Justiça do Trabalho
Improcedente reclamação de neto que processou espólio do avô após receber herança
O neto alega que foi contratado como empregado pelo falecido avô, em 1983, e após a morte deste ente querido, permaneceu laborando até 15/9/6, oportunidade em que requereu a rescisão indireta do contrato de trabalho. O espólio do avô contestou os pedidos, alegando o autor não prestou serviços como empregado, mas sim como membro da família.
De acordo com os autos, o autor cresceu na propriedade, Fazenda Onça, de seu avô, onde inclusive seguiu residindo após contrair matrimônio. Recebeu do avô, em doação, animais que criava e com os quais auferia lucros e não tinha despesas; além de tais rendimentos, o reclamante também recebia dinheiro do avô. Ainda conforme as provas do processo, o reclamante passou a trabalhar na propriedade porque era adulto e o avô entendeu que devia assumir responsabilidades; que o reclamante tinha liberdade para não trabalhar quando quisesse, porque ali era neto do proprietário e não empregado da fazenda.
A juíza Conceição afirmou que a condição do reclamante, na propriedade rural onde residia e nas demais que pertenciam a seu avô, "era de membro da família e não de empregado". A magistrada ressaltou que todas evidências do caso permitem reconhecer que entre o reclamante e seu avô havia "afeto, cuidado, zelo e respeito".
Para ela, o neto, "não satisfeito com a herança que o alcançou", buscou reconhecimento de uma "inexistente relação de emprego, permitindo com isso ao juízo concluir que pretende muito mais que uma herança, busca obter um 'plus' financeiro movido pela ânsia do dinheiro pelo dinheiro, que à perfeição se enquadra na máxima do enriquecimento sem causa".
O escritório De Lima, Emmanoel e Advogados Associados representou os interesses do espólio na causa.
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RECLAMANTE: C.P.S.J.
RECLAMADO: ESPÓLIO DE J.G.S. (representado pela inventariante A.C.S.)
PROCESSO Nº 861/08 – VARA DO TRABALHO DE BARRETOS
DATA: 13.9.2011SENTENÇA
Vistos, etc.
I – RELATÓRIO
C.P.S.J. , qualificado a f. 2, ajuizou a presente reclamação trabalhista em face de ESPÓLIO DE J.G.S. (representado pela inventariante A.C.S.), também qualificado, alegando, em síntese, que: trabalhou para a reclamada em período, função e remuneração discriminados em exordial, tendo aludido a irregularidades no curso do pacto laboral. À luz destas e das demais alegações contidas na inicial, postulou os títulos e providências ali relacionadas. Atribui à causa o valor de R$ 420.000,00. Juntou procuração e documentos.
O reclamado compareceu à audiência designada, e rejeitada a proposta de conciliação, apresentou contestação escrita refutando os termos da inicial e pugnando pela total improcedência da ação. Juntou procuração e documentos.
Na mesma oportunidade foi determinado o encerramento da instrução processual, sob protestos dos procuradores das partes, que pretendiam produzir provas.
Razões finais escritas.
Proferida sentença, as partes recorreram ao E. TRT, que proveu o apelo para declarar nulos os atos praticados a partir de f. 53, convalidando a peça de defesa, e determinando o retorno dos autos para reabertura da instrução processual.
Em audiência, foi colhido o depoimento do reclamante e inquiridas duas testemunhas, encerrando-se a instrução processual.
Razões finais remissivas.
Inconciliados.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Impugnação ao valor atribuído ao feito
O reclamado impugna o valor atribuído ao feito. Todavia seu inconformismo não procede.
Consoante artigo 258 do CPC, “O valor da causa constará sempre da petição inicial e será..omissis...II – havendo cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”.
O autor postulou reconhecimento de vínculo de emprego em relação a período complementar àquele anotado em CTPS, e por conseguinte as verbas contratuais correspondentes.
Nesse caso, atribuiu ao feito valor compatível com a postulação, não sendo plausível o pedido do reclamado para “adequação do referido valor de maneira comensurada”.
Outrossim, se os pedidos iniciais procedem ou não é questão atinente ao mérito e com o mesmo será analisada.
Logo, fica rejeitada a preliminar.
Prescrição
O reclamado articular preliminar de prescrição, postulando a decretação de extinção do feito com apreciação do mérito ao período anterior a 17 de abril de 2003.
Pois bem, a partir da publicação da EC, em 26/5/2000, embora considerando a vigência imediata da Lei, seus efeitos não eram imediatos, já que não podiam retroagir, “ex vi” da teoria da irretroatividade das leis e o respeito ao direito adquirido.
Todavia, a partir de 26 de maio de 2005, transcorridos cinco anos da publicação de aludida EC, deixou-se de observar o direito adquirido do trabalhador, já que ultrapassado período considerado como “pedágio” de cinco anos, contados de sua publicação.
Como o desligamento do reclamante ocorreu no ano 2006, conforme a inicial, portanto após o qüinqüênio relativo ao “pedágio”, a seu contrato de trabalho é perfeitamente aplicável a lei nova, não havendo mais de ser respeitado o direito adquirido de ajuizar ação nos cinco anos que sucederam referida EC para postular a integralidade deste contrato. Assim, poderá o autor reclamar apenas os cinco últimos anos do contrato de trabalho.
Considerando que a ação foi ajuizada em 17 de abril de 2008, com fundamento no artigo 7º., inciso XXIX, da Constituição Federal, declaro prescritos eventuais direitos do reclamante anteriores a 17 de abril de 2003.
Para os recolhimentos fundiários a prescrição é trintenária em relação às parcelas pagas e quanto às discutidas prevalece o entendimento da Súmula 206 do C. TST.
Vínculo de emprego
O reclamante alega que foi contratado como empregado pelo falecido avô, Sr. J., em 1983, e após a morte deste ente querido, permaneceu laborando até 15 de setembro de 2006, oportunidade em que requereu a rescisão indireta do contrato de trabalho. Afirma que a anotação em CTPS é incorreta e postula a retificação dos dados ali constantes, além do pagamento dos títulos contratuais e rescisórios relativos ao pacto laboral cujo reconhecimento requer.
O reclamado contestou os pedidos, asseverando que o autor não prestoulhe serviços como empregado, mas sim como membro da família. Sustenta a inexistência de vínculo de emprego.
Pois bem, analisando todos os elementos de provas constantes dos autos entendo que a razão está com o reclamado. De fato, de acordo com as provas produzidas, o autor foi abandonado pelo pai, que é filho do “de cujus”, juntamente com a mãe e irmãos; o “de cujus” assumiu a criação dos netos e o sustento dos mesmos e também da nora; o reclamante cresceu na propriedade, Fazenda Onça, onde inclusive seguiu residindo após contrair matrimônio; era tratado como membro da família e não como empregado, uma vez que gozava privilégios que certamente não eram dispensados aos trabalhadores da propriedade; fazia uso pessoal dos veículos do avô; recebeu do avô, em doação, animais que criava e com os quais auferia lucros e não tinha despesas; além de tais rendimentos, o reclamante também recebia dinheiro do avô; o reclamante passou a trabalhar na propriedade porque era adulto e o avô entendeu que devia assumir responsabilidades; que o reclamante tinha liberdade para não trabalhar quando quisesse, porque ali era neto do proprietário e não empregado da fazenda.
Depreende-se de tais provas que a condição do reclamante, na propriedade rural onde residia e nas demais que pertenciam a seu avô, nas quais prestou serviços como qualquer adulto que tenha responsabilidade, era de membro da família e não de empregado. Beneficiou-se inclusive das benfeitorias que ajudou a realizar na propriedade, já que foi contemplado, após a morte do avô, com parte da fazenda Onça, onde morava e trabalhava, além de parte de imóveis rurais localizados no estado de Goiás, além de outros bens.
Ainda que não se confunda a relação familiar com a empregatícia, podendo existir relação de emprego entre familiares, já que para tanto não há vedação legal em nosso ordenamento jurídico, é certo que para tal configuração é imprescindível a presença dos requisitos que permitem o estabelecimento de tal relação.
Conforme artigo 3º da CLT, para reconhecimento do vínculo de emprego devem estar presentes os requisitos da pessoalidade, onerosidade, subordinação jurídica e continuidade.
Se o autor tinha autonomia para não trabalhar quando fosse seu desejo, não é possível identificar a pessoalidade e continuidade. A propósito deste último elemento, consta do depoimento da testemunha do reclamado que o autor, em certa época, quando o “de cujus” ainda era vivo, arrendou terras em outra localidade para onde seguiu com o propósito de administrá-las. Logo, não tinha o compromisso de permanecer na propriedade do avô, tampouco necessitava da autorização do mesmo para dar início a nova empreitada profissional.
Era mantido com dinheiro provindo dos negócios realizados com o gado doado pelo avô e pelo numerário que lhe era pelo mesmo entregue, o que não caracteriza a onerosidade na verdadeira acepção do termo, isto é, de que compreende contraprestação contratada pelo serviço prestado ao tomador.
Por fim, não havia subordinação jurídica, que consiste na direção pessoal das atividades do trabalhador, pois o reclamante gozava privilégios não estendidos aos demais trabalhadores. Podia ausentar-se do serviço, fazer usar pessoal dos veículos do avô e era tratado como neto, o que permite concluir que tinha autonomia para conduzir o seu cotidiano.
No caso dos autos, a despeito de todas evidências que permitem reconhecer que entre o reclamante e seu avô havia afeto, cuidado, zelo e respeito, o autor, não satisfeito com a herança que o alcançou, busca reconhecimento de uma inexistente relação de emprego, permitindo com isso ao Juízo concluir que pretende muito mais que uma herança, busca obter um “plus” financeiro movido pela ânsia do dinheiro pelo dinheiro, que à perfeição se enquadra na máxima do enriquecimento sem causa.
Ser acolhido em momento de completo abandono, criado sob a proteção de ente querido (como aliás se referiu o autor a f. 3) e viver com conforto e liberdade seria suficiente para gerar no autor o sentimento de gratidão. Não bastasse, foi ainda agraciado com patrimônio que certamente não amealharia ao longo da vida, pois não há notícia de que tenha habilidades profissionais para prover, sem tais meios, a subsistência própria e da família. Aliás, consta das provas que não teria tido êxito em empreitada pessoal de arrendamento de terras.
Além de não demonstrar a relação de emprego pretendida, na presente ação o autor revela sua ingratidão, submetendo a avó, presente à audiência como representante do espólio, ao constrangimento de ver exposto a todos os olhos a atitude repreensível, para falar o menos, de seu neto.
Não vejo como pode ser pleiteado reconhecimento de vínculo, e não vejo como poderia ser reconhecida esta relação.
Por fim, a anotação constante na CTPS do autor não milita como prova em seu favor, já que pelo princípio da primazia da realidade dos fatos sobre a forma o Juízo possui elementos fortes de convicção quanto à inexistência do vínculo perseguido.
Ficam rejeitados, por conseguinte, os pedido de reconhecimento de vínculo de emprego e pagamento de títulos contratuais e rescisórios.
Assistência judiciária gratuita
O reclamante não se encontra assistido por sindicato de sua categoria.
Indefiro, portanto, os benefícios da assistência judiciária gratuita. Porém, defiro os benefícios menos amplos da Justiça Gratuita, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT.
Honorários advocatícios
Nesta Justiça Especializada, a condenação em honorários advocatícios apenas se justifica se presentes os requisitos da Lei no. 5584/70 e Súmulas 219 e 329 do C. TST. Ausentes tais requisitos, indevida a verba honorária.
Litigância de má-fé
Não verifico nos autos a prática de atos enquadráveis nas hipóteses do artigo 17 do CPC, motivo porque reputo inaplicáveis as penalidades previstas no artigo 18, do mesmo diploma legal.
III – DISPOSITIVO
Isto posto, resolve a VARA DO TRABALHO DE BARRETOS julgar IMPROCEDENTE a presente reclamação trabalhista, para absolver o reclamado, ESPÓLIO DE J.G.S. (representado pela inventariante A.C.S.), dos pedidos formulados pelo reclamante C.P.S.J..
Custas pelo reclamante, calculadas sobre o valor atribuído ao feito de R$ 420.000,00, no importe de R$ 8.400,00, com isenção.
Destaco às partes que a oposição de embargos declaratórios infundados ou manifestamente protelatórios ensejará aplicação das penalidades cabíveis (artigos 18 e 538 do CPC) e que por força do disposto no artigo 35 do CPC, os valores a elas referentes deverão ser recolhidos na hipótese de interposição de recurso ordinário.
Intimem-se. Nada mais.
CONCEIÇÃO APARECIDA ROCHA DE PETRIBU FARIA
Juíza do Trabalho
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