOVATÓRIA EM CONDIÇÕES MAIS DESVANTAJOSAS. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL.
"Deve ser coibida pelo judiciário a prática comumente utlizada pelas companhias seguradoras de recusarem-se a renovar os contratos de seguro de vida ao fundamento de desequilíbrio econômico-financeiro, mormente quando o desequilíbrio tem como causa a elevação da faixa etária dos contratantes, em prestígio ao princípio da boa-fé objetiva e ao disposto no artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor" (AI 2007.037728-7 Rel: Des. Fernando Carioni - DJ de 17-2-2007).
DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. RECURSO PROVIDO.
Sabe-se que o que rege e norteia o ordenamento jurídico são os princípios insculpidos na Carta Magna, de modo que, jamais o interesse friamente contratual das partes pode exceder os limites impostos pelos princípios que resguardam o bem estar social e o equilíbrio das relações jurídicas, tal como os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato. Os contratos com característica de trato sucessivo devem ter cunho de pacto único, uma vez que criam no contratante/segurado a expectativa de continuidade do negócio jurídico.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.043168-7, da comarca de Indaial (2ª Vara), em que é apelante C.G.S., e apelado Sul América Seguros de Vida e Previdência S.A.: ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Adoto relatório de fls. 301 e 302, acrescento que o Juiz de Direito Dr. Elleston Lissandro Canali julgou improcedente os pedidos formulados na ação de manutenção de contrato de seguro de vida combinada com obrigação de fazer e pedido de antecipação de tutela, condenando o vencido ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15 % sobre o valor da causa.
Inconformado, C.G.S. apela, argumentando que:
a) a não renovação contratual por parte da seguradora é abusiva; e b) o contrato de seguro não pode sofrer qualquer variação conforme a idade do segurado.
Sul América Seguros de Vida e Previdência S.A. apresenta contra-razões alegando a) há previsão contratual para a readequação de valores do prêmio e da apólice, conforme a idade do segurado; b) não houve qualquer prejuízo ao consumidor; e c) a renovação do contrato se deu pelas vias legais, com previsão expressa no contrato.
Após, os autos subiram a esta Superior Instância.
VOTO
Trata-se de ação ordinária de manutenção de contrato de seguro de vida c/c de obrigação de fazer e tutela antecipada, demandada pelo autor em razão da negativa da ré em renovar seu seguro de vida, nas mesmas condições pelos índices previstos no contrato, somando a este valor uma majoração embasada em suposta taxa cuja fórmula é desconhecida pelo autor e o coloca em desequilíbrio contratual para com a empresa ré, vez que só poderia obter renovação de seu seguro caso se submetesse a adimplir as prestações impostas por tal cálculo, o que, por consequência, o deixou desamparado e sem vigência o aludido contrato. Sentenciando, o Dr. Elleston Lissandro Canali, Juiz de Direito de Indaial, julgou improcedentes os pedidos feitos na inicial e condenou o vencido ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa.
Preambularmente, faz-se necessário reconhecer, desde logo, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações securitárias, tendo em vista que a aludida atividade se enquadra no conceito de serviço, onde a seguradora é a prestadora, conforme artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, e o segurado consumidor.
Colhe-se dos autos que em 13-09-2003 (fl. 16) o recorrente pactuou contrato de seguro de vida com a recorrida. Ano após ano, este vinha sendo renovado automaticamente, até que, em agosto de 2006, o apelante recebeu correspondência (fl. 17) na qual a Seguradora-apelada manifestava a vontade de reajustar os termos contratuais e alterar os valores da apólice conforme a faixa etária do segurado, sob pena de não mais proceder a renovação automática das condições anteriormente pactuadas.
Não obstante, não merecem guarida as razões levantadas pela seguradora, isso porque percebe-se que a majoração praticada pela empresa ré além de ter caráter abusivo, mostra-se como evidente manobra para compelir o recorrente a escolher um dos dois caminhos: ou se submete ao valor abusivo, ou aceita passivamente a rescisão do contrato, tornando-se "uma preocupação a menos" para a companhia seguradora.
Logo, a ré esquiva-se de sua responsabilidade sócio-contratual utilizando o subterfúgio de que se trata de uma empresa que preza pela liberdade contratual de seus segurados e pela livre concorrência.
Ademais, ao afirmar que durante anos o contrato foi renovado sucessivamente, admite a seguradora que gerava no autor uma expectativa de renovação sem maiores complicações, razão pela qual o mesmo jamais procurou outra empresa para substituir a ora ré.
Nessa toada, nítidamente perceptível que o autor/apelado escorava-se no sentimento de segurança que a ré lhe transmitia para renovar ao longo dos anos seu seguro, não imaginando que, em determinado momento, se veria impedido de renovar sua apólice e estivesse desamparado em meio a um mercado que trata os idosos como "risco iminente de perdas financeiras", e não como seres humanos que merecem dignidade mormente nessa fase da vida.
Nesse diapasão, já se manifestou esta Primeira Câmara de Direito Civil, firmando posicionamento no sentido de que "é reprovável a prática utilizada por muitas seguradoras consistente em atrair o consumidor com diversas vantagens, inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada e, passados alguns anos, verificar-se a imposição da renovação do contrato mediante a aceitação de cláusulas muito mais onerosas ao consumidor. (AC n. 2004.027532-4, Rel. Des. Joel Figueira Junior, DJ de 10-4-2007).
Ora, foi exatamente o que ocorreu no caso em apreço, já que a seguradora-apelada, de fato, tentou suprimir direitos do consumidor e de sua dependente, senão vejamos (fl. 17):
Observado o término de vigência da sua apólice coletiva nos termos da regulamentação, será respeitado integralmente o conteúdo do seguro atual sem qualquer modificação.
Tendo em vista a existência de um ou mais dependentes no seu contrato atual e a impossibilidade de manutenção dessa mesma estrutura no novo seguro oferecido, será permitida somente a inscrição do seu cônjuge no novo seguro, exclusivamente para a cobertura de morte.
Assim, supridas algumas coberturas e o valor das parcelas encarecido sobremaneira, vislumbra-se que os princípios de harmoniosidade, boa-fé objetiva, igualdade, vulnerabilidade e hipossuficiência do segurado sofreram flagrantes abalos, à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Ou seja, a seguradora ré desrespeita a boa-fé contratual, ignora a função social do contrato e, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana sob argumentos constitucionais previstos no Art. 5, inciso II, e 170 inciso IV da CRFB/88.
Sabe-se que o que rege e norteia o ordenamento jurídico são os princípios insculpidos na Carta Magna, de modo que jamais o interesse friamente contratual das partes pode exceder os limites impostos pelos princípios que resguardam o bem estar social e o equilíbrio das relações jurídicas.
No que tange à função social do contrato e ao princípio da boa fé dos contratantes, vale consignar que "O Direito Contratual, tem seus fundamentos questionados sob o ângulo coletivo, não mais como algo cuja relevância diz respeito somente às partes, porque se assim fosse, o Direito admitiria como instrumento de opressão se partisse da falsa premissa de igualdade entre os contratantes. (...) os contratos passam a ter relevância coletiva porque todo e qualquer instituto jurídico há de desempenhar a sua função social". (Rogério Zuel Gomes 'in' Teoria Contratual Contemporânea, Função Social do Contrato e Boa-fé – 2004/87)
Na mesma obra, o autor acima mencionado assevera, no que pertine à boa-fé na relação contratual, que "uma vez estabelecido o vinculo contratual, surgem os deveres contratuais anexos que se relacionam ao cumprimento daquilo que foi pactuado. O dever de informação continua presente nessa fase. Entretanto, a ele se soma o dever de cooperação, baseado em conduta leal e transparente". (2004/165)
Ciente dessa vulnerabilidade do consumidor diante das tratativas comerciais, o Código de Defesa do Consumidor elaborou uma série de mecanismos aptos a preservar o equilíbrio mínimo entre as partes.
Nesse contexto, impõe-se a observância durante todo o período contratual ao "princípio da boa-fé objetiva", recepcionado pelo art. 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor, no intuito de regular a conduta dos contratantes, inibindo práticas abusivas:
Art. 4º A política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Segundo Luiz Antônio Rizzatto Nunes, "a boa-fé objetiva pode ser definida como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças" (in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Direito material (arts. 1º-54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 107).
O Código Civil, por sua vez, recepcionou o princípio da boa-fé objetiva nos contratos de seguro, estabelecendo em seu art. 765 que "o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes".
Salienta-se que tal preceito decorre do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo disposto no art. 1º, III, da CF/1988, que pode ser traduzido no respeito e proteção ao ser humano como objetivo central de todo ordenamento jurídico.
Diante disso, o contrato passa a ser regulado em toda a sua extensão, vinculando as partes não somente no momento de sua celebração, mas desde a fase de negociação, durante a sua execução e até mesmo após o término de sua vigência.
Eis a redação do artigo 51 da Lei n. 8.078/1991:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Nesse diapasão, não se nega a possibilidade de rescisão do contrato, bem como a não-renovação da apólice; contudo, deve ser coibido o uso da cláusula contratual que autoriza a não-renovação automática quando se pretende majorar o valor do prêmio pelo fato da elevação da faixa etária dos segurados, como presumivelmente aconteceu no caso em questão.
Baseado nos preceitos antes mencionados, da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva e no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, mostra-se injusta a recusa em renovar o contrato em tela, mormente em razão de que o contrato vinha sendo renovado durante anos.
Portanto, à vista das circunstâncias apresentadas, tratando-se de contrato adesivo, bem como pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se a manutenção do contrato nos termos avençados.
Frise-se que o segurado renovou ininterruptamente o contrato por vários anos e, em virtude da elevação da idade dos segurados ou mudanças demográficas e atuariais do setor, foi surpreendido com a comunicação de que o contrato não mais seria renovado, sem nenhuma justificativa plausível, demonstrando inequivocamente a ilegalidade perpetrada.
Por oportuno, é o entendimento deste Tribunal de Justiça:
Ainda que inexista norma legal que proíba a resolução unilateral do contrato de seguro de vida, é lícito ao julgador, sobretudo em situações excepcionais que possam colocar o consumidor em posição deveras desvantajosa, valer-se da analogia a fim de assegurar o equilíbrio das partes e de dar prestígio à boa-fé objetiva, à dignidade humana e à função social do negócio jurídico entabulado. Neste norte, aparenta-se possível, em tese, que a análise judicial da questão absorva a mens legis posta nos artigos 14 e 15 da Lei n.º 9.656/98, que trata dos planos e seguros privados de assistência à saúde, no sentido de garantir ao segurado, como alternativa ao contrato anterior, a disponibilização de propostas viáveis e razoáveis, mesmo que estas não venham a desprezar a sua idade avançada (AC n. 2007.041287-3, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, DJ de 30-10-2007).
Precedentes: AC n. 2004.027564-7, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, DJ de 2-10-2007; e AC n. 2005.041042-6, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben , DJ de 31-5-2007; AI n. 2008.069882-3, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, DJ de 21-11-2008; AC n. 2008.078411-7, Rel. Des. Fernando Carioni, DJ de 19-3-2009.
Nesse ínterim, não resta outra alternativa ao caso em apreço senão determinar que a seguradora apelada renove a apólice VG n. 2233, Apólice APC n. 2234, Certificado de Seguro n. 127103, na forma anteriormente pactuada, mantendo-os sem qualquer aumento em decorrência da idade do segurado, emitindo novo certificado individual de seguro de vida ao requerente com novos carnês de pagamento, com valores devidamente atualizados pelos índices de correção monetária, invertendo-se o ônus sucumbencial.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.
Participaram do julgamento, realizado no dia 5 de julho de 2011, a Exma. Sra. Desembargadora Denise Volpato e o Exmo. Sr. Desembargador Saul Steil.
Florianópolis, 9 de agosto de 2011.
Des. CARLOS PRUDÊNCIO
Presidente e Relator