Danos morais
TJ/RJ condena padaria a pagar indenização por produzir fumaça tóxica
Em ação, a moradora reclamou da fumaça expelida pelas chaminés do estabelecimento. Segundo ela, as chaminés foram instaladas para utilização de fornos a lenha, mas a madeira utilizada para alimentar os fornos era inapropriada e estes produziam fumaça tóxica e fuligem de cor preta, atingindo seu imóvel, o que lhe causou problemas de saúde, como crise alérgica e problemas respiratórios, obrigando-a a utilizar constantemente máscara protetora.
A desembargadora Renata Machado Cotta, citou que "a quantidade incômoda de fumaça expelida pelas chaminés da empresa-ré atingiu o imóvel da autora, obrigando-a a ter contato com o referido produto, o que sobremaneira configura ato ilícito, por afetar a sua segurança, sossego e saúde".
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Processo : 0002441-12.2006.8.19.0204
Confira abaixo a íntegra da decisão.
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Desembargadora Renata Cotta
Decisão Monocrática na Apelação n.º 0002441-12.2006.8.19.0001
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3ª CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº 0002441-12.2006.8.19.0204
APELANTE: PADARIA E CONFEITARIA RAINHA DO QUAFÁ LTDA.
APELADA: D. F. L. E S.
RELATORA: DESEMBARGADORA RENATA MACHADO COTTAAPELAÇÃO. DIREITO DE VIZINHANÇA. FUMAÇA EXCESSIVA EXPELIDA POR PADARIA. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR REPARATÓRIO MANTIDO. O dano moral, à luz da Constituição atual, nada mais é do que a violação do direito à dignidade. O direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade, bem como qualquer outro direito da personalidade, estão englobados no direito à dignidade da pessoa humana, princípio consagrado pela nossa Carta Magna. O dano moral configura-se in re ipsa, derivando, inexoravelmente, do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provado este fato, ipso facto, está demonstrado o dano moral, numa típica presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Na hipótese dos autos, é razoável e justo supor que a quantidade de fumaça expelida pelo forno da empresa apelante tenha causado sentimentos de surpresa, perplexidade e angústia. A incerteza que pairava sobre os reais riscos à saúde certamente inclui-se no terreno dos danos morais.
O laudo elaborado pelo perito de engenharia atestou que a fumaça que saía das chaminés da empresa ré chegava até a casa da autora. Não obstante ter sido certificado que a atividade era exercida dentro das normas ambientais, não se pode olvidar que tal certificação ocorreu após a desativação do forno à lenha, sendo certo que o réu não impugnou especificadamente a alegação da autora de que a madeira utilizada no forno era inapropriada. As fotos acostadas aos autos dão conta da quantidade incômoda de fumaça expelida pelas chaminés da empresa-ré, sendo incontroverso que a emissão da fumaça atingiu o imóvel da autora, obrigando-a a ter contato com o referido produto, o que sobremaneira configura ato ilícito, por afetar a sua segurança, sossego e saúde.
Trata-se de aplicação das normas do direito de vizinhança, mostrando-se evidente que, na hipótese dos autos, a emissão de alta quantidade de fumaça, que chegava ao imóvel da autora, ultrapassa o limite do tolerável, tanto assim que a própria ré admitiu a desativação do fogão.
Vale ressaltar, por oportuno, que a fumaça expelida pela apelante não incomodou somente a autora, mas diversos vizinhos, conforme se infere do abaixo-assinado acostado. Quantum reparatório que não merece reparos, tendo sido fixado em obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Quantificação que considera a gravidade da lesão, sendo o valor compatível com a expressão axiológica do interesse jurídico violado, na perspectiva de restaurar o interesse violado, obedecidas a razoabilidade, proporcionalidade, equidade e justiça, atendendo as funções punitiva, pedagógica e compensatória. Recurso a que se nega seguimento.
D E C I S Ã O
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r.sentença de fls.413/415, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado, para condenar o réu ao pagamento do valor de R$8.000,00 (oito mil reais), a título de danos morais, corrigido monetariamente a partir da sentença e com juros de mora, a partir da citação.
Apelação da parte ré sustentando que a prova colacionada atestou que o forno utilizado em suas atividades estava de acordo com as normas ambientais, não havendo nexo causal entre os supostos danos sofridos e a conduta do apelante. Alega, ainda, que não restou comprovado que os problemas de saúde da apelada tivessem alguma relação com o forno instalado e que o simples fato de a fumaça chegar até a residência da apelada por ação do vento não é suficiente a ensejar a caracterização dos danos morais.
Alternativamente, requer a redução do quantum reparatório fixado, em obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (fls.419/429).
Contrarrazões prestigiando o julgado (fls. 434/438).
Relatados. Decido.
A apelação é tempestiva e estão satisfeitos os demais requisitos de admissibilidade.
A questão cinge-se a verificar a ocorrência de danos morais, em razão da fumaça expelida por forno à lenha, de propriedade da apelante, o qual era utilizado na sua atividade comercial.
O dano moral, à luz da Constituição atual, nada mais é do que a violação do direito à dignidade. O direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade, bem como qualquer outro direito da personalidade, estão englobados no direito à dignidade da pessoa humana, princípio consagrado pela nossa Carta Magna.
Os danos morais são lesões sofridas pela pessoa, atingindo não o seu patrimônio, mas os aspectos íntimos de sua personalidade.
O dano moral configura-se in re ipsa, derivando, inexoravelmente, do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provado este fato, ipso facto, está demonstrado o dano moral, numa típica presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.
Sobre o dano moral, leciona SÍLVIO DE SALVO VENOSA 1:
“(...) a indenização pelo dano exclusivamente moral não possui o acanhado aspecto de reparar unicamente o pretium doloris, mas busca restaurar a dignidade do ofendido. Por isso não há que se dizer que a indenização por dano moral é um preço que se paga pela dor sofrida. É claro que é isso e muito mais. Indeniza-se pela dor da morte de alguém querido, mas indeniza-se também quando a dignidade do ser humano é aviltada com incômodos anormais na vida em sociedade. (...)
A ilicitude não reside apenas na violação de uma norma ou do ordenamento em geral, mas principalmente na ofensa ao direito de outrem, em desacordo com a regra geral pela qual ninguém deve prejudicar o próximo (neminem laedere).”Com efeito, há componentes de natureza axiológica, se atentarmos para o fato de que o ato de reparar ou refazer o patrimônio do ofendido não representa apenas um dever funcional da responsabilidade civil, especialmente no plano das indenizações situadas na esfera dos danos não patrimoniais. Nesta seara, o que se repara é a dignidade da pessoa ofendida, assumindo a indenização uma importante função em defesa de novos valores.
Na hipótese dos autos, é razoável e justo supor que a quantidade de fumaça expelida pelo forno da apelante tenha causado sentimentos de surpresa, perplexidade e angústia.
A incerteza que pairava sobre os reais riscos à saúde certamente inclui-se no terreno dos danos morais.
É bem verdade que, o laudo pericial médico foi inconclusivo quanto ao nexo de causalidade entre as doenças da autora e a conduta da ré em utilizar forno que expelia grande quantidade de fumaça.
Por outro lado, o laudo elaborado pelo perito de engenharia atestou que a fumaça que saía das chaminés da empresa ré chegava até a casa da autora.
Não obstante ter sido certificado que a atividade era exercida dentro das normas ambientais, não se pode olvidar que tal certificação ocorreu após a desativação do forno à lenha, sendo certo que o réu não impugnou especificadamente a alegação da autora de que a madeira utilizada no forno era inapropriada.
As fotos acostadas às fls.16/20 dão conta da quantidade incômoda de fumaça expelida pelas chaminés da empresa-ré, sendo incontroverso que a emissão da fumaça atingiu o imóvel da autora, obrigando-a a ter contato com o referido produto, o que sobremaneira configura ato ilícito, por afetar a sua segurança, sossego e saúde.
Nesse sentido, dispõe o art.1277, do CC, in verbis:
“Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”
Trata-se de aplicação das normas do direito de vizinhança.
Sobre o tema, a idéia do legislador, amparado na doutrina de SAN TIAGO DANTAS, é a da aplicação do princípio da coexistência dos direitos, cotejando o cerceamento dos direitos do proprietário e os incômodos que a falta desse cerceamento causa ao vizinho. Afere-se a normalidade do uso e a tolerabilidade do incômodo, para verificar qual dos direitos deve prevalecer.
Não se tutela, portanto, a excessiva sensibilidade de um vizinho, nem se levam em conta suas circunstâncias pessoais, mas sim as da média dos moradores da vizinhança.
Na hipótese dos autos, é evidente que a emissão de alta quantidade de fumaça, que chegava ao imóvel da autora, ultrapassa o limite do tolerável, tanto assim que a própria ré admitiu a desativação do forno, o que foi realizado antes mesmo da perícia de engenharia.
Os direitos de vizinhança impõem verdadeiros limites ao direito de propriedade, de modo a impedir que o comportamento egoístico de quem, com sua atividade comercial, pretende compelir os vizinhos a suportar os efeitos da poluição, em detrimento de qualquer critério de razoabilidade e respeito mútuo.
À colação:
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. Ação proposta por vizinha em razão de danos causados a muro de seu prédio por força de aterro. Pedido de condenação de o réu o remover e indenizar dano moral com o pagamento de quantia correspondente a dez salários mínimos. Sentença que, reconhecendo a ilicitude do aterro, mas como nele já há acessão industrial, se abstém de emitir decreto de remoção, ao tempo em que condena a ré a indenizar dano moral com o pagamento de R$ 4.450,00 (correspondente, em sua data, a 11,2 salários mínimos), bem assim a proceder à limpeza e impermeabilização da obra. Apelo da ré.
1. Proceder a aterro em desrespeito ao direito de vizinhança e de modo a causar dano não só estético, mas nas condições de uso de imóvel vizinho, do ponto de vista de sua salubridade, configura dano moral.
2. Os pedidos são interpretados restritivamente (CPC, art. 293), sendo ultra petita a sentença que provê mais do que é pedido, o que na espécie se verifica quando condena o réu a pagar indenização por valor superior a 10 salários mínimos e a realizar obras de limpeza e impermeabilização do muro; tais excessos devem ser excluídos.
3. Sucumbência recíproca em iguais proporções impõe compensação dos ônus sucumbenciais com a mesma proporcionalidade, sendo desinfluente se um dos litigantes é beneficiário de gratuidade de justiça.
4. Juros moratórios de indenização de dano em caso de responsabilidade extracontratual contam-se da data do prejuízo, seja patrimonial, seja extrapatrimonial.5. Apelo ao qual se dá parcial provimento; sentença a cujo dispositivo se imprimem pequenos reparos” (0009128-71.2007.8.19.0203 - APELACAO DES. FERNANDO FOCH LEMOS - Julgamento: 27/04/2011 – TERCEIRA CAMARA CIVEL).“EMENTADIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DEMOLITÓRIA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA E INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS. VIZINHO QUE CONSTROI MURO VEDANDO POR COMPLETO A ENTRADA DE LUMINOSIDADE E VENTILAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, DETERMINANDO QUE O RÉU ADEQUE O MURO CONSTRUÍDO AO DISPOSTO NO PARÁGRAFO SEGUNDO DO ART.1031 DO NCC, REALIZANDO ABERTURAS. RECURSO DO AUTOR, PLEITEANDO A REFORMA DA D. SENTENÇA, PARA QUE SEJA DEMOLIDO POR COMPLETO O MURO, BEM COMO SER INDENIZADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE SE REFORMA. AUTOR QUE POSSUI TRÊS BASCULANTES VOLTADOS PARA O IMÓVEL DO RÉU, OS QUAIS FORAM CONSTRUÍDOS A MAIS DE CINQUENTA ANOS COM O CONSENTIMENTO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. RÉU QUE ADQUIRE IMÓVEL SABEDOR DA EXISTÊNCIA DOS MESMOS. SERVIDÃO. OBRA SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO MUNICIPAL. DIREITO DE PROPRIEDADE E DE CONSTRUIR QUE DEVE SER EXAMINADO DE ACORDO COM A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, INC.XXIII DO ART.5º DA CRFB. PRAZO DECADENCIAL. RÉU QUE NÃO TEM MAIS O DIREITO DE EXIGIR O DESFAZIMENTO, ANTE O DECURSO DO TEMPO, ART.1302 DO NCC. MURO QUE NÃO ATENDE OS DIREITOS DO VIZINHO E NEM OS REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS, ART.1299 DO NCC. MURO QUE DEVE SER INTEGRALMENTE DEMOLIDO EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 100,00. OCORRÊNCIA DE DANO MORAL, CUJO DANO DEVE SER REPARADO PELA QUANTIA DE R$ 3.000,00. DESPESA PROCESSUAL E ÔNUS SUCUMBENCIAL QUE DEVEM SER ARCADOS PELO RÉU. PRECEDENTES DESTE TJRJ. TENDO A D. PROCURADORIA DE JUSTIÇA OPINADO EM IGUAL SENTIDO. RECURSO PROVIDO, COM PEQUENO REPARO DE OFÍCIO” (0007334-96.2004.8.19.0210 (2006.001.60376) – APELACAO DES. RONALDO ROCHA PASSOS - Julgamento: 10/06/2008 - TERCEIRA CAMARA CIVEL).
Quanto ao fato de a autora ter uma chaminé sobre a cozinha do seu imóvel, certo é que tal fato não afasta o dever reparatório, pois não se pode comparar uma chaminé, que fica acima de um fogão industrial e que é utilizado na atividade de um restaurante, com um fogão à lenha utilizado por uma padaria, cuja madeira usada era inapropriada.
Ademais, é evidente que a fumaça expelida pela apelante não incomodou somente a autora, mas diversos vizinhos, conforme se infere do abaixo-assinado de fls.21/26, sendo certo que se o réu incomoda-se com a fumaça expelida pela chaminé da autora deverá, em ação própria, requerer a sua inutilização.
Por fim, necessária a análise do quantum reparatório.
No que tange ao dano moral, deve ser este fixado de acordo com o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, sob pena de se tornar injusto e insuportável para o causador do dano.
Para o Eminente Des. Sérgio Cavalieri Filho, in “Programa de Responsabilidade Civil”, 5ª edição, Ed. Malheiros, depois de afirmar que o juiz deve ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro, devendo a indenização ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais, concluiu dizendo que:
“... não há valores fixos, nem tabelas preestabelecidas, para o arbitramento do dano moral. Essa tarefa cabe ao juiz no exame de cada caso concreto, atentando para os princípios aqui enunciados e, principalmente, para o seu bom senso prático e a justa medida das causas.”
Temos, desta forma, que inexistindo padrões pré-fixados para a quantificação do dano moral, ao julgador caberá a difícil tarefa de valorar cada caso concreto, atentando para o princípio da razoabilidade, para o seu bom senso e para a justa medida das coisas.
Para fixação do dano moral, deve-se obedecer ao critério da razoabilidade, objetivando o atendimento da sua dúplice função — compensatória dos sofrimentos infligidos à vítima e inibitória da contumácia do agressor — sem descambar para o enriquecimento sem causa da vítima.
Deve-se considerar, portanto, para fins de fixação do dano moral, a intensidade da lesão, as condições socioeconômicas do ofendido e de quem deve suportar o pagamento dessa verba compensatória. É de ser considerado que a imposição dessa verba tem como fundamentos o princípio da mitigação da dor e do sentido didático da condenação, mostrando-se razoável, portanto, o valor arbitrado na sentença ora guerreada.
Sendo assim, fiel ao princípio da razoabilidade, foi o dano moral fixado em R$8.000,00 (oito mil reais), sendo este o patamar adequado, considerando a grave afronta à dignidade humana.
POR TAIS FUNDAMENTOS, nego seguimento ao recurso, na forma do art. 557, caput, do CPC, mantendo a sentença recorrida.
Rio de Janeiro, 18 de julho de 2011.
DESEMBARGADORA RENATA MACHADO COTTA
RELATORA
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