Princípio da insignificância
Dano à coletividade afasta insignificância penal de furto de canos avaliados em R$ 100
Para o desembargador convocado Haroldo Rodrigues, o princípio só pode ser aplicado quando presentes quatro requisitos:
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mínima ofensividade;
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nenhuma periculosidade social;
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reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;
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lesão jurídica inexpressiva.
No caso, porém, não se verificaram o reduzido grau de reprovabilidade da conduta ou sua mínima ofensividade, nem a inexpressividade da lesão. "Não obstante o valor atribuído à coisa subtraída, o modus operandi da conduta e o dano causado à coletividade e ao poder público evidenciam a inequívoca necessidade de repressão penal", afirmou.
Rigor
O desembargador convocado do TJ/RS Vasco Della Giustina lembrou, ao acompanhar o voto do relator, que em Porto Alegre/RS há casos semelhantes, em que "em uma noite eles exterminam as luminárias do viaduto. No outro dia, extraem os fios de luz ou da telefônica." Nesse sentido, defendeu que "várias pessoas são atingidas, não obstante, muitas vezes, os valores serem insignificantes, mas a forma, e o número de pessoas atingidas, recomendam que se aja com mais rigor."
Com a decisão da turma, o réu deverá cumprir pena de dois anos de reclusão, em regime aberto, e pagar multa.
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Processo Relacionado : RHC 21523 - clique aqui.
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RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 21.523 - DF (2007/0144593-2)
RELATOR : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE)
RECORRENTE : A.G. (PRESO)
ADVOGADOS : ESDRAS DOS SANTOS CARVALHO - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO
LUÍS CLÁUDIO VAREJÃO DE FREITAS - DEFENSOR DATIVO E OUTRO
RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. OFENSIVIDADE E ESPECIAL GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.
1. Aplicável o princípio da insignificância quando verificadas "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/04).
2. Na hipótese, não há como reconhecer a mínima ofensividade tampouco o reduzido grau de reprovabilidade da conduta, aptos a ensejarem a aplicação do referido princípio, visto que o recorrente subtraiu aproximadamente 14 canos de ferro de propriedade do Governo do Distrito Federal - Parque ecológico do Riacho Fundo, após serrar e arrancar os referidos objetos do suporte do alambrado de ferro que cerca o parque, res furtiva essa posteriormente avaliada em R$ 100,00. Não obstante o valor atribuído à coisa subtraída, o modus operandi da conduta e o dano causado à coletividade e ao Poder Público evidenciam a inequívoca necessidade de repressão penal.
3. Recurso ordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 22 de agosto de 2011 (data do julgamento).
MINISTRO HAROLDO RODRIGUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE)
Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE): Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por A.G., condenado à pena de 2 anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 155, § 4º, IV, do Código Penal, pois teria subtraído aproximadamente 14 canos de ferro de propriedade do Governo do Distrito Federal - Parque ecológico do Riacho Fundo, após serrar e arrancar os referidos objetos do suporte do alambrado de ferro que cerca o parque, bens esses avaliados em R$ 100,00, indicada como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que denegou a ordem lá impetrada.
Busca o recorrente a absolvição por aplicação do princípio da insignificância.
Prestadas informações, a douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fls. 94/100), opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE) (RELATOR): Não assiste razão ao recorrente.
Veja-se o que consta da peça acusatória (fls. 9/10):
"No dia 09 de janeiro de 2004, por volta das 13:00hs, no Parque Ecológico do Riacho Fundo - DF, o denunciado, de forma livre e consciente, em comum acordo e unânime de desígnios com outros dois indivíduos não identificados, subtraíram para si, cerca de quatorze canos de ferro, ocos, pintados na cor verde, com aproximadamente uma polegada de diâmetro e 1,80 m de comprimento, de propriedade do GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL - PARQUE ECOLÓGICO DO RIACHO FUNDO.
Segundo o apurado os agentes teriam serrado o arrancado as barras de ferro do suporte do alambrado que cerca o parque, tendo colocado os objetos em um carrinho de mão e se evadido do local.
Ocorre, que duas testemunhas presenciaram o fato, tendo o administrador do parque acionado um agente de polícia que efetuou uma busca em vários ferros-velhos, tendo sido encontrada a res furtiva na empresa MC-Metálicos e Com. Ltda, localizada na CSG 09, lote 02, Taguatinga Sul - DF, onde foi informado que o denunciado havia acabado de vender os referidos objetos.
O denunciado então, foi perseguido e preso em flagrante na posse do carrinho de mão e de algumas ferramentas, além do recibo de venda dos bens à empresa, não tendo a polícia, porém, obtido êxito na localização dos outros dois envolvidos. (...)"
Aplicável o princípio da insignificância quando verificadas "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/04).
Na hipótese, não há como reconhecer a mínima ofensividade tampouco o reduzido grau de reprovabilidade da conduta, aptos a ensejarem a aplicação do referido princípio, visto que o recorrente subtraiu aproximadamente 14 canos de ferro de propriedade do Governo do Distrito Federal - Parque ecológico do Riacho Fundo, após serrar e arrancar os referidos objetos do suporte do alambrado de ferro que cerca o parque, res furtiva essa posteriormente avaliada em R$ 100,00. Não obstante o valor atribuído à coisa subtraída, o modus operandi da conduta e o dano causado à coletividade e ao Poder Público evidenciam a inequívoca necessidade de repressão penal.
Em casos análogos, esta Corte assim decidiu:
A - "HABEAS CORPUS . FURTO SIMPLES DE UM RELÓGIO DE PULSO, AVALIADO EM R$ 50,00. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE IN CASU. ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. BEM ARRANCADO DO BRAÇO DA VÍTIMA, EMBORA CLASSIFICADA A CONDUTA COMO FURTO. PACIENTE CONDENADO POR DIVERSOS CRIMES, INCLUSIVE HOMICÍDIO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade.
Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.
2. Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a ausência total de periculosidade social da ação; (c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.04).
3. O valor do bem furtado não é o único parâmetro a ser considerado para a aplicação do referido princípio; no caso concreto, muito embora a conduta tenha sido classificada como furto, o fato é que o relógio foi arrancado do braço da vítima, sendo certo que o paciente, não obstante ostentar maus antecedentes e ser reincidente, pesando contra ele, inclusive, uma condenação por homicídio, continua na senda delitiva, o que, considerando o modus operandi do delito em questão, demonstra alto grau de reprovabilidade de sua conduta, a afastar a possibilidade de incidência do princípio da bagatela.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial."
(HC 189.380/MG, Relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 7/6/2011)B - "HABEAS CORPUS . FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Em determinadas hipóteses mostra-se aplicável o princípio da insignificância, que, como assentado pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 84.412-0/SP, deve ter em conta a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Mesmo que se considere pequeno o valor da res furtiva, não é de se falar, no caso, em mínima ofensividade da conduta, revelando o comportamento do paciente razoável periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, na medida em que se dirigiu a uma imobiliária e, passando-se por um possível locatário, conseguiu as chaves do imóvel, indo até a casa da vítima, pessoa física, para de lá retirar um fogão a lenha, avaliado em R$ 100,00, posteriormente devolvido pelo pai do agente, sendo certo que o próprio modus operandi da conduta, na hipótese, é suficiente para afastar a aplicação do princípio aludido.
3. Habeas corpus denegado."
(HC 193.775/RS, Relator o Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), DJe de 28/6/2011)Diante o exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário em habeas corpus.
É como voto.
VOTO
O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Sra. Presidente, temos que apenar mais gravemente a situação, porque se observa, por exemplo em Porto Alegre, que em uma noite eles exterminam as luminárias do viaduto. No outro dia, extraem os fios de luz ou da telefônica.
Várias pessoas são atingidas, não obstante, muitas vezes, os valores serem insignificantes, mas a forma, e o número de pessoas atingidas, recomendam que se aja com mais rigor.
Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator, negando provimento ao recurso em habeas corpus .
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