Julgamento
TJ/SP anula a falência de indústria de alimentos Nilza
Em janeiro, o juiz de 1º grau havia decretado a falência da Nilza S.A. após constatar uma série de fraudes no processo de recuperação judicial. A industria recorreu da decisão alegando que violou os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, desrespeitando a soberania da assembleia-geral de credores que havia aprovado a alteração do plano de recuperação originalmente homologado, para autorizar a venda do controle acionário da empresa para a sociedade Airex Investimentos e Participações Ltda.
O principal fundamento para a convolação da recuperação judicial da Indústria de Alimentos Nizal S/A em falência foi "a presumível comprovação por escuta telefônica, autorizada em procedimento investigatório criminal", como relata o acórdão. Na análise do desembargador Pereira Calças, o "douto magistrado limitou-se a usar a prova emprestada consistente em interceptação telefônica", produzida em procedimento investigatório iniciado pelo GAECO do MP/SP, "sem dar oportunidade à empresa em recuperação judicial ou a seu acionista majoritário Senhor Adhemar de Barros Neto de se manifestar sobre aludida prova". Ressalta ainda que não se oportunizou à empresa AIREX, nem a seu sócio majoritário para se manifestar sobre as gravações telefônicas.
Assim, entendeu o relator que houve a afronta à garantia constitucional da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, "uma vez que foi decretada a convolação de sua recuperação judicial em falência sem que ela tivesse qualquer oportunidade de defender-se."
Os desembargadores Elliot Akel, Araldo Telles e Boris Kauffmann também participaram do julgamento e, por unanimidade de votos, deram provimento ao recurso.
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Processo : AI 0022277-30.2011.8.26.0000
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2011.0000066346
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0022277-30.2011.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que são agravantes INDUSTRIA DE ALIMENTOS NILZA S A (MASSA FALIDA) e DELOITTE TOUCHE TOHMATSU CONSULTORES LTDA (ADMINISTRADOR JUDICIAL) sendo agravado O JUIZO.
ACORDAM, em Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, para decretar-se a nulidade da sentença a fim de revogar o decreto de falência da agravante.
v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ELLIOT AKEL (Presidente sem voto), ARALDO TELLES E BORIS KAUFFMANN.
São Paulo, 31 de maio de 2011.
PEREIRA CALÇAS
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Comarca : Ribeirão Preto 4ª Vara Cível
Agravantes : Indústria de Alimentos Nilza S/A (massa falida); e Deloitte Touche Tohmatsu Consultores Ltda. (Administrador Judicial)
Agravado : O Juízo
Interessada : Airex Investimentos e Participações Ltda.
VOTO Nº 20.291
Agravo. Decisão que convola recuperação judicial em falência, sob o fundamento de fraude imputada ao principal acionista da companhia devedora. Increpação de fraude ao controlador da empresa que pretendia adquirir o controle da recuperanda. Decisão baseada em prova emprestada de procedimento administrativo criminal. Inobservância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Violação ao art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal. Inadmissível o uso de "prova emprestada" (escuta telefônica autorizada judicialmente), sem observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Nulidade da sentença reconhecida. Agravo provido para revogar a sentença de falência e restabelecer o processamento da recuperação judicial.
Vistos.
1. Trata-se de agravo manejado por INDÚSTRIA DE ALIMENTOS NILZA S/A, nos autos de sua recuperação judicial que tramita perante o JUÍZO DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO, insurgindo-se contra a r. decisão que, com fundamento no art. 73, parágrafo único e art. 94, inciso III, alíneas "a" e "b", convolou a recuperação judicial em falência. Alega em longas razões que a decisão violou os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, desrespeitando a soberania da assembleia-geral de credores que havia aprovado a alteração do plano de recuperação originalmente homologado, para autorizar a venda do controle acionário da recuperanda para a sociedade Airex Investimentos e Participações Ltda., mercê do que, impõe-se a anulação ou reforma da indigitada decisão que está reproduzida às fls. 1.011/1.031 deste instrumento de agravo. Esclarece que o plano de recuperação judicial foi aprovado pela assembleia-geral de credores em 15/10/2009, sendo homologado em 21/10/2009. Imersa na crise financeira de 2019 paralisou suas atividades em abril de 2010, oportunidade em que seus diretores buscaram ajuda do BNDES (sócia da agravante com 35% de participação no capital social) e de bancos credores, sendo convocada nova assembleia para alterar o plano original. Surge então o investidor Sérgio Antonio Alambert interessado em adquirir o controle acionário da companhia recuperanda, condicionando a operação à modificação do plano nos termos de proposta elaborada pela empresa de consultoria Nova Visão Global Ltda., que já elaborara estudo de viabilidade econômico-financeira da agravante. A nova proposta apresentava vantagens para credores e empregados, além de propiciar a retomada da atividade empresarial, sendo então realizada AGC na qual foram aprovadas as alterações pela classe I (100%) e classe III (89,09%), sem participação da classe II que não teria seus direitos modificados. Na sequência, determinou o MM. Juiz o depósito judicial da quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), prometida para o pagamento dos créditos trabalhistas, depósito que foi realizado pela empresa AIREX da qual o investidor Sérgio Alambert indicou como sendo a interessada na aquisição do controle acionário da recuperanda. Em seguida, para "estarrecimento geral sobreveio, assentado quase exclusivamente em prova espúria, o decreto de falência da agravante" (fl. 8). Suscita preliminar de nulidade da sentença por estar fundada em prova emprestada, produzida em procedimento investigatório em curso na 5ª Vara Criminal de Ribeirão Preto intentado pelo GAECO contra a empresa Airex, vulnerado o postulado da paridade de armas, uma vez que a MM. Juíza da Vara Criminal indeferiu vista dos autos solicitada pela agravante que pretendia ter acesso às gravações de interceptação telefônica das linhas usadas pelo advogado Sérgio Alambert e que visavam à apuração de supostos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
Tais provas, não submetidas ao crivo do contraditório, foram usadas pelo MM. Juiz, de forma açodada e arbitrária, como "prova emprestada" para concluir pela prática de ilícitos previstos na Lei nº 11.101/2005.
Aduz que foram violados os incisos LIV, LV e LVII, do art. 5º, da Carta da República. No mérito, alega que a decisão entendeu que foi praticada fraude por Adhemar de Barros Neto, principal acionista da recuperanda e por Sérgio Alambert, sócio majoritário da Airex, consistente no pagamento por fora de alguns credores, objetivando a aprovação da modificação do plano de recuperação que seria submetida à nova assembleia-geral. Sustenta que a fraude reconhecida, imputada a Sérgio Alambert, jamais poderia autorizar a convolação em quebra, visto que não se afirma que a agravante participou da pretensa fraude.
Ressalta, ainda, que a hipotética fraude decorreria do pagamento da quantia de R$ 225.000,00 para José Eustáquio Bernardino, conhecido por "Nenê" que é credor da recuperanda pela quantia de R$ 4.344.520,20 e teria o escopo de comprar o voto de tal credor na assembleiageral.
Salienta ser ingenuidade imaginar-se que com valor tão pequeno (pouco mais de 200 mil reais) alguém poderia convencer credores de valores da ordem de 110 milhões de reais a votarem favoravelmente alguma proposta albergada no novo plano. Esclarece que o pagamento, que de fato foi realizado em prol de Eustáquio, objetivou remunerá-lo por serviços de consultoria que este, como experto em produção leiteira e laticínios, contratado por Sérgio Alambert, prestaria para Nova Visão. Destaca ainda que é óbvio que o investidor Sérgio Alambert pretendia lucrar com a operação, pois, é evidente que, quem investe capital em operação de aquisição de controle de companhia só o faz movido pelo escopo lucrativo, que é lícito. No que concerne à majoração do capital social da Airex, que o magistrado julgou estranho, afirma ser conduta rotineira e normal, sendo certo que a integralização ocorreria ulteriormente. No que toca aos endereços da Airex, diz que ela é empresa controlada pelo investidor Sérgio Alambert, que tem endereço comercial em São Paulo, na Rua Canadá, 233, fato conhecido dos credores e em especial das instituições financeiras que aprovaram o plano de alienação do controle para Sérgio. Em síntese, a Airex não é empresa fantasma e nem surgiu de prática fraudulenta. Por fim, insurge-se contra a convolação da recuperação em falência, sob o fundamento do não pagamento dos créditos trabalhistas no prazo legal, vez que, inicialmente, solicitara a convocação de assembleiageral para ser autorizada a vender ativos e pagar os trabalhadores. Porém, diante da possibilidade da alienação do controle da companhia e da proposta de ser efetuado o depósito de quantia superior a 5 milhões e duzentos mil reais para pagar os trabalhadores, o que foi aceito pelo MM. Juiz com a efetiva realização do depósito judicial de tal quantia, evidencia que a decisão de quebra, sob tal argumento, não se sustenta.
Nega peremptoriamente a ocorrência de qualquer fraude, muito menos do crime previsto no art. 168 da Lei nº 11.101/2005, resultando livre de vícios a negociação concertada que teria o condão de reativar a empresa com a recontratação de empregados e investimento de 11 milhões em cerca de 90 dias. Por fim, sustenta ser de rigor respeitar-se a vontade dos credores que em assembleia-geral aprovaram a alienação do controle da companhia, impondo-se a homologação da alteração do plano e a restauração da recuperação judicial. Pede a antecipação da tutela recursal e, a final, o provimento do agravo para ser anulada a decisão objurgada ou, subsidiariamente, reformada para ser homologada a alteração do plano de recuperação judicial (fls. 2/41).
Pela decisão de fls. 1.114/1.116, deferi o efeito suspensivo.O MM. Juiz, Dr. Héber Mendes Batista, prestou as informações de praxe (fls. 1.125/1.126).
O digno representante do Ministério Público de 1º grau, Dr. Ronaldo Batista Pinto, opinou pelo improvimento do recurso (fls. 1.149/1.152).
O Administrador Judicial alvitrou o provimento do inconformismo (fls. 1.158/1.171).
A D. Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da pena da Dra. Maria Cristina Pêra João Moreira Viegas manifesta-se pelo improvimento (fls. 1.173/1.185).
Relatados.
2. A primeira alegação da agravante, suscitada como preliminar de nulidade da decisão que converteu a recuperação judicial em falência, fundamentase na inadmissibilidade do uso de prova emprestada no processo judicial da recuperação.
A r. decisão hostilizada, reproduzida à fl. 1.011/1.031 assim está fundamentada:
"Não obstante o resultado da assembleia (fls. 4.786/4.797 e 4.850/4.869), impõe-se a convolação da recuperação judicial em falência. E isso em razão de fraude levada a efeito pelo principal acionista, ADHEMAR DE BARROS NETO, e do sócio majoritário da empresa AIREX TRADING, LOGÍSTICA, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. (atualmente Airex Capital Partners Ltda), SÉRGIO ANTONIO ALAMBERT. Com efeito, em expediente autuado em sigilo (autos apartados) e que doravante se tornará público há cópias de transcrições de conversas telefônicas interceptadas pelo Egrégio Juízo da Quinta Vara Criminal desta Comarca, nas quais há sucessivos diálogos entre Adhemar e Sérgio. Em muitos deles, eles combinaram pagamento "por fora" a alguns credores. Esta ilícita forma de pagamento tinha como escopo exatamente o sucesso do novo plano de recuperação judicial que então seria submetido a nova assembleia de credores. E o novo plano contemplava a aquisição da Indústria Nilza pela empresa AIREX, da qual Sérgio é, hoje, único sócio (fls. 4.922/4.937). Para tal desiderato, Sérgio e Adhemar pactuaram o pagamento "por fora" de R$ 500.000,00 a um credor que tem a alcunha de "Nenê", em razão de provável ascendência dele sobre certos credores".
Em seguida, a decisão menciona conversas telefônicas entre Adhemar e Sérgio que foram gravadas, cujos diálogos demonstram o pagamento de numerário para "Nenê" obter votos favoráveis de outros credores ao novo plano, bem como de dinheiro que seria repassado para Adhemar pagar dívida pessoal que teria com o banco ABC Brasil, combinando os dois no sentido de uma conversa pessoal para trato verbal da operação.
Consta ainda da decisão que, em outra ligação gravada e realizada após a aprovação da modificação do plano, eles comentam a atuação fundamental de "Nenê" na assembleia de credores e cuidam da remessa eletrônica do dinheiro para o acerto final, posteriormente confirmada. Como José Eustáquio Bernardino de Senna ou "Nenê" era credor quirografário de mais de 4 milhões de reais, não poderia ter recebido dinheiro em detrimento dos outros credores (art. 59, LF), fatos que tipificam, em tese, o art. 168, "caput", da Lei nº 11.101/2005, o que deverá ser apurado por inquérito policial a ser instaurado.Diante do que consta do resumo acima reproduzido, verifica-se que o principal fundamento para a convolação da recuperação judicial de Indústria de Alimentos Nilza S/A em falência foi a presumível comprovação por escuta telefônica, autorizada em procedimento investigatório criminal, da prática de fraudes, a fim de obter a aprovação dos credores da proposta de modificação do plano de recuperação judicial com a consequente autorização para a alienação do controle da companhia para a empresa Airex.
A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça admite o uso de prova emprestada de processo criminal em processo administrativo ou civil, desde que se observe para as partes os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Confira-se:
"É cabível a adoção de provas emprestadas, desde que respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório no âmbito do processo administrativo disciplinar" (Mandado de Segurança 15411/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 1ª Seção, DJe 03/11/2010).
"Ademais, é firme o entendimento deste Tribunal de que respeitado o contraditório e a ampla defesa em ambas as esferas, é admitida a utilização no processo administrativo de 'prova emprestada' devidamente autorizada na esfera criminal. Precedentes: MS 10128/DF, Rel. Min. OG FERNANDES, 3ª Seção, DJe 22/2/2010, MS 13.986/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, DJe 12/2/2010, MS 13.501/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, Terceira Seção, Dje 9/2/2009, MS 12.536/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, Terceira Seção, DJe 26/9/2008, MS 10.292/DF, Rel. Min. PAULO GALLOTI, Terceira Seção, DJ 11/10/2007." (MS 15.207/DF, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, DJe 14/9/2010).
No caso vertente, verifica-se que o douto magistrado, limitou-se a usar a prova emprestada consistente em interceptação telefônica, produzida em procedimento investigatório iniciado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do Estado de São Paulo, sem dar oportunidade à empresa em recuperação judicial ou a seu acionista majoritário Senhor Adhemar de Barros Neto de se manifestar sobre aludida prova. Também não se oportunizou à empresa AIREX, nem a seu sócio majoritário, o advogado Sérgio Antônio Alambert para se manifestar sobre as gravações telefônicas.
Afrontou-se de forma clara a garantia constitucional da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, consubstanciadas no art. 5º, inciso LIV e LV, da Constituição Federal.
Há ainda a circunstância de as investigações promovidas pelo GAECO, com o auxílio da Polícia Federal, terem se iniciado com base em denúncia anônima.
A respeito da denúncia anônima que acarreta a quebra do sigilo telefônico realizada pela Polícia Federal com a conivência dos integrantes do GAECO, também acarreta vícios na validade da prova emprestada do procedimento investigatório.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em aresto da relatoria da eminente Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, já proclamou:
"Habeas Corpus. Denúncia Anônima. Quebra de sigilo telefônico. Medida determinada exclusivamente com base na informação apócrifa. Diligências preliminares não realizadas. Paciente denunciado e condenado como incurso no art. 37 da Lei 11.343/06. Constrangimento ilegal. Art. 5º, IV, da Constituição Federal. Ordem concedida.
1. Conforme entendimento desta Corte Superior de Justiça, em razão de vedação constitucional ao anonimato, as informações de autoria desconhecida não podem servir, por si sós, para embasar a interceptação telefônica, a instauração de inquérito policial ou a deflagração de processo criminal. Admite-se apenas que tais notícias levem à realização de investigações preliminares pelos órgãos competentes.
2. Hipótese em que a notícia anônima foi o único dado que serviu para embasar a interceptação telefônica do paciente. O teor das conversas obtidas em dois dias de quebra de sigilo resultou na prisão cautelar do paciente, na denúncia e na condenação por crime outro que não o objeto inicial da investigação.
3. A mera juntada aos autos dos dados pessoais do paciente, notadamente os constantes no banco de dados do Departamento Nacional de Trânsito, não satisfaz a exigência de investigação preliminar para fins de quebra do sigilo telefônico baseada em informação anônima.
4. A interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima é absolutamente nula, em razão da vedação constitucional do anonimato, consubstanciado no art. 5º, LVI, da Carta Magna.
5. Ordem concedida para declarar nula a prova resultante da interceptação telefônica, com a consequente anulação da sentença condenatória. Afastada a prova ilícita, deve o magistrado singular proferir nova sentença, garantindo-se ao paciente o direito de aguardar em liberdade, se por outro motivo não estiver preso" (HC 94546/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 18/11/2010).Da análise da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça constata-se que se consolidou o entendimento no sentido de que respeitado o contraditório e a ampla defesa, tanto na esfera administrativa, como na seara penal, admite-se a utilização da 'prova emprestada', devidamente autorizada na área criminal. Precedentes: MS 10128/DF, Rel. Min. OG FERNANDES, MS 13.986/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, MS 13.501/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, MS 12.536/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, MS 10.292/DF, Rel. Min. PAULO GALLOTI.
Na espécie, verifica-se que, após ser noticiada a existência do procedimento administrativo instaurado pelo GAECO do Ministério Público bandeirante, foram promovidas escutas telefônicas do advogado SÉRGIO ANTONIO ALAMBERT para apurar eventual crime de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (Procedimento Administrativo Criminal nº 44/2010, Ribeirão Preto, fls. 1049/1096), investigando-se condutas ligadas à aquisição do controle acionário da recuperanda Indústria Nilza S/A.
A agravante, informada da investigação, requereu vista do procedimento investigatório à digna Juíza da 5ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto, haja vista o decreto de sua quebra com base em "prova emprestada" do aludido procedimento administrativo. No entanto, teve seu pleito indeferido sob o argumento de que o procedimento tramitava em segredo de Justiça (fls. 1108/1109).
Diante de tal situação, exsurge com evidência a direta e frontal violação do direito da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório da agravante, uma vez que foi decretada a convolação de sua recuperação judicial em falência sem que ela tivesse qualquer oportunidade de defender-se. Só este fato implica nulidade da sentença, sendo despiciendo analisar-se o outro fundamento invocado pelo douto magistrado, relacionado com a eventual inobservância do art. 54, "caput", da Lei nº 11.101/2005, que impõe a previsão do plano de recuperação do pagamento dos credores trabalhistas e acidentários no prazo máximo de um (1) ano.
É preciso enfatizar que eventual fraude praticada pela empresa AIREX objetivando a aquisição do controle acionário da recuperanda NILZA, bem como eventual conduta ilícita de diretor administrativo da companhia devedora, não tem o condão de atingir a atuação da empresa devedora. São inconfudíveis, como é trivial, a personalidade jurídica da companhia devedora e da sociedade AIREX. Obviamente, a empresa NILZA não pode ser punida por eventual prática de conduta ilícita da empresa que pretende ou pretendia adquirir seu controle acionário. Na hipótese de ilícito praticado por diretor ou acionista controlador da companhia, a responsabilidade pelo ilícito é de responsabilidade da pessoa que assim agiu, não se podendo imputar à companhia eventual efeito de ato de responsabilidade de seu diretor ou controlador.
Em suma, será provido o recurso para, com fundamento no artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, decretar-se a nulidade da sentença que convolou a recuperação judicial da agravante em falência, sem observar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
3. Isto posto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, para decretar-se a nulidade da sentença a fim de revogar o decreto de falência da agravante.
DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
RELATOR
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