Reprodução de obras musicais
TJ/DF isenta organizadores de exposição agropecuária de pagar direitos autorais ao ECAD
A ação de cobrança foi ajuizada pelo ECAD em 2006. Segundo alegou, a ACP realizou diversos shows na XIII Exposição Agropecuária sem pagar os direitos autorais pela execução das músicas, em afronta à lei 9.610/98 (clique aqui). Informou que o regulamento de arrecadação do órgão autoriza a cobrança de direitos autorais à taxa de 10% sobre a receita bruta auferida com a venda de ingressos. Ante a falta de autorização para executar as obras, requereu a condenação da ACP ao pagamento de R$ 108.300, mais multa de R$ 10.830.
Na 1ª instância, a juíza da 3ª vara Cível de Brasília/DF considerou procedentes as cobranças e condenou a ACP a pagar a quantia de R$ 119.130 corrigidos monetariamente a partir do inadimplemento e com juros de mora de 1% a contar da citação.
Inconformada, a ré apelou da decisão alegando que o critério utilizado pelo ECAD é totalmente desarrazoado e subjetivo, sem qualquer base técnica. Sustentou que são inconsistentes e absolutamente imprestáveis os Termos de Verificação de Utilização de Obras Musicais, Roteiro Musical e Relatório de Visita, através do qual se estima o publico dos shows e se busca a tarifação, pois não são passíveis de contestação.
Ao analisar o recurso, os desembargadores concordaram com os argumentos da ACP. Segundo eles, os critérios utilizados pelo ECAD, seja o de percentual sobre o faturamento bruto das empresas, seja o de parâmetro físico (que leva em conta a área sonorizada), não possuem respaldo jurídico, já que foram fixados unilateralmente pelo apelante. Além de não serem precisos nem objetivos. Para o colegiado, a atividade exercida pelo ECAD é monopolista e adota forma arbitrária de fixação de preços e arrecadação.
"Na maioria dos casos de ações de cobrança ajuizadas pelo ECAD, o conjunto probatório carreado aos autos limita-se a "autos de infração" e a "termos de verificação", documentos que, via de regra, não contém sequer a assinatura do representante legal da empresa infratora, nem de testemunhas. Tratando-se de entidade privada, é inadmissível aceitar tais documentos como absolutamente válidos ou portadores de legitimidade, já que seus agentes fiscalizadores não gozam de fé pública. Desse modo, os documentos do ECAD são particulares, devendo obedecer à regra do art. 368 do CPC, que incumbe o ônus da prova ao declarante", afirmaram.
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Processo : 20060111032323 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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Órgão 5ª Turma Cível
Processo N. Apelação Cível 20060111032323APC
Apelante(s) ACP ASSOCIAÇÃO DOS CRIADORES DO PLANALTO
Apelado(s) ECAD ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
Relator Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA
Revisor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ
Acórdão Nº 515.358
EMENTA
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ECAD. NULIDADE. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. MÉRITO. DIREITOS AUTORAIS DECORRENTES DE REPRODUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS EM EXPOSIÇÃO AGROPECUÁRIA. CONTRIBUIÇÃO CALCULADA COM BASE NA ESTIMATIVA DAS PESSOAS PRESENTES NOS ESPETÁCULOS. AVALIAÇÃO PURAMENTE SUBJETIVA. CRITÉRIO UNILATERAL E DESARRAZOADO.
01. Inocorre cerceamento de defesa quando o magistrado dispensou a produção de outras provas motivadamente, por entender desnecessária a dilação probatória, por estar o feito suficientemente instruído para o deslinde do litígio.
02. Conquanto ECAD seja a instituição privada competente para arrecadar e distribuir os direitos autorais relativos à execução pública de músicas, não lhe é dado o direito de cobrar do responsável pelo evento musical valores sem qualquer parâmetro objetivo ou com base em estimativa unilateral de receita bruta obtida com a realização do espetáculo.
03. “Sendo o ECAD uma instituição privada, seus fiscais não gozam de fé pública ou poder de polícia, não se podendo impor presunção de veracidade aos atos por eles lavrados e elaborados unilateralmente, cujo conteúdo não foi corroborado pela assinatura do responsável pelo evento ou por testemunhas que comprovem a reprodução de obras musicais desautorizadas” (TJMG, APC n. 1.0000.00.315907-6/000, Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Célio César Paduani, julgado em 14/04/2003, DJ em 22/08/2003).
04. Rejeitada a preliminar. Apelo provido. Unânime.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ROMEU GONZAGA NEIVA - Relator, LECIR MANOEL DA LUZ - Revisor, JESUÍNO RISSATO - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador JOÃO EGMONT, em proferir a seguinte decisão: CONHECER. REJEITAR PRELIMINAR. DAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 5 de maio de 2011
Certificado nº: 57 EA D2 10 00 05 00 00 10 23
Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA
Relator
RELATÓRIO
Adoto, em parte, o relatório da r. sentença, que a seguir transcrevo:
“ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ajuizou ação de cobrança contra Associação de Criadores do Planalto alegando que a ré realizou diversos shows na XIII Exposição Agropecuária Cidade de Brasília sem, contudo, pagar os direitos autorais pela execução das músicas em afronta à Lei 9.610/98. Afirma que nos termos do regulamento de arrecadação do Ecad, os valores devidos a título de direitos autorais são calculados à taxa de 10% sobre a receita bruta auferida com a venda de ingressos.
Ante a ausência de autorização para executar as obras, requer que a ré seja condenada a efetuar o pagamento de R$ 108.300,00 pela utilização pública e indevida de obra artística alheia, mais multa de R$ 10.830,00.
Devidamente citada a ré apresentou contestação (fls. 65), requerendo a inclusão no pólo passivo das duplas Bruno & Marrone e Edson e Hudson, pois que são co-produtores dos shows realizados. Fez impugnação aos documentos acostados pelo autor, afirmando que foram produzidos unilateralmente. Alega que a exposição tem outros objetivos além da execução de músicas e que nem todos os freqüentadores do evento têm o intuito de assistir aos shows. Afirma que pagou diretamente o cachê dos artistas remunerando os criadores da obra, sendo que a execução da obra musical por seus criadores isenta da cobrança de direitos autorais. Afirmou que o critério utilizado é arbitrário. Requereu a improcedência dos pedidos.
Réplica às fls. 134.
É o relatório do necessário”
O MM. Juiz julgou procedente os pedidos, condenado a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Inconformado, apela o réu, alegando, em preliminar, cerceamento de defesa, uma vez que, embora tenha requerido a produção de prova pericial e testemunhal, não houve a apreciação dos pedidos, passando a sentenciante ao julgamento antecipado da lide. Aduz que pretendia provar com a perícia e o depoimento que o critério utilizado para o cálculo do valor a ser recolhido, efetuado por funcionário da ré, é totalmente desarrazoado e subjetivo, sem qualquer base técnica ou passível de aferição.
No mérito, sustenta que são inconsistentes e absolutamente imprestáveis os Termos de Verificação de Utilização de Obras Musicais, Roteiro Musical e Relatório de Visita, através do qual se estima o publico dos Shows e se busca a tarifação, pois não permite ao apelante contestar os critérios de avaliação e os valores.
Colaciona sentença proferida em outra ação, em que foi analisado caso semelhante, bem como o acórdão que se seguiu, nos quais a pretensão condenatória foi rechaçada.
Pleiteia, assim, o conhecimento de provimento do apelo, para acolhida a preliminar, cassar a r. sentença, ou, alternativamente, seja reformada, para julgar improcedente a pretensão do autor.
Contra-razões do apelado, pugnando pela rejeição da preliminar e no mérito seja desprovido o recurso apresentado.
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.
Trata-se de apelação interposta pelo réu, contra a r. sentença, que julgou procedente o pedido do autor, condenando-o nos termos da inicial.
Aventa a preliminar de cerceamento de defesa, alegando que o julgamento antecipado da lide tolheu o direito à produção de prova pericial e testemunhal, necessárias para averiguar a higidez dos documentos apresentados pela autora e os valores cobrados.
No mérito, sustenta que são inconsistentes e absolutamente imprestáveis os Termos de Verificação de Utilização de Obras Musicais, Roteiro Musical e Relatório de Visita, através do qual se estima o publico dos Shows e se busca a tarifação, pois não permite ao apelante contestar os critérios de avaliação e os valores.
Trazem jurisprudência que entende ser aplicável ao caso em estuto.
Prefacialmente, a preliminar suscitada não merece prosperar.
Com efeito, cediço que, sendo o juiz o destinatária das provas, a ele cabe aquilatar a necessidade da produção das provas requeridas, a fim de formar o seu convencimento, podendo, assim, descartar aquelas que entender desnecessárias ou impertinentes, desde que o faça motivadamente.
Sob esse prisma, verifico que não houve nulidade na negativa de produção da prova pericial e testemunhal, uma vez que consideradas como suficientes, para o deslinde da questão, os documentos apresentados. Ademais, é de todo impertinente o exame grafotécnico para averiguar a lisura das declarações feitas por funcionário do ECAD ou mesmo contrafação, quando é possível o uso de outros meios para tanto, como o incidente de falsidade documental, o que, contudo, não foi feito.
Assim, rejeito a preliminar e avanço no exame do mérito.
Neste aspecto, após detida análise da matéria, entendo que razão assiste ao apelante.
Inicialmente, peço vênia ao e. Desembargador Waldir Leôncio, para transcrever excerto de seu voto, proferido no julgamento da APC nº 2007.01.1026148-4 questão análoga a esta foi examinada e que, pela clareza dos fundamentos, passam a integrar o presente, in verbis:
“A controvérsia cinge-se à discussão acerca da licitude da cobrança de taxa pelo ECAD e do critério utilizado para mensurar o público no evento.
Em grau recursal, a insurgência reside na validade do modus operandi para aferição do valor devido, além do requerimento de consideração de nova estimativa, em face das alegações da ré acerca da distribuição de credenciais no evento.
Objetiva o ECAD o recebimento da importância de R$ 45.870,00 (quarenta e cinco mil, oitocentos e setenta reais), relativa ao débito de diretos autorais que seriam devidos no evento "XXIV Exposição Agropecuária de Brasília”, ocorrido no período de 31/08/2006 a 10/09/2006.
Ab initio, cumpre ressaltar que o direito autoral é matéria de direito privado. Nem a Constituição Federal de 1988 nem a legislação infraconstitucional, é verdade, autorizam particulares ou entes públicos a utilizarem-se gratuitamente da obra de terceiros.
Os direitos autorais foram inicialmente protegidos por dispositivos do Código Civil e da legislação esparsa. Em 1973, a Lei n. 5.988 veio consolidá-los, sistematizá-los e discipliná-los, consagrando-os ao lado dos direitos patrimoniais.
Garantiu-se ao autor, assim, a exclusividade quanto à utilização de sua obra, o direito de ter seu nome ou equivalente indicado como autor, o de inédito, de integridade, de modificação e de retirada. Garantiu-lhe o direito de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, bem como autorizar sua utilização por terceiros, no todo ou em parte. Reuniu, pois, em um único diploma legal, disposições anteriormente difusas, dando ênfase aos direitos conexos.
Fora isso, a referida lei imprimiu visão global às sanções decorrentes da violação de direitos, distribuindo-as nas searas administrativa e civil, e prevendo, ainda, as penais, inseridas no Código Penal e nas leis específicas.
Nesse contexto, foi criado o Conselho Nacional de Direito Autoral – CNDA, organizado pelo Decreto n. 76.275, de 15 de setembro de 1975. Cabia-lhe normatizar o setor e decidir questões administrativas, fiscalizar as associações de titulares dos direitos autorais, estabelecendo regras de cobrança e exercendo funções arbitrais, principalmente na música e no teatro.
A Lei n. 5.988/73 criou, ainda, um mecanismo centralizado para arrecadação e distribuição dos direitos autorais, determinando que as associações formadas por titulares de direitos autorais se organizassem, dentro do prazo, e de acordo com as normas estabelecidas pelo CNDA, uma central de arrecadação e de distribuição de direitos de execução pública de músicas – o ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – e associações de titulares, com o objetivo de defender os interesses de seus associados nas várias categorias de direitos.
Desse modo, o ECAD ficou legitimado a arrecadar e distribuir direitos relativos à execução pública de composições musicais ou literomusicais e de fonogramas, garantindo ao criador de obra intelectual musical, o direito receber proventos econômicos decorrentes de sua execução pública, por meio de vozes, instrumento ou aparelhos eletrônicos.
Para fins de melhor elucidação da forma de atuação do ECAD, necessário se faz mostrar quais os parâmetros que se utiliza para basear sua arrecadação atinente aos direitos autorais de sua alçada.
O ECAD subdivide seus usuários em duas categorias: a) usuários permanentes; b) usuários eventuais. Na primeira categoria, encontram-se aqueles que se utilizam, regularmente, de músicas em suas atividades, tais como, as emissoras de radiodifusão, hotéis, motéis, bares, lanchonetes, discotecas, clubes sociais, lojas comerciais, dentre outras, cujas retribuições autorais são, geralmente, mensais. Já na categoria de usuários eventuais, situam-se aqueles que se utilizam, eventualmente, da música, pagando a retribuição autoral em cada evento – caso dos espetáculos musicais.
Para estabelecer o quantum devido, o ECAD utiliza o critério da aplicação de percentual incidente sobre a receita, nos casos dos usuários cuja música seja indispensável ao exercício de suas atividades (usuários permanentes). Quanto aos usuários de música por meio de sonorização ambiental, aplica-se parâmetro físico, isto é, o critério que leva em consideração a área sonorizada.”
Acontece que ambos os critérios utilizados, seja o de percentual sobre o faturamento bruto das empresas, seja o parâmetro físico, não possuem respaldo jurídico, já que foram fixados unilateralmente pelo apelante. Não há precisão nem objetividade quanto a esses parâmetros de cobrança.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e da Lei n. 9.610/98, não mais se justifica a atividade monopolista do ECAD, que se arvora no direito de arrecadar e distribuir, com exclusividade, em todo o território nacional, a receita auferida a título de direitos autorais, em razão da utilização pública, por parte dos usuários das obras musicais, literomusicais e de fonogramas de todos os titulares, brasileiros e estrangeiros, filiados às associações que o integram.
Em face desse quadro, pode-se concluir que, relativamente à fixação de preços e à arrecadação de direitos autorais, a forma adotada pelo Brasil é arbitrária e monopolista.
Necessário salientar, ainda, que, na maioria dos casos de ações de cobrança ajuizadas pelo ECAD, o conjunto probatório carreado aos autos limita-se a “autos de infração” e a “termos de verificação”, documentos que, via de regra, não contêm sequer a assinatura do representante legal da empresa infratora, nem de testemunhas.
Tratando-se de entidade privada, é inadmissível aceitar tais documentos como absolutamente válidos ou portadores de legitimidade (características próprias do Poder Público), já que seus agentes fiscalizadores não gozam de fé pública.
Desse modo, os documentos do ECAD são particulares, devendo obedecer, portanto, à regra inserida no art. 368 do Código de Processo Civil, que dispõe, in verbis:
Art. 368 - As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.
Parágrafo único - Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.
A propósito, nossos tribunais têm tomado decisões no sentido de que os citados documentos devem vir aos autos assinados por duas testemunhas, para viabilizar a cobrança como a que ora se requer, entendendo alguns magistrados que deve haver, inclusive, assinatura do representante do estabelecimento autuado. Entendem que tais exigências não caracterizam excesso de formalismo, já que os funcionários do ECAD não possuem fé pública.
Apenas a título ilustrativo, neste mesmo sentido são as jurisprudências de vários tribunais, conforme podemos ver no resultado do julgamento da Apelação Cível n. 1.0000.00.315907-6/000, em data de 22/08/2003, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tendo como Relator o insigne Desembargador CÉLIO CÉZAR PADUANI. Diz o ilustre magistrado, verbis:
AÇÃO DE COBRANÇA - DIREITOS AUTORAIS DECORRENTES DE REPRODUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS - ECAD ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO. - Sendo o ECAD uma instituição privada, seus fiscais não gozam de fé pública ou poder de polícia, não se podendo impor presunção de veracidade aos atos por eles lavrados e elaborados unilateralmente, cujo conteúdo não foi corroborado pela assinatura do responsável pelo evento ou por testemunhas que comprovem a reprodução de obras musicais desautorizadas. Recurso Improvido.
No presente caso, a situação não é diferente. O apelante apresentou-se em Juízo munido somente de “termos de verificação” e de notificações enviados à apelada, mas todos de forma unilateral, ou seja, sem qualquer comprovação de que seu responsável os tenha recebido ou até mesmo tenha tomado ciência de suas existências.
Na realidade, vê-se que o documento usado pelo ECAD para justificar a cobrança de direitos autorais – o chamado “termo de verificação” – não demonstra a utilização de parâmetros claros e objetivos, de modo a não permitir que sequer possa ser contestado o que ali está escrito. Tampouco são suficientes para comprovar ser o montante neles inseridos o exato quantum devido a título de direitos autorais.
Sem trazer o auto de infração com os requisitos de validade, sem comprovar e individualizar as obras musicais que teriam sido irregularmente reproduzidas, não merece proceder o pedido de cobrança, pois não se desincumbiu de provar a contento o fato constitutivo do seu direito, trazendo provas capazes de convalidar os documentos unilateralmente produzidos.
Esclareça-se, por oportuno, que o fato de o funcionário do apelante fazer constar nos referidos termos que o responsável pela empresa recusou-se a assiná-los, de forma alguma supre a ausência de assinatura, uma vez que, como bem frisado alhures, não goza de fé pública.
Assim, à luz do disposto no art. 368 do CPC, os “termos de verificação de utilização de obras musicais” juntados pelo apelante realmente não têm o condão de comprovar o fato constitutivo do direito por ele alegado, pelo que não se desincumbiu do ônus probatório previsto no inciso I do art. 333 do CPC.
Com efeito, a teor do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, incumbe à parte autora demonstrar o fato constitutivo do seu direito.
No Processo Civil, no qual quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova. Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.
Há, em boa verdade, um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isso porque, segundo a máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.
Neste sentido bem nos esclarece o doutrinador VICENTE GRECO FILHO:
(...) de nada adianta o direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstrar que se encontra numa situação que permita a incidência da norma. Aliás, no plano prático do processo é mais importante para as partes à demonstração dos fatos do que a interpretação do direito, porque esta ao juiz compete, ao passo que os fatos a ele devem ser trazidos. (in Direito processual civil brasileiro, Volume II. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 185).
Não bastasse, é sabido que o Juiz é livre para apreciar a prova, desde que o faça motivadamente. O Magistrado é o destinatário final da prova produzida no processo. Assim, as provas são dirigidas à sua convicção, e somente a ele cabe, para o seu decisum, avaliar se existem, nos autos, elementos suficientes para a formação de sua plena convicção, bem assim valorar cada uma das provas.
E foi isso o que foi feito na r. sentença vergastada. Nela constam todas as razões pelas quais o d. Magistrado a quo entendeu pela improcedência do pedido, não havendo que se falar, portanto, em error in judicando, como sustenta o apelante.”
Pois bem, com base nessas premissas, pode-se afirmar que, no caso, os documentos que embasaram a cobrança, constantes das fls. 17/44, foram produzidos unilateralmente, porque neles não consta a assinatura do responsável pelo evento, nem a assinatura de duas testemunhas, que tornassem os “Termos de Verificação de Utilização de Obras Musicais, Lítero-Musicais e Fonogramas” lídimos.
Além disso, não se utilizou na confecção desses documentos de padrões claros e objetivos para se chegar a estimativa do público presente, como era de se esperar, em se tratando de empreendimento de grande vulto. Nessa ordem de idéias, poderia muito bem ter se valido de dados mais fidedignos, como o ISS arrecadado ou a colheita de dados referentes aos ingressos vendidos na bilheteria.
Necessário dizer que tais documentos não gozam de fé pública, porque produzidos por preposto de entidade privada, devendo, assim, se submeter às disposições do art. 368 do CPC.
No caso, os termos de verificação suso mencionados não foram assinados pelo preposto ou representante da Associação dos Criadores do Planalto e, ainda que assim o fosse, não provam o fato declarado, isto é, não provam que efetivamente estavam presentes o número de pessoas descrito neles. Diante de tão impreciso critério utilizado pelo funcionário do autor, que se valeu de estimativa subjetiva, sem se sequer se referir à área utilizada ou ocupada pelos presentes.
Ainda que assim fosse, verifica-se que a atividade desenvolvida pela ECAD é desarrazoada e monopolista, não se coadunando com a ordem jurídica atual, inaugurada pela Constituição Federal de 1988 que, entre outros princípios, erigiu o devido processo legal, como norteador da atuação dos envolvidos nas relações administrativas, de que resultem sanções, de que são corolários o contraditório e a ampla defesa, mesmo em se tratando das travadas na esfera privada. No caso vertente, verifica-se que o apelado limitou-se a notificar o apelante da cobrança, sem que tivesse lhe oportunizado o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Assim, como bem observado pelo i. Relator no voto acima citado, os documentos produzidos, não tem o condão de provar os fatos alegados, nos termos do art. 333, inc. I do Código de Ritos, pelo que deve a sua pretensão ser julgada improcedente.
Forte nestas considerações, DOU PROVIMENTO ao apelo, para reformar a r. sentença a quo e julgar improcedente o pedido vertido na inicial.
Inverto os ônus da sucumbência e condeno o autor a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), levando em consideração a importância da causa, o trabalho desenvolvido pelo causídico do apelante, sempre com petições claras e objetivas e o tempo decorrido para a solução da lide, nos termos do art. 20, §4º do CPC.
É como voto.
O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ - Revisor
Cabível e tempestivo, conheço do recurso.
Da revisão que procedi nos autos, verifico que o em. Relator dirimiu a controvérsia com acerto, motivo pelo qual o acompanho in totum.
Frente às razões supra, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença a fim de julgar improcedente o pedido, condenando o réu no pagamento de custas e honorários advocatícios que fixo em R$2.000,00.
É como voto.
O Senhor Desembargador JESUÍNO RISSATO - Vogal
Com o Relator.
DECISÃO
CONHECER. REJEITAR PRELIMINAR. DAR PROVIMENTO. UNÂNIME.
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