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STJ - Economistas são condenados a pagar indenização por dano moral a ofendido em reportagem

A 3ª turma do STJ condenou os economistas Antônio Carlos Braga Lembruber e Salvador Vairo por danos morais causados a Joel Korn. Os dois prestaram informações falsas à Anatel sobre Korn, gerando reportagem no jornal O Globo. A indenização foi fixada no valor de R$ 100 mil.

2/6/2011


Imprensa

STJ - Economistas são condenados a pagar indenização por dano moral a ofendido em reportagem

A 3ª turma do STJ condenou os economistas Antônio Carlos Braga Lembruber e Salvador Vairo por danos morais causados a Joel Korn. Os dois prestaram informações falsas à Anatel sobre Korn, gerando reportagem no jornal O Globo. A indenização foi fixada no valor de R$ 100 mil.

Korn ajuizou ação cominatória de obrigação de fazer cumulada com pedido de compensação por danos morais. Na ação, ele afirmou que o jornal O Globo, em fevereiro de 2002, publicou reportagem que o apontava como sócio majoritário da empresa Powerstone Corporation, investigada por desviar milhões de dólares do Bank of America e de seus clientes. O texto foi baseado em informações falsas prestadas por Antônio Carlos e Salvador.

Em primeira instância, o pedido foi negado e Korn foi condenado ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como verba honorária fixada em 10% sobre o valor da causa.

O TJ/RJ manteve a sentença. Para o TJ, ainda que inverídica a informação veiculada por meio da imprensa não há em falar em prejuízo de natureza moral, se não há atribuição de conduta desonrosa a Korn, que é pessoa de notória importância pessoal no meio em que atua, por isso não atingível por aborrecimentos menores.

Inconformado, ele recorreu ao STJ sustentando violação ao CC (clique aqui) e divergência jurisprudencial. Além disso, pediu o pagamento de compensação pelos danos morais sofridos por ele.

Ao decidir, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a matéria publicada é tendenciosa ao apontar o nome de Korn como maior acionista de empresa acusada de desvio de milhões de dólares de uma instituição financeira. Segundo ela, "evidentemente que a ofensa à honra por meio da imprensa, por sua maior divulgação, acaba repercutindo largamente na coletividade, mormente quando se considera que o veículo de comunicação é de grande circulação e que o caderno onde a matéria foi veiculada é específico da área de atuação do recorrente".

Por fim, a ministra ressalvou que o valor a ser arbitrado deve compensar monetariamente o constrangimento suportado, sem que caracterize enriquecimento ilícito e, de outro lado, há de servir como meio propedêutico ao agente causador do dano.

_________

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 884.009 - RJ (2006/0165101-4)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : JOEL KORN
ADVOGADOS : JOÃO BERCHMANS CORREIA SERRA
LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA
ALUÍZIO NAPOLEÃO E OUTRO(S)
JOSÉ ALEXANDRE BUAIZ NETO
RECORRIDO : SALVADOR VAIRO
ADVOGADO : JÚLIA P NÓBREGA E OUTRO(S)
RECORRIDO : ANTONIO CARLOS BRAGA LEMGRUBER
ADVOGADO : ARMANDO MICELI FILHO E OUTRO

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA CONSIDERADA LESIVA À HONRA DO AUTOR BASEADA EM INFORMAÇÃO PRESTADA PELOS RECORRIDOS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ART. 186 DO CC/02. ELEMENTOS. AÇÃO OU OMISSÃO E NEXO CAUSAL INCONTROVERSOS. POTENCIALIDADE OFENSIVA DOS FATOS. VALORAÇÃO DA PROVA. AUSÊNCIA DO OBSTÁCULO DA SÚMULA 7/STJ.

1. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.

2. Da hermenêutica do art. 186 do CC/02 extraem-se os seguintes pressupostos da responsabilidade civil, a saber: conduta ou ato humano (ação ou omissão); a culpa do autor do dano, a relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

3. Com exceção das hipóteses de responsabilidade objetiva previstas no sistema de responsabilidade civil, nosso direito civil consagra o princípio da culpa para a responsabilidade decorrente de ato ilícito, não se concebendo, em regra, o dever de indenização se ausente o dolo, a culpa ou o abuso de direito.

4. Cingindo-se a controvérsia à valoração da potencialidade ofensiva dos fatos tidos como certos e inquestionáveis, ou seja, matéria jurídica de interpretação do alcance dos arts. 186 do CC/02 e art. 159 CC/16, não há que se falar em óbice da Súmula 7/STJ.

5. Da simples matéria que é tendenciosa, por apontar o recorrente como principal acionista de empresa acusada de desvio milionário de instituição financeira da qual o recorrente foi presidente por anos, que traz excesso nas chamadas e destaques, objetivando direcionar o foco para depreciar a pessoa do recorrente e que confere sentido pejorativo e desproporcional ao fato de ser o recorrente o sócio majoritário, deriva o dano moral.

6. A ofensa à honra por meio da imprensa, por sua maior divulgação, acaba repercutindo mais largamente na coletividade, mormente quando se considera que o veículo de comunicação é de grande circulação e que o caderno onde a matéria foi veiculada é específico da área de atuação do recorrente.

7. A fixação do valor da compensação pelos danos morais deve balizar-se entre a justa composição e a vedação do enriquecimento ilícito, levando-se em consideração o critério da proporcionalidade, bem como as peculiaridades de cada espécie. Precedente.

8. Indenização por danos morais fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor a ser corrigido monetariamente, a contar dessa data, e acrescidos de juros moratórios no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês na vigência do CC/16 e de 1% (um por cento) ao mês na vigência do CC/02, a contar da data do evento danoso. Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação.

9. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Dr(a). MARCOS DRUMMOND MALVAR, pela parte RECORRENTE: JOEL KORN

Brasília (DF), 10 de maio de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por JOEL KORN com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/RJ.

Ação (e-STJ fls. 06/18): cominatória de obrigação de fazer cumulada com pedido de compensação por danos morais ajuizada pelo recorrente em face de ANTÔNIO CARLOS BRAGA LEMBRUBER E SALVADOR VAIRO.

Noticia o autor que o jornal “O Globo” do dia 20/02/2002, com base em informações falsas prestadas pelos réus à Anatel, publicou reportagem em que o autor era apontado como sócio majoritário de empresa (Powerstone Corporation ) investigada por desviar milhões de dólares do Bank of America e de seus clientes, de cuja instituição o demandante foi presidente por aproximadamente 15 anos.

O autor informa que, após a publicação dessa reportagem, foi procurado por jornalistas, clientes e outras pessoas conhecidas, sendo questionado sobre o seu envolvimento nos fatos noticiados, tendo que esclarecer que jamais tivera qualquer participação acionária na Powerstone Corporation .

O demandante acrescenta que, tendo buscado informações junto à Anatel, tomou conhecimento que os réus, ao informarem a composição societária da empresa Telenet Participações Ltda., incluíram o nome do autor como sócio majoritário detentor de 31,25% do capital da empresa tida como investigada, informação que deu origem à reportagem, razão pela qual busca a condenação dos réus ao pagamento de compensação pelos danos morais e de retratação pública no mesmo jornal, divulgando que o autor jamais participou da empresa Powerstone .

Sentença (e-STJ fls. 620/627): julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora nas custas e despesas processuais, bem como em verba honorária fixada em 10% sobre o valor da causa.

Acórdão (e-STJ fls. 707/720): negou, por maioria, provimento ao recurso de apelação interposto por JOEL KORN, nos termos da seguinte ementa: Indenização – Danos morais – Matéria jornalística – Informação inverídica – Ofensa – Inocorrência – Ainda que inverídica a informação veiculada por meio da imprensa não há falar em prejuízo de natureza moral, se não há atribuição de conduta desonrosa ao Autor. Pessoa de notória importância pessoal no meio em que atua, por isto não atingível por aborrecimentos menores.

Embargos de declaração (e-STJ fls. 723/726): interpostos por JOEL KORN, foram desprovidos em decisão monocrática do relator (e-STJ fl. 728).

Recurso especial (e-STJ fls. 730/753): interposto com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, aponta, além de divergência jurisprudencial violação do art. 159 do CC/16 e/ou art. 186 do CC/02. Em suma, pretende o recorrente que sejam os recorridos condenados ao pagamento de compensação pelos danos morais que afirma ter sofrido em decorrência dos fatos descritos na inicial.

Juízo de admissibilidade (e-STJ fls. 894/897): apresentada as contrarrazões (e-STJ fls. 862/873 e 874/892), o recurso especial foi admitido na origem.

Decisão monocrática de minha lavra (e-STJ fls. 902/905): negou seguimento ao recurso especial pelo óbice da Súmula 281/STF.

Agravo regimental (e-STJ fls. 908/912): interposto por JOEL KORN, sustentou, com amparo em precedente deste Tribunal, que seria possível a interposição de recurso especial contra decisão interpessoal do relator, que, com fundamento no art. 557 do CPC, rejeitou os embargos declaratórios interpostos contra acórdão que havia negado provimento a recurso de apelação.

Acórdão da 3ª Turma do STJ (e-STJ fls. 944/948): negou provimento ao agravo regimental.

Primeiro embargos de declaração (e-STJ fls. 953/956): interposto por JOEL KORN, foi desprovido (e-STJ fls. 971/972).

Segundo embargos de declaração (e-STJ fls. 979/982): interposto por JOEL KORN, foi rejeitado, com a condenação do embargante a pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, com fulcro no art. 538, parágrafo único, do CPC (e-STJ fls. 984/986).

Embargos de divergência (e-STJ fls. 993/1003): interposto pelo recorrente. A divergência que justificou a interposição do recurso se estabeleceu com precedentes da 1ª e da 4ª Turma do STJ, acerca da existência de exaurimento de instância, para fins de cabimento do recurso especial, quando os embargos de declaração opostos contra acórdão são rejeitados em decisão monocrática do relator.

Acórdão (e-STJ fls. 1.177/1.198): a Corte Especial, por unanimidade, acolheu os embargos de divergência para afastar o óbice da Súmula 281/STF ao conhecimento do recurso especial, determinando a devolução dos autos à 3ª Turma para que prossiga no julgamento do recurso.

Embargos de declaração (e-STJ fls. 1.204/1.206): interposto pelo recorrente, foi rejeitado (e-STJ 1.212/1.218).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

I – Da delimitação da controvérsia

Cinge-se a controvérsia, diante das peculiaridades da hipótese dos autos, à valoração da potencialidade ofensiva de reportagem veiculada em jornal de grande circulação, baseada em informações incontroversamente inverídicas fornecidas pelos recorridos a órgão público, que, por sua vez, as forneceu a periódico.

II – Da publicação de notícia em jornal de grande circulação com base em informação inverídica fornecida pelos réus. Dano moral configurado.

O recorrente sustenta que, sendo incontroverso que foram os recorridos aqueles que efetivamente prestaram a informação equivocada, isto é, “aqueles que depositaram em órgão público (ANATEL) a informação falsa que foi colhida e serviu de base para a reportagem jornalística” (e-STJ fl. 743), que, por sua vez, denunciou que “a Powerstone estaria desviando US$38.000.000,00 (trinta e oito milhões de dólares) do Bank of América e que o Recorrente seria o maior acionista da Powerstone” (e-STJ fl. 749), devem eles ser condenados ao pagamento de compensação pelos danos morais sofridos.

O TJ/RJ utilizou-se da seguinte base fática para negar provimento ao recurso de apelação do recorrente, mantendo a sentença proferida pelo Juízo de primeiro de grau de jurisdição(e-STJ fl. 714/715):

Leitura atenta das peças que integram os alentados autos levam à conclusão que se põe com a simplicidade necessária: nem o documento discutido nem a notícia publicada contém qualquer afirmação de que tenha ele participado dos ilícitos atribuídos à Powerstone Corporation contra o Bank of America, do qual foi ele presidente, no Brasil, por dezesseis anos.

Conquanto inverídica a informação prestada pelos Réus, afinal veiculada pelo jornal O Globo, contra quem, aliás, não se voltou ele, sua importância pessoal, no meio particularmente nervoso em que atua, impedem que seja ela capaz de sofrer prejuízos de natureza psicológicas em decorrência de aborrecimentos menores.

Tal como se observa na sentença, cujos termos são inteiramente adotados por esta Corte:

“...verifica-se que a alegada ofensa à sua honra decorreu da divulgação da composição acionária do consórcio Telenet e da empresa Powestone CO. Como o teor desta informação estava incorreto e a notícia circulou o autor alega ter sofrido evidente dano moral uma vez que a empresa Powerstone estaria sob investigação de supostas irregularidades administrativas e gerenciais; Os fatos devem ser examinados com a devida isenção. Ficou provado, inclusive pela perícia realizada, que não havia entre o autor e a empresa Powerstone relacionamento comercial; nem mesmo o documento que consubstancia a segunda alteração do contrato social da Telenet foi firmado pelo autor. A perícia registrou não ser sua a assinatura exarada na alteração contratual. Poderia ser este fato indicado de ilícito criminal, porém não é o fundamento do pedido autoral; Em audiência o autor reitera que o dano moral seria resultante da matéria, que conteria informação falsa, baseada não na alteração contratual da composição acionária da TELENET, mas em organograma enviada por esta à ANATEL, sendo que a partir da mesma seria possível estabelecer a ligação entre a sua pessoa e da empresa Powerstone CO. que estava sendo investigada por irregularidades; Entretanto, pela própria petição inicial que contém extensa referência ao currículo do autor e mais o documento de fls. 16/19, que acompanha a exordial, não seria crível que uma notícia isolada, publicada no caderno de economia, mesmo o jornal fosse, como é, de grande circulação, pudesse abalar a honra do autor; A própria notícia divulga a declaração desta onde peremptoriamente afirma desconhecer a participação da Powerstone e, em nenhum momento, seu nome foi vinculado a outro fato, este sim escandaloso, de prejuízos causados ao Bank of America quando da incorporação do Banco Liberal; Por outro lado, a extensa experiência profissional do autor faz com que o Juízo analise cum granun salis a sua ignorância sobre os fatos; ou seja, sobre o organograma enviado à ANATEL e que apenas estaria cumprindo uma formalidade documental. Não é razoável que pessoa tão habituada a lida com gestão de vultuoso negócios, que efetivamente estivera envolvida na criação do consórcio TELENET, pudesse ser ludibriada às escâncaras. O ato ilícito inexistiu, pelo menos quanto à ofensa à honra do autor. Não se investiga neste processo a falsidade ideológica verificada no documento de alteração contratual relativo ao consórcio Telenet; A matéria divulgada não poderia, sob qualquer hipótese causar dano à imagem do autor, antes os seus propalados atributos profissionais e intelectuais e empresariais, como se vê de fls. 16/19. O autor aduz ter trabalhado por 14 anos no Bank of América. Seria possível ser levantada uma suspeita contra sua honra, junto à Instituição, por mera notícia de jornal?

Em nenhum momento se pode inferir da notícia que estivesse o autor vinculado á pretensas irregularidades que estariam sendo investigadas relacionadas à Powerstone CO; Eventuais dissabores e aborrecimentos em virtude das explicações que o autor teve que conceder fazer parte da vida de relação.”

A sentença, assim, não está a merecer qualquer retoque, como já assinalado linhas acima.

Na hipótese em apreço, a responsabilização por danos moral veio, quanto à qualificação jurídica do fato, fundada nos art. 186 do atual Código Civil brasileiro (art. 159 do CC/16). Assim como nos casos julgados após o julgamento da ADPF 130-DF (Rel. Min. Carlo Britto), que declarou a não recepção da aludida Lei da Imprensa pela CF, deve se examinar o presente recurso à luz da lei civil.

O art. 186 do CC/02 estabelece os pressupostos ou elementos básicos da responsabilidade civil aquiliana, ao estabelecer que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Da hermenêutica do supra transcrito dispositivo, reprodução do caput do art. 159 do CC/16, com o acréscimo do dano moral, extraem-se os seguintes pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, a saber: conduta ou ato humano (ação ou omissão); a culpa do autor do dano; a relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

Na hipótese dos autos, o que pretende o recorrente é a condenação dos recorridos a pagarem compensação pelos danos morais sofridos em razão de ofensa à sua imagem e à honra, por ocasião da divulgação de reportagem em jornal de grande circulação baseada em informações inverídicas repassadas pelos demandados à Anatel. A despeito da inexistência de qualquer discussão acerca da legitimidade ativa, assinala-se que a ação da qual o presente recurso se origina foi proposta pelo recorrente em face daqueles que passaram à Anatel informação inverídica. A Anatel, por sua vez, foi quem forneceu essa informação para o periódico, que, por fim, publicou a reportagem.

A presente demanda, portanto, foi fundada na alegação de responsabilidade subjetiva dos demandados. Quanto a eles, depreende-se, pela leitura do excerto do acórdão recorrido acima transcrito, que duas questões são tidas como incontroversas nos autos, quais sejam: (i) a notícia veiculada apresentava informação falsa; e (ii) essa informação foi prestada pelos recorridos. Evidencia-se tanto a ação voluntária cometida pelos recorridos, ao subscreverem documento à Anatel informando que o recorrente seria o maior acionista da empresa Powerstone Co., quanto o nexo causal, haja vista que esse documento foi utilizado posteriormente como fonte pelo jornal a embasar a reportagem a respeito de supostas irregularidades na administração de empresa, da qual o recorrente teria sido apontado como sócio majoritário. Nesse sentido, aliás, também entendeu o voto vencido, do acórdão, – cuja divergência cingiu-se somente à configuração do dano moral –, ao consignar que “incontroverso é o fato constitutivo do direito autoral, qual seja, a falsidade ideológica da declaração prestada à Anatel pelos réus, em 12/07/2000 (fls. 33) e que serviu de base à reportagem publicada pelo jornal “O Globo”, dois anos após, em 20/02/2002 (fls. 20).” (e-STJ fl. 717).

Não obstante isso, entendeu o acórdão recorrido que a importância pessoal do autor “no meio particularmente nervoso em que atua, impedem que seja ele capaz de sofrer prejuízos de natureza psicológica em decorrência de aborrecimentos menores” (e-STJ fl. 714).

A controvérsia, portanto, cinge-se à valoração da potencialidade ofensiva dos fatos tidos como certos e inquestionáveis, ou seja, matéria jurídica de interpretação do alcance dos arts. 186 do CC/02 e art. 159 CC/16, prescindindo de incursão no contexto fático-probatório dos autos, que se circunscreve aos limites estabelecidos no acórdão recorrido.

Com o intuito de se aquilatar se há na publicação ofensa à honra, é de vital importância a transcrição do teor das reportagens (e-STJ fl. 24):

Jornal “O Globo”. Edição de 20/02/2002. Chamada do caderno “Economia” por Gilberto Lima Filho e Gilberto Scofield Jr. Empresa de Lemgruber é dona de “espelhinhos”. Alvo de ação movida pelo Bank of America, companhia tem como sócios Joel Korn, Lauro de Luca e Pio Borges. Os ex-proprietários do Banco Liberal Antonio Carlos Lemgruber e Lauro Alberto de Luca, além do ex-presidente do BNDES Pio Borges e do ex-presidente do Bank of America Joel Korn, são sócios da empresa Powerstone Corporation. A companhia está sendo alvo de processo movido pelo Bank of America desde a semana passada, pelo desvio de US$ 38 milhões da instituição financeira que os dois administraram até o ano passado, com o também ex-sócio Aldo Floris.
Maior acionista da empresa seria Joel Korn
A informação consta em documentos divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) relativos à licitação das chamadas “empresas-espelhinhos”, operadoras de telefonia local em regiões onde as empresas-espelho abriram mão de oferecer serviços. De acordo com a estrutura acionária divulgada pela Anatel, Lauro de Luca e Antonio Carlos Lemgruber detêm, cada um, 25% do capital social da Powerstone. O ex-presidente do BNDES Pio Borges tem 6,25% da empresa. Mas é o ex-presidente do Bank of America no Brasil Joel Korn que consta como o maior acionista da empresa, com 31,25% do capital social. Joel Korn nega: – Desconheço completamente esta participação e estou surpreso. Eu tinha uma participação na Telenet, mas a vendi há cinco meses para os outros sócios – diz ele. Não é o que mostra a estrutura societária na Anatel. A Powerstone Corporation detém 20% do capital da Telenet Participações, que é a segunda maior acionista da Espelho Sul Holding S/A – batizada com a marca de fantasia Telemais. E Korn continua como sócio.
Em outubro de 2000, a Telemais venceu a licitação para explorar serviços telefônicos em 84 municípios brasileiros, distribuídos entre os estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nos documentos fornecidos pela Anatel, o controlador da Telemais é a empresa Espelhofone Participações Ltda.

O Bank of America adquiriu o controle total do Liberal em abril do ano passado, finalizando um processo gradual de compra iniciado em janeiro de 2000. Na ação movida pelo Bank of America, no Tribunal Distrital Federal do Distrito Sul de Nova York, o banco americano acusa Lemgruber de ter usado várias empresas por ele controladas (entre elas, a Powerstone Corporation) para acumular cerca de US$ 38 milhões em retiradas sem fundos e empréstimos ilegais do Liberal.
A Powerstone e outras 12 empresas são alvo da ação. Lemgruber, Lauro de Luca e Aldo Floris também são citados nominalmente na ação por terem feito o Bank of America pagar pelas ações do Banco Liberal e do Liberal Banking Corp. um valor mais alto do que os americanos consideram agora justo.
Antonio Carlos Lemgruber que já foi presidente do Banco Central, contratou o escritório de advocacia Siqueira Castro, do Rio, para defendê-lo no processo movido no exterior.
Lemgruber participa de outras companhias
A estrutura acionária da Telemais também traz a participação de Lemgruber (0,1%) na Powertel Participações, que detém 2,55% da holding.Consta como controlador da Powertel José Paulo Ferraz, com 99,9% do capital. Além da participação na Telemais pela Powerstone Corporation, os documentos divulgados pela Anatel mostram Antonio Lemgruber como acionista direto da Telenet, com 20%.
Na Telemais, o GLOBO foi informado que o diretor-presidente da empresa, Fernando Otávio Jardim está viajando r não há data prevista de retorno. Lauro de Luca, Pio Borges e Lemgruber não foram localizados.

Não há como deixar de se concluir que do simples noticiário deriva o dano moral, em razão da ofensa à honra e imagem do recorrente. A matéria publicada é tendenciosa ao apontar o nome do autor como maior acionista de empresa acusada de desvio de U$ 38 milhões de instituição financeira. Igualmente se vê, na espécie, excesso nas chamadas e destaques, objetivando direcionar o foco para depreciar a pessoa do recorrente. Em dois momentos no escrito (“Alvo de ação movida pelo Bank of America, companhia tem como sócios Joel Korn, Lauro de Luca e pio Borges” e “Maior acionista da empresa seria Joel Korn”) a síntese vem em letras maiores e em negrito, diferindo do conteúdo da matéria que vem embaixo.

Em outra passagem do texto, por sua vez, percebe-se o sentido pejorativo e desproporcional que se dá ao fato – incontroversamente inverídico – de ser o recorrente o sócio majoritário:

“De acordo com a estrutura acionária divulgada pela Anatel, Lauro de Luca e Antonio Carlos Lemgruber detêm, cada um, 25% do capital social da Powerstone. O ex-presidente do BNDES Pio Borges tem 6,25% da empresa. Mas é o ex-presidente do Bank of America no BrasilJoel Korn que consta como o maior acionista da empresa, com 31,25% do capital social. Joel Korn nega” (sem destaque no original).

Evidentemente que a ofensa à honra por meio da imprensa, por sua maior divulgação, acaba repercutindo largamente na coletividade, mormente quando se considera que o veículo de comunicação é de grande circulação e que o caderno onde a matéria foi veiculada é específico da área de atuação do recorrente.

É uma assertiva muito ofensiva à honra em seus dois aspectos (subjetiva e objetiva) e causadora de dano moral, a divulgação, num jornal de notório renome, de informação inverídica consistente na qualidade de sócio majoritário que o recorrente ocuparia em empresa que, segundo a reportagem, estaria envolvida em irregularidades praticadas em operações de uma instituição financeira. Soma-se a isso o fato de o recorrente ter sido presidente dessa instituição, ao invés de jogar a seu favor, torna ainda mais séria a ofensa sofrida.

Por fim, soma-se a isso ainda – ao contrário do entendimento do Tribunal de Origem – o fato de o recorrente atuar em área na qual confiança e reputação representam qualidades imprescindíveis, sendo que nem o portador de substancioso currículo, como é o do autor, estaria ileso da desconfiança gerada em razão da matéria veiculada no jornal. Certamente aqueles clientes em potencial que tomaram conhecimento da reportagem irão melhor ponderar acerca da escolha do recorrente para prestar serviços de consultoria e investimentos, principalmente quando se considera que a reportagem o aponta como sócio majoritário de empresa envolvida em desvio milionário de dinheiro.

Todas essas circunstâncias, vistas em conjunto, levam, inexoravelmente, à conclusão de que na espécie a ofensa à honra restou caracterizada, razão pela qual é cabível a compensação por dano moral.

Por fim, tendo em vista que a matéria impugnada pelo recorrente com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional é a mesma tratada na alínea “a”, a análise do mérito da impugnação torna desnecessária a reapreciação da questão. A solução da causa, quanto à divergência, necessariamente convergirá para o que se decidiu quanto à violação.

III – Da aplicação do direito à espécie. Dos danos morais. Do quantum compensatório

Nos termos do art. 257 do RISTJ, convém fixar os valores devidos, aplicando-se o direito à espécie.

Assim procedendo, verifica-se dos julgados do STJ que tratam de matéria análoga – ofensa à honra em razão de publicação de matéria jornalística – que o valor fixado varia entre 100 (REsp 148.212/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 07/12/2000) a 500 salários mínimos (REsp 513.057/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 19/12/2003). Nesse sentido, vejam-se ainda os seguintes precedentes: REsp 771.266/DF, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 20/11/2006 (R$ 120.000,00); REsp 969.831/SP, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 23/03/2010 (R$100.000,00) e REsp 818.764/ES, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scatezzini, DJ de 12/03/2007 (R$ 90.000,00).

Ressalte-se que o valor a ser arbitrado deve compensar monetariamente o constrangimento suportado pelo recorrente, sem que caracterize enriquecimento ilícito e, de outro lado, há de servir como meio propedêutico ao agente causador do dano.

Dessarte, diante da intensidade do dano provocado, da repercussão da ofensa, da posição social do ofendido e do nível sócio-econômico do recorrente e dos recorridos, fixo a compensação por danos morais, em R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de condenar os recorridos a pagarem ao recorrente a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, valor este a ser corrigido monetariamente, a contar dessa data, e acrescido de juros moratórios no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês na vigência do CC/16 e de 1% (um por cento) ao mês na vigência do CC/02, a contar da data do evento danoso (Súmula 54/STJ). Condeno ainda os recorridos ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.

É como voto.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

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