Migalhas Quentes

Recomendação do CNJ trata da eliminação de processos

CNJ recomenda a preservação de "uma amostra estatística representativa do universo dos documentos".

12/9/2011

Em sua coluna reproduzida n'O Globo e na Folha de S.Paulo de ontem, 11, o jornalista Elio Gaspari faz uma análise de recente recomendação do ministro Cezar Peluso sobre a eliminação de processos pelos tribunais.

O documento recomenda a preservação de "uma amostra estatística representativa do universo dos documentos e processos administrativos e dos autos judiciais findos destinados à eliminação."

Trocando em migalhas, destruição. Para o jornalista, seria um novo apagão da memória do Judiciário.

"Reapareceu o apagão que há anos ameaça a memória do Judiciário. Do ponto de vista de quem quer se livrar de um papelório que pode chegar a 20 milhões de processos, esses documentos não têm valor. Juntam bichos, mofo e perigo de fogo. Para os historiadores, ali está a história do andar de baixo e, em muitos casos, só ali."

Leia abaixo a íntegra da recomendação do CNJ e a coluna do jornalista Elio Gaspari.

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RECOMENDAÇÃO Nº 37, DE 15 DE AGOSTO DE 2011 

Recomenda aos Tribunais a observância das normas de funcionamento do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname e de seus instrumentos.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal dispõe no art. 216, § 2º, caber à administração pública a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem;

CONSIDERANDO que a Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, estabelece a política nacional de arquivos públicos e privados, determina ser dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos como instrumento de apoio à administração, à cultura e ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação;

CONSIDERANDO que a mencionada Lei nº 8.159, no seu art. 20, define a competência e o dever inerente dos órgãos do Poder Judiciário Federal de proceder à gestão de documentos produzidos em razão do exercício das suas funções, tramitados em juízo e oriundos de cartórios e secretarias, bem como de preservar os documentos e facultar o acesso aos documentos àqueles sob a sua guarda;

CONSIDERANDO que a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, no seu art. 62, tipifica a destruição de arquivos como crime contra o patrimônio cultural;

CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, sobre a geração, a tramitação, o acesso e a guarda de processos judiciais e documentos em meio eletrônico;

CONSIDERANDO a necessidade de assegurar a autenticidade, a integridade, a segurança, a preservação e o acesso de longo prazo dos documentos e processos em face das ameaças de degradação física e de rápida obsolescência tecnológica de hardware, software e formatos;

CONSIDERANDO a necessidade de fomentar as atividades de preservação, pesquisa e divulgação da história do Poder Judiciário, bem como das informações de caráter histórico contidas nos acervos judiciais;

RESOLVE

I) Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário, descritos no art. 92, II a VIII da Constituição Federal, a observância das normas de funcionamento do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) e de seus instrumentos.

II) A Gestão Documental no Poder Judiciário é o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento de documentos institucionais produzidos e recebidos pelas instituições do Judiciário no exercício das suas atividades, independentemente do suporte em que a informação encontra-se registrada.

III) Recomenda-se para a Gestão Documental no Poder Judiciário:

a) a manutenção dos documentos em ambiente físico ou eletrônico seguro e a implementação de estratégias de preservação desses documentos desde sua produção e pelo tempo de guarda que houver sido definido;

b) a classificação, a avaliação e a descrição documental, mediante a utilização de normas, planos de classificação e tabelas de temporalidade documental padronizadas, visando preservar as informações indispensáveis à administração das instituições, à memória nacional e à garantia dos direitos individuais;

c) a padronização das espécies, tipos, classes, assuntos e registros de movimentação de documentos e processos;

d) a adoção de critérios de transferência e de recolhimento dos documentos e processos das unidades administrativas e judiciais para a unidade de gestão documental;

e) a orientação de magistrados e de servidores das instituições do Judiciário sobre os fundamentos e instrumentos do Proname;

f) a adoção do Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão de Processos e Documentos (MoReq-Jus);

g) a constituição de unidades de gestão documental e de comissões permanentes de avaliação documental (CPADs) nas instituições do Poder Judiciário.

IV) São instrumentos do Proname:

a) os sistemas informatizados de gestão de documentos e processos administrativos e judiciais, bem como os métodos desses sistemas, essenciais à identificação do documento institucional de modo inequívoco em sua relação com os outros documentos;

b) o Plano de Classificação (Tabelas Processuais Unificadas) e a Tabela de Temporalidade dos Processos Judiciais do Poder Judiciário;

c) o Plano de Classificação e a Tabela de Temporalidade dos Documentos da Administração do Poder Judiciário;

d) a Lista de Verificação para Baixa Definitiva de Autos;

e) a Lista de Verificação para Eliminação de Autos Findos;

f) o Fluxograma de Avaliação, Seleção e Destinação de Autos Findos;

g) o Plano para Amostra Estatística Representativa; e

h) o Manual de Gestão Documental do Poder Judiciário;

V) Os instrumentos do Proname encontram-se disponíveis no portal do Conselho Nacional de Justiça e serão atualizados e alterados, sempre que necessário.

VI) O Plano de Classificação (Tabelas Processuais Unificadas) e a Tabela de Temporalidade dos Processos Judiciais do Poder Judiciário estarão registrados no Sistema Gestor de Tabelas Processuais do Poder Judiciário, sob a responsabilidade do Comitê do Proname.

VII) O Comitê do Proname, coordenado pelo Secretário Geral do CNJ ou por juiz por ele designado, com o apoio do Departamento de Pesquisas Judiciárias, é integrado por representantes de todos os segmentos do Poder Judiciário, nos termos da Portaria no 616, de 10 de setembro de 2009, do CNJ, e tem como atribuições:

a) elaborar, atualizar e publicar no portal do CNJ os instrumentos de gestão documental;

b) encaminhar proposições complementares ao programa e à presente Recomendação para apreciação do CNJ;

c) acompanhar a aplicação da presente Recomendação e sugerir medidas que entender necessárias ao CNJ.

VIII) Poderão ser instituídas Comissões Permanentes de Avaliação Documental nos Tribunais e nas suas unidades subordinadas, com a responsabilidade de:

a) orientar e realizar o processo de análise e avaliação da documentação produzida e acumulada no seu âmbito de atuação;

b) identificar, definir e zelar pela aplicação dos critérios de valor secundário (histórico, probatório, informativo, etc.) dos documentos e processos;

c) analisar e aprovar os editais de eliminação de documentos e processos da instituição.

d) Recomenda-se que as Comissões Permanentes sejam compostas, no mínimo, pelos seguintes técnicos:

d.1) servidor responsável pela unidade de gestão documental;

d.2) bacharel em Arquivologia;

d.3) bacharel em História;

d.4) bacharel em Direito.

e) A critério das Comissões, poderão ser convidados a integrá-las servidores das unidades organizacionais, referidas nos documentos a serem avaliados, bem como profissionais ligados ao campo de conhecimento de que trata o acervo objeto da avaliação, podendo ser substituídos após a conclusão dos trabalhos relativos às respectivas unidades ou áreas de conhecimento.

f) Poderão ser indicados magistrados para atuarem junto às Comissões Permanentes de Avaliação Documental.

IX) Os documentos do Poder Judiciário são classificados como correntes, intermediários ou permanentes:

a) correntes: aqueles que estiverem em tramitação ou que, mesmo sem movimentação, constituírem objeto de consultas frequentes;

b) intermediários: aqueles que, por conservarem ainda algum interesse jurisdicional ou administrativo, mesmo não sendo de uso corrente pelas áreas emitentes, estiverem aguardando eliminação ou recolhimento para guarda permanente;

c) permanentes: aqueles de valor histórico, probatório e informativo, que devam ser definitivamente preservados no suporte em que foram criados.

X) Os documentos e processos de guarda permanente constituem o fundo arquivístico das instituições do Poder Judiciário e:

a) devem ser disponibilizados para consulta sem, contudo, colocar em risco a sua adequada preservação;

b) não poderão ser eliminados, mesmo que digitalizados.

XI) Os processos com trânsito em julgado e documentos em arquivo intermediário que não sejam de valor permanente não precisarão ser digitalizados para a eliminação.

XII) Os autos físicos que forem digitalizados para a tramitação eletrônica não poderão ser objeto de arquivamento definitivo até o trânsito em julgado.

XIII) É facultada aos magistrados a apresentação à Comissão Permanente de Avaliação Documental da sua instituição de proposta fundamentada de guarda definitiva de processo em que atuem.

XIV) Os Processos com decisões transitadas em julgado serão definitivamente arquivados quando não necessitarem de diligência do juízo processante, da secretaria da unidade judiciária respectiva e de terceiros designados para atuar na lide ou eventualmente alcançados pelo julgado, conforme a Lista de Verificação para Baixa Definitiva de Autos.

XV) A eliminação dos processos com decisões transitadas em julgado deverá ser precedida do registro de dados e das informações processuais no sistema processual e do atendimento às exigências da Lista de Verificação para Eliminação de Autos Findos, de forma que, a qualquer tempo, seja possível a expedição de certidões sobre o processo.

XVI) A temporalidade mínima e a destinação dos processos judiciais com trânsito em julgado serão registradas no sistema gestor de tabelas processuais unificadas do CNJ.

a) Os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça, o Conselho da Justiça Federal e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho poderão estabelecer prazos de guarda dos documentos e processos superiores à temporalidade registrada no Sistema Gestor de Tabelas Processuais do CNJ, de forma a adequá-los às peculiaridades locais e regionais.

b) Vencido o prazo de guarda, a destinação de cada documento ou processo poderá ser alterada pela comissão de avaliação documental da instituição, com base em fatos supervenientes que possam ter ocorrido em relação a ele.

XVII) A eliminação dos autos de ações judiciais transitadas em julgado, processos e documentos administrativos definitivamente arquivados nas instituições do Poder Judiciário será precedida de publicação de extrato do edital de eliminação em diário oficial do órgão e o inteiro teor na sua página na internet.

a) Deverá ser consignado um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação do edital para o atendimento a possíveis solicitações de documentos ou processos pelas suas partes.

b) Os recursos que formarem autos, os embargos à execução e outros processos que não existem de forma autônoma deverão ser remetidos para a instituição de origem ou nela mantidos para eliminação concomitante com o processo principal.

c) Os agravos poderão ser eliminados independente do processo principal, imediatamente após o traslado das peças originais não existentes no processo principal.

d) As ações rescisórias terão a mesma destinação final atribuída ao feito que lhe deu origem, cuja destinação ficará suspensa até a baixa da ação rescisória.

XVIII) Serão de guarda permanente o inteiro teor de sentenças, decisões terminativas, acórdãos e decisões recursais monocráticas; armazenados em base de dados, em livro eletrônico ou impresso ou retirados dos autos que serão eliminados.

XIX) Serão de guarda permanente os processos em que suscitados Incidente de Uniformização de Jurisprudência e Arguições de Inconstitucionalidade, bem como os que constituírem precedentes de Súmulas, Recurso Repetitivo e Repercussão Geral.

a) Os processos nas condições do caput serão objeto de anotação na Tabela de Temporalidade quando constituírem classes ou assuntos próprios. Em caso contrário, deverão ser objeto de indicação pelos órgãos julgadores às instâncias de origem para fim de anotação nos sistemas processuais.

XX) Será preservada uma amostra estatística representativa do universo dos documentos e processos administrativos e dos autos judiciais findos destinados à eliminação.

XXI) A eliminação de documentos institucionais realizar-se-á mediante critérios de responsabilidade social e de preservação ambiental, por meio da reciclagem do material descartado, ficando autorizada sua destinação a programas de natureza social.

XXII) Os tribunais que já possuam instrumentos de gestão documental aprovados, não precisarão realizar nova avaliação e destinação dos documentos já avaliados.

XXIII) Encaminhe-se cópia desta Recomendação a todos os Tribunais.

Ministro Cezar Peluso

Presidente

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Folha de S.Paulo - 11 de setembro de 2011

ELIO GASPARI

Peluso recomendou o apagão da memória

O presidente do STF ainda pode colocar a questão dos documentos do Judiciário num novo patamar

O presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, baixou uma recomendação (nº 37) orientando os tribunais do país para preservar seus documentos. Tem 1.800 palavras e quem a lê sente-se no paraíso. Menciona o "Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário" e cria mecanismos para a digitalização de processos.

Tudo muito bonito até que se chega ao item 20 da recomendação:

"Será preservada uma amostra estatística representativa do universo dos documentos e processos administrativos e dos autos judiciais findos destinados à eliminação."

Numa palavra: destruição.

Reapareceu o apagão que há anos ameaça a memória do Judiciário. Do ponto de vista de quem quer se livrar de um papelório que pode chegar a 20 milhões de processos, esses documentos não têm valor. Juntam bichos, mofo e perigo de fogo. Para os historiadores, ali está a história do andar de baixo e, em muitos casos, só ali.

Pela recomendação de Peluso, serão destruídos processos encerrados há cinco ou dez anos. Só excepcionalmente, em casos que envolvem patrimônios, podem durar até cem anos. Deles, sobreviverá apenas uma "amostra estatística".

Esse critério já queimou milhões de processos, entre eles o que tratou da indenização de um jovem metalúrgico que, em 1959, deixou o dedo mínimo da mão esquerda debaixo de uma prensa. Que valor teria o caso banal de um pernambucano miserável? Era o processo do dedo de Lula.

Pode-se sustentar que não compete ao Judiciário gastar dinheiro preservando processos velhos. Também é o caso de se conjurar projetos megalomaníacos de digitalização. Daí a destruir os papéis vai uma distância enorme. No Paraná, a Justiça do Trabalho publicou um edital abrindo o caminho para para o descarte de cerca de 62 mil processos trabalhistas. Felizmente, a Unoeste de Marechal Cândido Rondon pediu a guarda do arquivo, e o caso poderá ser resolvido de forma exemplar.

O doutor Peluso sabe quão prósperos são os grandes escritórios de advocacia. O Rio Grande do Sul preserva 14 milhões de processos da sua Justiça, e isso custa à Viúva algo como R$ 4,2 milhões por ano (incluindo aluguel, água, luz e telefone). Instituições oficiais de financiamento, ou programas do BNDES e da Petrobras, associados a algumas bancas de advogados, poderiam desatar esse nó em outros Estados.

Se a destruição for evitada e os arquivos forem salvos, algum dia uma grande cidade poderá montar um projeto semelhante ao dos papéis da corte criminal de Londres. No "Old Bailey" digitalizaram 197 mil julgamentos preservados, com 240 mil manuscritos onde estão 3,35 milhões de nomes da ralé que passou pela Justiça entre 1674 e 1913. Essa papelada ensina que, em 1889, um sujeito era acusado de ganhar 20 libras para enviar uma jovem a um bordel brasileiro. Graças à preservação de um censo dos hóspedes da prisão de Holloway, sabe-se que, em 1881, lá esteve Edward Glassborow, tataravô de Kate Midletton, duquesa de Cambridge.

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