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Em 1978, conferência da OAB marcou luta pela restauração da democracia

Em maio de 1978, de 7 a 12, sob o peso da ditadura militar, ocorreu a "VII Conferência Nacional dos Advogados", em Curitiba/PR. O tema central "O Estado de Direito" foi debatido em 47 proposições que abrangiam desde anistia, estado de sítio, segurança nacional, HC, até criminalidade e direitos do povo.

23/11/2011

História


Em 1978, conferência da OAB marcou luta pela restauração da democracia

Em maio de 1978, de 7 a 12, sob o peso da ditadura militar, ocorreu a "VII Conferência Nacional dos Advogados", em Curitiba/PR. Na ocasião, com seu conhecido desassombro, o mestre Goffredo da Silva Telles Jr. pediu o Estado de Direito.


O encontro, ultimado com a sessão plenária da Ordem, em Curitiba, resultou numa das mais significativas demonstrações em prol da restauração da democracia. Isso quem nos narra, num memorável texto de saudade, e que fica de registro imorredouro para o Direito brasileiro, é a Dra. Maria Eugenia Raposo da Silva Telles. Lembrando dos momentos de 1978, ela conta como foram aqueles dias, inclusive com a informação de que o Conselho Federal da Ordem chegou a se dividir.

Veja abaixo a íntegra do texto e confira as reportagens publicadas nos jornais da época.

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Memória: A VII Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil

Um capítulo da luta democrática

Em 7 de maio de 1978, um domingo, foi instalada a VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, no Teatro Guaíra de Curitiba. As reuniões das Comissões se realizaram no prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. O Presidente da Conferência era Raymundo Faoro, Presidente do Conselho Federal da Ordem.

Tema da Conferência: “O Estado de Direito”.

Tema candente, pois o Brasil vivia sob o regime militar, vigentes as Medidas de Exceção impostas pelos Atos Institucionais, Atos Complementares, Decretos-Lei e pela Emenda Constitucional nº 1, denominada Constituição Federativa do Brasil, de 1969.

Travou-se na Conferência um debate fervoroso entre, de um lado, aqueles que lutavam pela restauração plena e imediata do regime democrático e, de outro, aqueles que defendiam uma transição gradativa, admitindo medidas de exceção “para defesa do Estado”. Uma espécie de Estado de Direito modulado por algumas medidas de exceção.

A constelação de expositores presentes à Conferencia era extraordinária: Caio Mário da Silva Pereira, Sérgio Bermudes, Alberto Gomes da Rocha Azevedo, Rubens Requião, Evaristo de Moraes Filho, Victor Nunes Leal, Miguel Reale Junior, Evandro Lins e Silva, Geraldo Ataliba, René Ariel Dotti, Therezinha Zerbini, Alberto Venâncio Filho, Goffredo da Silva Telles Junior, para citar apenas alguns nomes

No cenário político nacional, o senador Petrônio Portela, do Piauí, e o general Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, preparavam propostas para viabilizar a chamada transição, isto é, medidas que de forma “lenta, gradual e segura” (na expressão do Presidente Ernesto Geisel) conduzissem o País de volta ao regime democrático, ao restabelecimento pleno dos direitos civis, políticos e sociais, ao regime de partidos livres e do funcionamento regular dos Três Poderes. Petrônio Portela liderou a “Missão Portela”, os encontros com os núcleos políticos para empreender a referida “distensão política”.

A VII Conferência Nacional da Ordem, sobre o tema “O Estado de Direito”, foi o ambiente ideal para a discussão sobre a restauração da democracia em nosso país, com a exposição e debate nas várias Comissões das teses apresentadas.

O que se discutia era a institucionalização das chamadas “salvaguardas”, termo empregado para designar as medidas de defesa do Estado, entregues ao poder discricionário do Chefe do Executivo.

Goffredo sustentou que a defesa do Estado deveria ficar restrita ao estado de sítio, como medida excepcional, afastadas quaisquer outras medidas, não previstas na Constituição, incompatíveis com o Estado de Direito e caminho aberto para o arbítrio (Tese nº 7: “O Estado de sitio e as outras salvaguardas”).

De outro lado, os defensores das salvaguardas, quais sejam, o estado de emergência e as medidas de emergência, que pleiteavam a institucionalização da suspensão das garantias, aplicação da censura prévia, suspensão do habeas corpus, prisão sem ordem judicial, adiamento das eleições, suspensão das imunidades parlamentares, etc., quando as circunstâncias políticas indicassem risco para a estabilidade política.

O defensor da Tese das salvaguardas era Oscar Dias Correa, antigo líder da UDN, deputado constituinte em 1946 e depois Ministro do Supremo Tribunal Federal. Sua tese intitulava-se “Emergência constitucional no Estado de Direito” (Tese nº 17). Correa defendia a ideia de que o Estado Democrático de Direito precisava incorporar normas que regulassem os estados de exceção que ocorrem na vida política, advogando a aplicação de medidas igualmente de exceção para defesa do Estado.

O embate entre as duas atitudes políticas foi notável e marcou a Conferência como um dos encontros mais extraordinários.

Era preciso preparar cuidadosamente a sessão da Comissão encarregada da Tese defendida pelo Goffredo. Havia riscos de toda ordem. O Ministro Petrônio Portela reuniu-se várias vezes com o nosso “Batonnier” Raymundo Faoro, buscando cooptá-lo para a tese das Salvaguardas, instando para que a Tese do Goffredo fosse adiada em Plenário, mesmo se tivesse sido aprovada na Comissão.

Nosso grupo não era numeroso mas era muito aguerrido. Em torno do Goffredo estavam José Gregori, Luiz Baptista Pereira de Almeida, Lamartine Correa de Oliveira, Miguel Reale Junior, Alexandre Thiollier Filho, Therezinha Zerbini, Álvaro Dias, jovem político do Paraná, e numerosos Colegas do Paraná, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Nós nos reunimos algumas vezes no Escritório do Colega Lamartine Correa de Oliveira para preparar a sessão da Comissão e para trabalhar ao lado de Faoro na direção de neutralizar os esforços de Petrônio Portela, hábil político e argumentador competente.

O Conselho Federal se dividiu. Muitos de seus membros – alguns notáveis advogados e juristas – se deixaram seduzir pelo discurso governista e cerraram fileiras em prol da aprovação da Tese das Medidas de Emergência e do Estado de Emergência.

Nas Comissões, ambas as teses foram aprovadas. A aprovação da Tese defendida pelo Goffredo foi aclamada e formou-se ali um núcleo de resistência, contrário à ideia das Salvaguardas.

Afinal, chegou o dia da Sessão Plenária. A expectativa era imensa. Cabia ao Presidente da Conferência sagrar as teses que iriam compor a “Declaração dos Advogados Brasileiros” e aquelas teses que seriam “adiadas”, significando que seriam excluídas das Conclusões da Conferência.

Sabemos dos bastidores. Raymundo Faoro tomou seu tempo para decidir o que fazer. O apelo governamental para apoiar a tese das Salvaguardas era poderosíssimo. “O ótimo é inimigo do bom”, diziam alguns Conselheiros Federais, convencidos pela verve de Portela que acenava com a revogação de boa parte do entulho autoritário em troca das Medidas Excepcionais de Defesa do Estado.

Enfim, no dia 12 de maio, sexta-feira, depois do almoço, reuniu-se a Sessão Plenária no Teatro Guaíra. O Presidente relacionava as Teses e proclamava : APROVADA, ou então ADIADA. A proclamação foi a seguinte: Tese nº 7 “Estado de Sitio e outras Salvaguardas” - APROVADA. Tese nº 17 “A Emergência Constitucional do Estado de Direito” - ADIADA.

O Plenário se levantou aos brados de “Viva, Viva, Viva o Brasil, Viva o Estado Democrático de Direito Pleno, Viva”, palmas e palmas. A emoção tomou conta dos corações ao som do Hino Nacional.

Nunca mais se ouviu falar de Estado de Emergência e de Medidas de Emergência.

Os Anais da Conferência contêm a íntegra das Teses, o Programa, a “Declaração dos Advogados Brasileiros” e os discursos do Presidente Faoro.

Depois da noite da Carta aos Brasileiros, a Sessão Plenária da Conferencia da Ordem em Curitiba foi o evento mais representativo compartilhado por Advogados e Militantes em prol da Restauração da Democracia no Brasil.

No dia seguinte, na hora da partida, encontramos com Oscar Dias Correa e sua mulher. O tratamento foi civilizado, mas o Oscar não escondia a decepção e a frustração com o resultado da Sessão Plenária. Na despedida, combinamos um reencontro por ocasião da futura Constituinte – sonho de todos nós. Nunca mais nos encontramos.

Dez anos depois, em 5 de Outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da Republica Federativa do Brasil.

São Paulo, 22 de novembro de 2011

Maria Eugenia R. Silva Telles


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O Estado do Paraná


Jornal da Tarde




Folha de S. Paulo

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