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SDH divulga sentença da OEA sobre casos de desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia

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15/6/2011


Ditadura militar

SDH divulga sentença da OEA sobre casos de desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia

A SDH - Secretaria de Direitos Humanos publicou no DOU de hoje, 15, a portaria 1.265/11, que traz a íntegra da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil, de 24/11/10.

Veja abaixo a sentença publicada.

 

 

 

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SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS

PORTARIA Nº 1.265, DE 14 DE JUNHO DE 2011

A MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista a decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil, em 24 de novembro de 2010, que determinou no parágrafo 273 a publicação da sentença no Diário Oficial da União, resolve:

Art. 1º Publicar a sentença, anexa, com o nome dos capítulos e subtítulos, sem as notas de rodapé, bem como sua parte resolutiva atendendo a disposição expressa no item XI reparações, alínea "c" constante no parágrafo 273 da sentença.

Art. 2º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.

MARIA DO ROSÁRIO NUNES

ANEXO

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO GOMES LUND E OUTROS ("GUERRILHA DO ARAGUAIA") VS. BRASIL SENTENÇA DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010

(Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas)

No caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia ), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "Corte Interamericana", "Corte" ou "Tribunal"), integrada pelos seguintes juízes:

Diego García-Sayán, Presidente;

Leonardo A. Franco, Vice-Presidente;

Manuel E. Ventura Robles, Juiz;

Margarette May Macaulay, Juíza;

Rhadys Abreu Blondet, Juíza;

Alberto Pérez Pérez, Juiz;

Eduardo Vio Grossi, Juiz, e

Roberto de Figueiredo Caldas, Juiz ad hoc;

presentes, ademais,

Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e

Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta,

de acordo com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "a Convenção Americana" ou "a Convenção") e com os artigos 30, 38.6, 59 e 61 do Regulamento da Corte (doravante denominado "o Regulamento"), profere a seguinte Sentença.

I - INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA

1. Em 26 de março de 2009, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante "Comissão Interamericana" ou "Comissão") submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante "o Estado", "Brasil" ou "a União"), que se originou na petição apresentada, em 7 de agosto de 1995, pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia (doravante também denominada "Guerrilha") e seus familiares . Em 6 de março de 2001, a Comissão expediu o Relatório de Admissibilidade No. 33/01 e, em 31 de outubro de 2008, aprovou o Relatório de Mérito No. 91/08, nos termos do artigo 50 da Convenção, o qual continha determinadas recomendações ao Estado . Esse relatório foi notificado ao Brasil em 21 de novembro de 2008, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para que informasse sobre as ações executadas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão. A despeito de duas prorrogações concedidas ao Estado, os prazos para que apresentasse informações sobre o cumprimento das recomendações transcorreram sem que a elas fosse dada uma "implementação satisfatória".

Diante disso, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte, considerando que representava "uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar, processar e punir graves violações de direitos humanos". A Comissão também enfatizou o valor histórico do caso e a possibilidade de o Tribunal afirmar a incompatibilidade da Lei de Anistia e das leis sobre sigilo de documentos com a Convenção Americana. A Comissão designou como delegados os senhores Felipe González, Comissário, e Santiago A. Canton, Secretário Executivo; como assessores jurídicos, a senhora Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta, e os advogados Lilly Ching Soto e Mario López Garelli, especialistas da Secretaria Executiva.

2. Conforme salientou a Comissão, a demanda se refere à alegada "responsabilidade [do Estado] pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil [...] e camponeses da região, [...] resultado de operações do Exército brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil (1964-1985)". A Comissão também submeteu o caso à Corte porque, "em virtude da Lei No. 6.683/79 [...], o

Estado não realizou uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva [...]; porque os recursos judiciais de natureza civil, com vistas a obter informações sobre os fatos, não foram efetivos para assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada o acesso a informação sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada". A Comissão solicitou ao Tribunal que declare que o Estado é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação.

3. Em 18 de julho de 2009, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (doravante denominados "representantes") apresentaram seu escrito de solicitações, argumentos e provas (doravante denominado "escrito de solicitações e argumentos"), nos termos do artigo 24 do Regulamento. Nesse escrito, solicitaram ao Tribunal que declare, "[e]m relação ao desaparecimento forçado das [supostas] vítimas [...] e à total impunidade referente aos fatos", a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação dos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção, todos em conexão com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, bem como dos artigos 1, 2, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (doravante denominada "Convenção Interamericana contra a Tortura"); dos artigos 8 e 25, em conexão com os artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana; dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana contra a Tortura pela falta de investigação e da devida diligência nos procedimentos de âmbito interno; dos artigos 1.1, 2, 13, 8 e 25 da Convenção pelas restrições indevidas ao direito de acesso à informação; dos artigos 1.1, 8, 13 e 25 da Convenção pela violação do direito à verdade; e do artigo 5 da Convenção pela violação da integridade pessoal dos familiares das supostas vítimas desaparecidas. Solicitaram, por conseguinte, à Corte que ordene diversas medidas de reparação. Os familiares de 48 supostas vítimas, mediante poderes de representação outorgados em diversas datas, designaram como seus representantes legais as organizações já mencionadas, as quais são representadas, por sua vez, pelas senhoras Cecília Maria Bouças Coimbra, Elizabeth Silveira e Silva e Victoria Lavínia Grabois Olímpio (Grupo Tortura Nunca Mais); Criméia Alice Schmidt de Almeida (Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado); Viviana Krsticevic, Beatriz Affonso, Helena Rocha e pelo senhor Michael Camilleri (CEJIL).

4. Em 31 de outubro de 2009, o Estado apresentou um escrito no qual interpôs três exceções preliminares, contestou a demanda e formulou observações sobre o escrito de solicitações e argumentos (doravante denominado "contestação da demanda"). O Estado solicitou ao Tribunal que considere fundamentadas as exceções preliminares e, por conseguinte: a) reconheça a incompetência ratione temporis para examinar as supostas violações ocorridas antes do reconhecimento da jurisdição contenciosa da Corte pelo Brasil; b) declare- se incompetente, em virtude da falta de esgotamento dos recursos internos; e c) arquive de imediato o presente caso, ante a manifesta falta de interesse processual dos representantes. Subsidiariamente, quanto ao mérito, o Brasil solicitou ao Tribunal que reconheça "todas as ações empreendidas no âmbito interno" e "julgue improcedentes os pedidos [da Comissão e dos representantes], uma vez que está sendo construída no país uma solução, compatível com suas particularidades, para a consolidação definitiva da reconciliação nacional". O Estado designou o senhor Hildebrando Tadeu Nascimento Valadares como agente e as senhoras Márcia Maria Adorno Cavalcanti Ramos, Camila Serrano Giunchetti, Cristina Timponi Cambiaghi e Bartira Meira Ramos Nagado, bem como os senhores Sérgio Ramos de Matos Brito e Bruno Correia Cardoso, como agentes assistentes.

5. Em conformidade com o artigo 38.4 do Regulamento, em 11 e 15 de janeiro de 2010, a Comissão e os representantes apresentaram, respectivamente, suas alegações às exceções preliminares opostas pelo Estado.

II - PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE

6. A demanda da Comissão foi notificada ao Estado e aos representantes em 18 de maio de 2009 . Durante o processo perante este Tribunal, além da apresentação dos escritos principais (supra pars. 1 a 5), entre outros remetidos pelas partes, mediante resolução de 30 de março de 2010, o Presidente da Corte (doravante denominado "o Presidente") ordenou o recebimento, por meio de declarações rendidas perante um agente dotado de fé pública (doravante denominadas "affidávits"), dos depoimentos e pareceres de: a) 26 supostas vítimas, uma delas oferecida pela Comissão, outra proposta conjuntamente pela Comissão e pelos representantes e as demais oferecidas unicamente pelos representantes; b) quatro testemunhas, duas propostas pelos representantes e duas pelo Estado, e c) cinco peritos, um proposto pela Comissão, dois pelos representantes e dois pelo Estado , a respeito dos quais as partes tiveram a oportunidade de apresentar observações. O Presidente também convocou a Comissão, os representantes e o Estado para uma audiência pública para ouvir os depoimentos de: a) três supostas vítimas, uma oferecida pela Comissão e pelos representantes e duas propostas pelos representantes; b) quatro testemunhas, uma oferecida conjuntamente pela Comissão e pelos representantes, uma oferecida pelos representantes e outras duas pelo Estado; c) os pareceres de dois peritos, um proposto pela Comissão e outro pelo Estado, bem como: d) as alegações finais orais das partes sobre as exceções preliminares e os eventuais mérito, reparações e custas.

7. A audiência pública foi realizada em 20 e 21 de maio de 2010, durante o LXXXVII Período Ordinário de Sessões da Corte, realizado na sede do Tribunal.

8. Por outro lado, o Tribunal recebeu oito escritos, na qualidade de amicus curiae, das seguintes pessoas e instituições : a) Open Society Justice Initiative, Commonwealth Human Rights Initiative, Open Democracy Advice Centre e South African History Initiative, com relação ao direito à verdade e ao acesso à informação ; b) Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos na Amazônia, relacionado com a Lei de Anistia ; c) Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio de Janeiro, sobre, inter alia, os efeitos de uma eventual sentença da Corte Interamericana e a decisão emitida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 153 (doravante também denominada "Arguição de Descumprimento") ; d) Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão "Democracia e Justiça de Transição" da Universidade Federal de Uberlândia sobre, inter alia, a extensão da Lei de Anistia e a importância do presente caso para a garantia do direito à memória e à verdade ; e) José Carlos Moreira da Silva Filho, Rodrigo Lentz, Gabriela Mezzanotti, Fernanda Frizzo Bragato, Jânia Maria Lopes Saldanha, Luciana Araújo de Paula, Gustavo Oliveira Vieira, Ana Carolina Seffrin, Leonardo Subtil, Castor Bartolomé Ruiz, André Luiz Olivier da Silva, Sheila Stolz da Silveira, Cecília Pires, Sólon Eduardo Annes Viola, o Grupo de Pesquisa "Direito à Memória e à Verdade e Justiça de Transição" (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), o Núcleo de Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Rio Grande, o Movimento Nacional de Educação em Direitos Humanos e Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, o Grupo de Pesquisa "Delmas-Marty: Internacionalização do

Direito e Emergência de um Direito Mundial", o Grupo de Pesquisa "Fundamentação Ética dos Direitos Humanos", a Cátedra UNESCO/ UNISINOS "Direitos Humanos e Violência, Governo e Governança", o Curso de Graduação em Direito e o Núcleo de Direitos Humanos, todos vinculados à Universidade do Vale do Rio dos Sinos, sobre, inter alia, as eventuais consequências desse processo na justiça de transição no Brasil; f) Justiça Global, com respeito à incompatibilidade da Lei de Anistia brasileira com a Convenção Americana ; g) Equipe do Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sobre o direito de acesso à informação em poder do Estado, e h) Associação Juízes para a Democracia, sobre o direito à memória e à verdade, com relação à Lei de Anistia.

9. Em 21 de junho de 2010, a Comissão e o Estado enviaram suas alegações finais escritas, ao passo que os representantes o fizeram horas depois de vencido o prazo, sem receber objeções, sendo, portanto, admitidas pelo Tribunal. Esses escritos foram transmitidos às partes para que realizassem as observações que julgassem pertinentes sobre determinados documentos a eles anexados. As partes se manifestaram sobre esses documentos e os representantes, além disso, remeteram documentos adicionais.

III - EXCEÇÕES PRELIMINARES

10. Em sua contestação à demanda, o Estado interpôs três exceções preliminares: a) incompetência do Tribunal em virtude do tempo para examinar determinados fatos; b) a falta de esgotamento dos recursos internos, e c) a falta de interesse processual da Comissão e dos representantes. Posteriormente, durante a audiência pública, o Estado acrescentou como exceção preliminar a "regra da quarta instância" com relação a um fato que qualificou como superveniente (infra pars. 44 e 47).

11. Embora a Convenção Americana e o Regulamento não desenvolvam o conceito de "exceção preliminar", a Corte afirmou reiteradamente, em sua jurisprudência, que por esse meio se questiona a admissibilidade de uma demanda ou a competência do Tribunal para conhecer de determinado caso ou de algum de seus aspectos, em razão da pessoa, da matéria, do tempo ou do lugar . A Corte salientou que uma exceção preliminar tem por finalidade obter uma decisão que previna ou impeça a análise do mérito do aspecto questionado ou do caso em seu conjunto. Por esse motivo, o questionamento deve atender às características jurídicas essenciais, em conteúdo e finalidade, que lhe confiram o caráter de "exceção preliminar". Os questionamentos que não se revistam dessa natureza, como, por exemplo, os que se referem ao mérito de um caso, podem ser formulados mediante outros atos processuais admitidos na Convenção Americana ou no Regulamento, mas não sob a figura de uma exceção preliminar.

A. Incompetência temporal do Tribunal

1. Alegações das partes

12. O Estado alegou a incompetência da Corte Interamericana para examinar supostas violações que teriam ocorrido antes do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal. Esse reconhecimento foi realizado "sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998". Não obstante, o Brasil reconheceu a jurisprudência da Corte, no sentido de que pode conhecer das violações continuadas ou permanentes, mesmo quando iniciem antes do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal, desde que se estendam além desse reconhecimento, mas enfatizou que é inequívoca a falta de competência da Corte para conhecer das detenções arbitrárias, atos de tortura e execuções extrajudiciais ocorridas antes de 10 de dezembro de 1998.

13. A Comissão afirmou que, em virtude das datas de ratificação

da Convenção Americana e do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal por parte do Estado, a demanda se refere unicamente às violações dos direitos previstos na Convenção Americana que persistem depois desse reconhecimento de competência, em razão da natureza continuada do desaparecimento forçado ou que são posteriores a esse reconhecimento. Desse modo, afirmou que a Corte tem competência para conhecer das violações apresentadas na demanda.

14. Os representantes alegaram que as violações denunciadas no presente caso se referem aos desaparecimentos forçados das supostas vítimas; à impunidade que decorre da falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por esses atos; bem como à ineficácia das medidas adotadas para respeitar, proteger e garantir o direito à verdade e à informação. Destacaram que a possível data do início dos desaparecimentos não restringe nem limita a competência ratione temporis do Tribunal, uma vez que se trata de uma violação de caráter permanente e continuado. Além disso, as alegadas violações relacionadas com os direitos à informação, à verdade e à justiça persistem posteriormente à ratificação da Convenção Americana

e ao reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado. Por esse motivo, os representantes solicitaram ao Tribunal que indefira essa exceção preliminar. Salientaram, no entanto, que uma das pessoas desaparecidas foi identificada em 1996 e que, por conseguinte, a Corte carece de competência para pronunciar-se a respeito de seu desaparecimento forçado.

2. Considerações da Corte

15. A fim de determinar se tem ou não competência para conhecer de um caso ou de um de seus aspectos, de acordo com o artigo 62.1 da Convenção Americana , a Corte deve levar em consideração a data de reconhecimento da competência por parte do Estado, os termos em que se deu esse reconhecimento e o princípio de irretroatividade, disposto no artigo 28 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

16. O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998 e, em sua declaração, indicou que o Tribunal teria competência para os "fatos posteriores" a esse reconhecimento. Com base no anteriormente exposto e no princípio de irretroatividade, a Corte não pode exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção e declarar uma violação de suas normas quando os fatos alegados ou a conduta do Estado, que pudesse implicar sua responsabilidade internacional, sejam anteriores a esse reconhecimento da competência. Por esse motivo, fica excluída da competência do Tribunal a alegada execução extrajudicial da senhora Maria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram identificados em 1996, ou seja, dois anos antes de o Brasil reconhecer a competência contenciosa da Corte, bem como qualquer outro fato anterior a esse reconhecimento.

17. Ao contrário, em sua jurisprudência constante, este Tribunal estabeleceu que os atos de caráter contínuo ou permanente perduram durante todo o tempo em que o fato continua, mantendo-se sua falta de conformidade com a obrigação internacional . Em concordância com o exposto, a Corte recorda que o caráter contínuo ou permanente do desaparecimento forçado de pessoas foi reconhecido de maneira reiterada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, no qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanecem até quando não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos.

A Corte, portanto, é competente para analisar os alegados desaparecimentos forçados das supostas vítimas a partir do reconhecimento de sua competência contenciosa efetuado pelo Brasil.

18. Além disso, o Tribunal pode examinar e se pronunciar sobre as demais violações alegadas, que se fundamentam em fatos que ocorreram ou persistiram a partir de 10 de dezembro de 1998.

Ante o exposto, a Corte tem competência para analisar os supostos fatos e omissões do Estado, ocorridos depois da referida data, relacionados com a falta de investigação, julgamento e sanção das pessoas responsáveis, inter alia, pelos alegados desaparecimentos forçados e execução extrajudicial; a alegada falta de efetividade dos recursos judiciais de caráter civil a fim de obter informação sobre os fatos; as supostas restrições ao direito de acesso à informação, e o alegado sofrimento dos familiares.

19. Com base nas considerações precedentes, o Tribunal considera parcialmente fundada a exceção preliminar.

B. Falta de interesse processual

1. Alegações das partes

20. O Brasil alegou que a Comissão reconheceu e valorizou as medidas de reparação adotadas pelo Estado com relação ao presente caso, mas que esse órgão afirmou, de modo genérico, que outras medidas deviam ser implementadas. A critério do Estado, em virtude do "exíguo lapso de tempo transcorrido entre a apresentação do Relatório Parcial de Cumprimento de Recomendações [com respeito ao Relatório de Mérito No. 91/08] e o envio do caso à Corte (três dias), a avaliação pela [Comissão] do cumprimento das medidas de reparação e de não repetição por ela recomendadas [...] restou prejudicada".

Por outro lado, dada a informação contida no referido relatório estatal, o Brasil considerou que o envio do caso à Corte foi inoportuno e "ressalt[ou] a ausência de interesse processual a ensejar o exame de mérito do [presente] caso".

21. Em particular, o Estado destacou as medidas de reparação que adotou no presente caso, manifestando, inter alia, que: a) promulgou a Lei No. 9.140/95, mediante a qual "promoveu o reconhecimento oficial de sua responsabilidade pelas mortes e pelos desaparecimentos ocorridos durante o período do regime militar" e pagou indenizações aos familiares de 59 supostas vítimas; b) publicou, em agosto de 2007, o livro "Direito à Memória e à Verdade - Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos", no qual estabeleceu a versão oficial sobre as violações de direitos humanos cometidas por agentes estatais, "reforçando o reconhecimento público da responsabilidade do Estado"; c) realizou "diversos atos de natureza simbólica e educativa, que promoveram o resgate da memória e da verdade dos fatos ocorridos durante o [...] regime militar"; d) enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei No. 5.228/09 sobre o acesso à informação pública; e) impulsionou o projeto "Memórias Reveladas", relacionado com diversas iniciativas sobre o arquivamento e a divulgação de documentos relativos ao regime militar, e f) promoveu uma campanha para a entrega de documentos que possam ajudar na localização dos desaparecidos. Adicionalmente, foram realizadas diversas iniciativas sobre a busca dos restos mortais e identificação dos desaparecidos da Guerrilha, entre outras, expedições à região do Araguaia. Com base no anteriormente exposto, o Estado concluiu que a falta de interesse processual "dos peticionários" é consequência do fato de que "as medidas já adotadas [pelo Estado], somadas às que estão em implementação, atend[em] a integralidade de [seus] pedidos".

22. A Comissão salientou que a alegação do Estado não tem a natureza de uma exceção preliminar e solicitou à Corte que a recusasse. O Brasil dispôs inicialmente de um prazo de dois meses para apresentar relatório sobre o cumprimento das recomendações do Relatório de Mérito No. 91/08. Esse prazo foi prorrogado em duas ocasiões e, finalmente, esgotou-se em 22 de março de 2009. No entanto, em 24 de março de 2009, o Estado apresentou um relatório parcial e solicitou uma nova prorrogação de seis meses para apresentar informação adicional. Ao analisar as informações apresentadas pelo Brasil, a Comissão concluiu que não refletiam "a adoção de medidas concretas e suficientes, nem de um compromisso expresso em relação ao cumprimento das recomendações". Por conseguinte, "considerou esgotado o procedimento previsto nos artigos 48 a 50 da Convenção e decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte". Por outro lado, expressou que não há disposição que regulamente o exame das respostas estatais às recomendações formuladas no Relatório de Mérito e que tampouco há previsão de um prazo mínimo para examinar as informações apresentadas pelo Estado em relação ao cumprimento de suas recomendações.

23. A Comissão declarou, ademais, que apesar dos esforços do Estado para implementar medidas de reparação no âmbito interno, as recomendações contidas no Relatório de Mérito No. 91/08 e nas solicitações da demanda ainda não foram cumpridas totalmente, entre outras, aquelas medidas para: a) assegurar que a Lei de Anistia No. 6.683/79 "não continue a ser um obstáculo para a persecução penal das graves violações de direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade"; b) "determinar, por meio da jurisdição de direito comum, a responsabilidade penal pelos desaparecimentos forçados das [supostas] vítimas"; e c) sistematizar e publicar todos os documentos referentes às operações militares contra a Guerrilha do Araguaia. Por conseguinte, a Comissão solicitou à Corte que indefira esta exceção preliminar.

24. Os representantes afirmaram a autonomia da Comissão para avaliar o cumprimento das recomendações de seus relatórios e para decidir sobre o envio do caso à Corte. As razões para esse envio não podem ser objeto de uma exceção preliminar e o Brasil não alegou um erro da Comissão que pudesse prejudicar seu direito de defesa. Por outro lado, o Estado pretende aplicar ao presente caso uma das condições da ação do direito interno, que define o interesse processual como "a necessidade demonstrada pela parte no sentido de obter a prestação jurisdicional para garantir a efetividade de seu direito [e] para evitar a perpetuação do dano sofrido". O Estado pretende que não se analise o mérito do caso, sob o argumento de que o eventual resultado da sentença da Corte já estaria sendo alcançado por meio das ações implementadas no âmbito interno. Os representantes declararam que as alegações estatais não dizem respeito à competência da Corte ou à admissibilidade do caso, mas às medidas de reparação solicitadas pela Comissão e pelos representantes. Portanto, os argumentos do Brasil se referem a um "questionamento estreitamente vinculado ao exame da eficácia dessas medidas" e, por conseguinte, não constituem uma exceção preliminar.

Clique aqui e veja a íntegra da sentença.

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