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TJ/RS - Negada indenização por passado criminoso noticiadoem revista de circulação nacional

A liberdade de imprensa é garantia constitucional, não podendo de forma alguma ser adjetivada, reduzida ou condicionada, conforme previsto no art. 220 da CF/88. Com base nesta cláusula pétrea e considerando a veracidade dos fatos e o contexto em que foram inseridos, os integrantes da 10ª Câmara Cível do TJ/RS deram provimento ao recurso de apelação movido pela Editora Abril S.A. e pelo jornalista Alexandre Oltramari. Com a decisão, o Tribunal julgou improcedente a ação, reformando a sentença condenatória que havia sido proferida em na Comarca de Santa Cruz do Sul.

11/5/2011


Imprensa

TJ/RS - Negada indenização por passado criminoso noticiado em revista de circulação nacional

A 10ª câmara Cível do TJ/RS deu provimento ao recurso movido pela Editora Abril e pelo jornalista Alexandre Oltramari para julgar improcedente ação de reparação por danos morais movida por Edgar Silveira da Rosa.

O autor, Edgar Silveira da Rosa, ajuizou ação de reparação por danos morais contra a Editora Abril S.A. e o jornalista Alexandre Oltramari em razão de matéria publicada na edição 2066 da Revista Veja, de 25/6/08, sob o título "O Xerife da Ética", no interior da qual é afirmado que ele é um reconhecido ladrão da região. Sustentou que as palavras publicadas traduzem inverdades, de cunho malicioso e indecoroso, provocando abalo e constrangimentos nas suas relações familiares e de trabalho.

Referiu que a grande circulação da Veja amplifica seus danos, sendo que noticia condenação criminal e cumprimento de pena de 3 anos e 9 meses em regime semi-aberto, pela prática de crime patrimonial, por fato cometido há mais de 20 anos. Acrescentou sentir-se estigmatizado e submetido a um apartheid social por seus antecedentes.

Citados, os requeridos contestaram alegando que o texto não se destinava ao autor, mas ao deputado Sérgio Moraes, então presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Dentre os questionamentos à conduta do Parlamentar, havia um em que ele era acusado da receptação de joias, as quais eram roubadas pelo autor, condenado criminalmente pelos fatos, sendo incontroversos e notórios em Santa Cruz do Sul.

Mencionaram terem se limitado ao dever jornalístico de informar a verdade e com completude, sendo a menção ao fato que envolvia o autor necessária para a configuração da matéria. Acrescentaram que, também por isso, outros nomes foram referenciados, e pontuaram que a intenção do autor foi contextualizada no tempo em que se sucedeu o evento que o atingiu, época em que era um conhecido ladrão. Mencionaram a liberdade de imprensa, o direito de crítica e a ausência de comprovação de dano.

Em 1º instância, a pretensão foi julgada procedente, sendo Editora e jornalista condenados a indenizar o autor no montante equivalente a 80 salários mínimos nacionais, a título de danos morais. Inconformados, apelaram ao TJ.

Apelação

O relator da apelação, desembargador Túlio Martins, destacou que o caso envolve a garantia da liberdade de expressão e de sua consequência lógica, a circulação de ideias e notícias. Segundo ele, a matéria jornalística reportava a vida pregressa de Sérgio Moraes, sendo o texto bastante claro ao narrar os acontecimentos no tempo pretérito, bastando uma simples leitura para que fique claro que, à época dos fatos, Edgar era de fato um conhecido ladrão da região.

Além disso, acrescentou o relator, os acontecimentos são absolutamente verdadeiros, pois Edgar foi preso, processado, condenado e cumpriu pena por crime contra o patrimônio. Lembrar o episódio dentro de um contexto jornalístico em que tal informação é importante não implica nem de longe julgar novamente o autor, ponderou o desembargador Túlio. Contudo, simplesmente ignorar um fato incontroverso crismado dentro do devido processo legal e observado o contraditório seria virtualmente ignorar a luz do sol, acrescentou.

Nesse sentido, o desembargador-relator lembrou frase do escritor argentino Jorge Luiz Borges: o passado é eterno. Acrescentou que fosse o demandante herói de guerra, gostaria de ser assim saudado. A ‘contrariu sensu’, tendo um dia sido condenado, igualmente terá tal carga imaterial incorporada a seu currículo, ponderou. E concluiu que o autor não teve sacrificada sua honra ou intimidade pela notícia jornalística; isso aconteceu por força de seu passado e dos episódios que o levaram à Justiça e à prisão.

Participaram do julgamento, além do relator, os desembargadores Jorge Alberto Schreiner Pestana e Paulo Roberto Lessa Franz.

Os advogados Alexandre Fidalgo e Claudia Pinheiro David, do escritório Lourival J. Santos - Advogados, representaram a Editora Abril no caso.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

________

DIREITO CIVIL.

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.

INCONFORMIDADE DO AUTOR POR INFORMAÇÕES VEICULADAS EM REVISTA DE CIRCULAÇÃO NACIONAL.

DESCABIMENTO DA PRETENSÃO, FACE À VERACIDADE DOS FATOS, AO CONTEXTO EM QUE FORAM INSERIDOS É ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

Caso em exame que envolve a garantia da liberdade de expressão e de sua conseqüência lógica, a circulação de idéias e notícias.

O fato que motivou o vertente processo foi a divulgação do nome do autor na revista Veja – de circulação nacional – em matéria sobre o então presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.

Ao descrever o parlamentar e fazendo uma breve resenha de seu passado, foi referida uma antiga ligação com o demandante, qualificado como “um conhecido ladrão da região”. Tal destaque negativo motivou a inconformidade do mesmo, que argumenta ter superado tal fase de sua vida e recuperado a credibilidade junto à sociedade local sendo hoje uma pessoa de bem.

Ocorre que a matéria jornalística reportava – no ponto – a vida pregressa do deputado, sendo que para tanto seu autor entendeu necessária a informação quanto ao crime contra o patrimônio.

Os acontecimentos são absolutamente verdadeiros, pois o apelado foi preso, processado, condenado e cumpriu pena por crime contra o patrimônio; lembrar o episódio dentro de um contexto jornalístico em que tal informação é importante não implica nem de longe “julgar” novamente uma pessoa. Contudo, simplesmente ignorar um fato incontroverso crismado dentro do devido processo legal e observado o contraditório seria virtualmente ignorar a luz do sol. Mesmo que houvesse algum equívoco deveria ser levado em consideração que a atividade de informar é essencialmente especulativa, investigativa e inexata; fosse de outra forma bastaria à população consumir os diversos jornais dos três poderes, ouvir somente a Radiobrás e emissoras públicas de televisão e ler boletins informativos, ficando assim absolutamente informada das verdades oficiais e não mais sujeitas a controvérsias (na visão de quem detém o poder). A hipótese é extravagante, mas deve ser lembrada exatamente como o oposto daquilo que informa os países democráticos e civilizados: o livre arbítrio, a responsabilidade e um nível aceitável de risco nas informações.

Quanto às críticas não há o que discutir, pois são apenas opiniões; mais importante do que a opinião de quem critica é a de quem ouve a crítica e acompanha os fatos. A opinião pública se constrói a partir da informação, do questionamento, do desafio, da contestação e do debate .

A liberdade sem adjetivos ou condições sempre moveu o homem - para mantê-la ou conquistá-la - sendo a opinião pública forte e bem-informada a maior garantia do Estado Democrático de Direito. Por esse motivo é fundamental a imunidade dos políticos quando manifestam sua opinião, assim também é da essência do trabalho do Juiz formar livremente sua convicção acerca do processo que está julgando e, claro, da imprensa ao informar, criticar, opinar, exercer juízo de valor ou interpretar acontecimentos de qualquer área.

O dever ético essencial do Jornalista é não faltar com a verdade; comentar ou opinar são atividades que não permitem a mentira, pois a crítica é sempre verdadeira, mesmo que eventualmente equivocada ou superficial.

A liberdade de imprensa, como de religião, pensamento e tantas outras, é garantia constitucional, cláusula pétrea e nuclear do contrato social brasileiro; não pode de forma alguma ser adjetivada, reduzida ou condicionada.

NORMA CONSTITUCIONAL, art. 220.

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Referidos incisos estabelecem:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

O autor não teve sacrificada sua honra ou intimidade pela notícia jornalística; isso aconteceu por força de seu passado e dos episódios que o levaram à Justiça e à prisão.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover o recurso de apelação para julgar improcedente a ação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ.

Porto Alegre, 31 de março de 2011.

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (RELATOR)

Adoto a princípio o relatório da sentença, lavrado nos seguintes termos:

EDGAR SILVEIRA DA ROSA aforou AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS contra EDITORA ABRIL S.A. e ALEXANDRE OLTRAMARI, objetivando vê-los condenados a ressarci-lo de danos morais, em razão de na edição 2066, ano 41, nº 25, de 25 de junho de 2008 da Revista Veja, no interior da matéria sob o título “O Xerife da Ética”, à página 66, ter sido afirmado que ele “ É um reconhecido ladrão da região”.

Sustenta que as palavras publicadas traduzem inverdades, de cunho malicioso e indecoroso, provocando abalo e constrangimentos nas suas relações familiares e de trabalho.

Refere que a grande circulação da revista amplifica seus danos. Noticia condenação criminal e cumprimento de pena de 03 anos e 09 meses em regime semi-aberto, pela prática de crime patrimonial, por fato cometido há mais de 20 anos.

Se disse estigmatizado e submetido a um aparthaid social pelos seus antecedentes. Requereu fosse a condenação fixada em R$ 0,50, por exemplar.

Citados, pessoalmente, os requeridos ofereceram resposta, na modalidade de contestação (fl. 51). Inicialmente destacam que a responsabilidade deve ser verificada no caso concreto, não podendo responder objetivamente pelo noticiado dano, que a matéria não se destinava ao autor, mas ao Deputado Sérgio Moraes, então Presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Referiu que dentre os questionamentos que a reportagem fazia à conduta do parlamentar, havia um em que ele era acusado da receptação de jóias, as quais eram roubadas pelo autor – referências que ele próprio fizera. Aduz que os fatos teriam guindado à condenação do Autor, tendo sobrado incontroversos e que seriam notórios em Santa Cruz do Sul. Mencionam ter se limitado ao dever jornalístico de informar a verdade e com completude, e que a menção ao fato envolvendo o autor era necessário para a configuração da matéria. Acrescentam que também por isso outros nomes foram referenciados. Pontuam que a menção ao autor foi contextualizada no tempo em que se sucedeu o evento que o atingiu, época em que era um conhecido ladrão. Sublinham que por envolver pessoa pública, por relatar história jornalística e pelas demais razões não há ilicitude praticada. Fizeram menção à liberdade de imprensa e ao direito de crítica e à ausência de comprovação de danos.

Reclamou a improcedência da ação.

Réplica à fl. 100, pedindo a declaração de revelia pela intempestividade da peça contestacional. Insiste na responsabilidade objetiva com base no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Epitetando a matéria de sensacionalista, requereu dano moral in re ipsa.

Na sequência foi determinada a reunião dos feitos para processamento e julgamento conjunto, dado o reconhecimento da conexão e prevenção deste juízo (fl. 111).

Manifestação dos requeridos à fl. 114.

Sobreveio sentença que deu pela procedência da demanda, com o seguinte dispositivo:

Ao exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão reparatória de EDGAR SILVEIRA DA ROSA para condenar EDITORA ABRIL S.A. e ALEXANDRE OLTRAMARI a indenizar o autor no montante equivalente a 80 salários mínimos nacionais, a título de danos morais, acrescidos de juros de mora de 1% desde a citação;

Condeno os demandados ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários de advogado, fixados em 15% do montante da condenação, com fundamento no art. 20, § 3º, do CPC.

“De vereda” desapense-se e arquive-se com baixa a exceção de incompetência nº 026/1.09.0003347-5, porquanto já coberta pelo manto da coisa julgada.

Irresignados apelaram os demandados; os recursos foram respondidos.

Não houve intervenção do MP.

Foi o sintético relatório.

VOTOS

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (RELATOR)

O caso em exame é mais um daqueles que envolvem a garantia da liberdade de expressão e de sua conseqüência lógica, a circulação de idéias e notícias.

O fato que motivou o vertente processo foi a divulgação do nome do autor na revista Veja – de circulação nacional – em matéria sobre o deputado Sérgio Moraes, então presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.

Ao descrever o parlamentar e fazendo uma breve resenha de seu passado, foi referida uma antiga ligação com o demandante Edgar Silveira da Rosa, qualificado como “um conhecido ladrão da região”, especialista em atacar famílias estrangeiras que residiam em Santa Cruz do Sul, repassando o produto dos roubos para Sérgio Moraes. Tal destaque negativo motivou a inconformidade de Edgar, que argumenta ter superado tal fase de sua vida e recuperado a credibilidade junto à sociedade local sendo hoje uma pessoa de bem, pelo que a veiculação de tal informação lhe causou grande constrangimento.

Ocorre que a matéria jornalística reportava – no ponto – a vida pregressa de Sérgio Moraes, sendo que para tanto seu autor entendeu necessária a informação quanto ao furto/roubo de jóias. Aqui enfatizo que o texto é bastante claro ao narrar os acontecimentos no tempo pretérito, bastando uma simples leitura para que fique claro que à época dos fatos Edgar era de fato “um conhecido ladrão da região”.

Além disto, os acontecimentos são absolutamente verdadeiros, pois Edgar foi preso, processado, condenado e cumpriu pena por crime contra o patrimônio; lembrar o episódio dentro de um contexto jornalístico em que tal informação é importante não implica nem de longe “julgar” novamente o autor. Contudo, simplesmente ignorar um fato incontroverso crismado dentro do devido processo legal e observado o contraditório seria virtualmente ignorar a luz do sol.

Em uma frase notável o grande escritor argentino Jorge Luiz Borges lapidou o que é evidente: “o passado é eterno”. E mais – e aqui digo eu: tanto para o que ilustra quanto para o que deslustra; fosse o demandante um herói de guerra e gostaria de ser assim saudado a todo momento. A “contrariu sensu”, tendo um dia sido condenado igualmente terá tal carga imaterial incorporada a seu currículo.

Aliás, observo “em passant” que Edgar alega que recuperou-se e readquiriu respeitabilidade , o que igualmente é importante ... e passado. Fosse vingar a tese de absoluto olvido do passado e também tal argumento cairia no vazio.

Todavia, acima de tudo releva que os fatos são verdadeiros, que a reportagem deixou claro que são episódios pretéritos, que a matéria jornalística foi articulada com clareza e que as informações quanto a Edgar Silveira da Rosa estão inseridas no contexto da mesma.

Observo ainda – e o faço por apreço à verdade – que mesmo que houvesse algum equívoco deveria ser levado em consideração que a atividade de informar é essencialmente especulativa, investigativa e inexata; fosse de outra forma bastaria à população consumir os diversos jornais dos três poderes, ouvir somente a Radiobrás e emissoras públicas de televisão e ler boletins informativos, ficando assim absolutamente informada das verdades oficiais e não mais sujeitas a controvérsias (na visão de quem detém o poder). Claro que esta hipótese é extravagante, mas deve ser lembrada exatamente como o oposto daquilo que informa os países democráticos e civilizados: o livre arbítrio, a responsabilidade e um nível aceitável de risco nas informações.

Quanto às críticas não há o que discutir, pois são apenas opiniões; mais importante do que a opinião de quem critica é a de quem ouve a crítica e acompanha os fatos. A opinião pública se constrói a partir da informação, do questionamento, do desafio, da contestação e do debate .

A liberdade sem adjetivos ou condições sempre moveu o homem - para mantê-la ou conquistá-la - sendo a opinião pública forte e bem-informada a maior garantia do Estado Democrático de Direito. Por esse motivo é fundamental a imunidade dos políticos quando manifestam sua opinião, assim também é da essência do trabalho do Juiz formar livremente sua convicção acerca do processo que está julgando e, claro, da imprensa ao informar, criticar, opinar, exercer juízo de valor ou interpretar acontecimentos de qualquer área.

O dever ético essencial do Jornalista é não faltar com a verdade; comentar ou opinar são atividades que não permitem a mentira, pois a crítica é sempre verdadeira, mesmo que eventualmente equivocada ou superficial.

A liberdade de imprensa, como de religião, pensamento e tantas outras, é garantia constitucional, cláusula pétrea e nuclear do contrato social brasileiro; não pode de forma alguma ser adjetivada, reduzida ou condicionada.

Antes do restabelecimento do Estado Democrático de Direito, no final dos anos setenta, o jornal humorístico “O Pasquim” (e muitos outros órgãos de imprensa, incluindo a revista Veja) era submetido a severa censura prévia; em determinada ocasião os órgãos de segurança suspenderam o controle e retiraram o oficial do Exército que trabalhava dentro da redação lendo as matérias antes de serem publicadas. A edição seguinte do jornal saiu com a manchete “Sem Censura” e um brilhante artigo de conteúdo editorial escrito por Millôr Fernandes, que após algumas observações relatou a despedida do censor, que lhes disse “agora a responsabilidade é de vocês”. Em seu artigo Millôr afirmou que as prisões, torturas, apreensão de edições, a própria censura prévia, censuras supervenientes, pressão contra anunciantes e outras práticas autoritárias apenas demonstravam que a responsabilidade sempre havia sido dos jornalistas, independentemente das restrições do poder à circulação de idéias. A edição do jornal foi imediatamente apreendida.

É este o risco que não podemos em hipótese alguma correr; a cada ponto em que cedemos, consentimos, calamos ou deixamos de nos comprometer com a causa da liberdade perdemos um pouco; a contenção individual se justifica somente nos atos em que a sociedade por consenso a reclama, tal como na prática de um crime ou abuso de um direito. Na questão da liberdade o povo brasileiro, ao elaborar por seus representantes a Constituição-Cidadã foi de uma clareza total: esse direito é absoluto e assim deve ser exercido e respeitado. Todo o resto resume-se a palavras ao vento e areia nos olhos, a desviar perigosamente nossa indispensável e preciosa atenção.

Fiz a reflexão acima pelo fato de que aqui temos apenas uma informação das mais simples, publicada sem adjetivos ou juízos de valor. Mesmo para aquelas correntes do pensamento jurídico que admitem alguma restrição à veiculação de notícias (com o que não concordo), tal se dará apenas em condições excepcionais, como ensinam alguns doutrinadores, como Antonio Jeová Santos: “O óbice intransponível, em que esbarra o direito de informação, é a dignidade da pessoa humana. A dignidade está ligada a valores da personalidade, como o direito à imagem, à honra, ao direito de professar religião, de ter idéias políticas e outras convicções da forma que mais aprouver ao ser humano. Diante de agressão arbitrária a essa faceta da dignidade humana, o Estado-juiz deve interferir para pôr cobro a invasões desnecessárias que podem tornar o homem indigno”.

Ora, quanto à revista e à reportagem não é – nem de longe – o caso dos autos.

No mais, é de ter presente o que dispõe o artigo 220 da Constituição Federal:

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Referidos incisos estabelecem:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Como visto, no mesmo capítulo “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” estão inseridos o direito à informação, o direito à vida, à imagem, à intimidade, à honra.

O autor não teve sacrificada sua honra ou intimidade pela notícia jornalística; isso aconteceu por força de seu passado e dos episódios que o levaram à Justiça e à prisão.

Assim, na linha do acima exposto com brevidades, DOU PROVIMENTO ao apelo, para julgar improcedente e inverter a carga sucumbencial.

Foi o voto.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70040698086, Comarca de Santa Cruz do Sul: "DERAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: ANDRE LUIS DE MORAES PINTO

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