Reexame
STJ determina que TJ/SP reavalie decisão sobre desapropriação milionária na avenida Paulista
Para a 2ª turma, que seguiu o voto do relator, ministro Herman Benjamin, o Tribunal local foi omisso porque não justificou o reexame necessário, sendo que a condenação da Fazenda Pública não foi arbitrada "em quantia superior ao dobro da oferecida".
O reexame necessário consiste na necessidade de que determinadas sentenças sejam confirmadas pelo Tribunal, ainda que não tenha havido nenhum recurso das partes. As sentenças contra o município estão entre aquelas que devem ser submetidas ao reexame. O parágrafo 1º do artigo 28 do decreto lei 3.365/41 (clique aqui) afirma que estará sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença que condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida.
Na origem, a ação discute o pagamento de indenização ao Banerj - Banco do Estado do Rio de Janeiro por desapropriação direta de terreno de mais de 5.000 m², para implantação de parque. Em primeiro grau, o juiz refutou o laudo do perito oficial e acolheu o laudo do assistente técnico do município, no valor de aproximadamente R$ 10,9 milhões. O Poder Público recorreu em relação aos juros e honorários. O banco apelou, pedindo a majoração da indenização para aproximadamente R$ 52,8 milhões.
O TJ/SP, entretanto, julgou prejudicados os recursos voluntários, para dar provimento ao reexame necessário, determinando a anulação da sentença. A Corte Estadual entendeu que o magistrado teria afastado a perícia oficial porque ela não identificou objetivamente um único valor indenizatório. No julgamento surgiram cinco valores diferentes para a indenização. A partir dessa premissa, o TJ/SP concluiu que o correto seria a elaboração de novo laudo técnico.
O município opôs embargos de declaração (recurso ao próprio Tribunal para sanar alguma omissão, contradição ou obscuridade). Alegou que não haveria necessidade de reexame necessário, pois não houve condenação da Fazenda em "quantia superior ao dobro da oferecida". De acordo com o município, o valor atualizado da oferta, à época da sentença, foi de R$ 6,7 milhões, enquanto que a condenação ficou em R$ 10,9. Os embargos foram rejeitados.
No recurso ao STJ, a defesa do Município alegou que houve omissão no acórdão do TJ/SP, e que, segundo a Súmula 45 do próprio STJ, a situação da Fazenda Pública não poderia ser agravada em reexame necessário. Também afirmou que houve desrespeito do artigo 436 do CPC (clique aqui), já que o juiz não tem suas decisões restritas por laudos técnicos.
No seu voto, o ministro Herman Benjamim observou que houve omissão do TJ/SP, porque aquela Corte decidiu sem tratar da questão do reexame necessário e do agravamento da situação do Município. "Não se está adiantando juízo quanto à determinação de nova perícia ou da amplitude cognitiva do TJ em apelação, especificamente, mas apenas reconhecendo que o Município tem direito à manifestação jurisdicional acerca de todos os pontos relevantes para a solução da demanda", esclareceu o ministro Benjamim.
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Processo relacionado : REsp 1204231 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.204.231 - SP (2010/0132665-8)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : JOSÉ LUIZ GOUVEIA RODRIGUES E OUTRO(S)
RECORRIDO : BANCO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO S/A – EM
LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL
ADVOGADO : DONALDO ARMELIN E OUTRO(S)EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.
1. Hipótese em que o Município opôs Embargos de Declaração na origem, alegando que não poderia haver reexame necessário, nos termos do art. 28, § 1º, do DL 3.365/1941, pois inexistia condenação da Fazenda em quantia superior ao dobro da oferecida em Ação de Desapropriação. Ademais, teria ocorrido agravamento do resultado para o Poder Público, o que seria vedado em reexame necessário (Súmula 45/STJ), considerando que o depósito inicial atualizado está acima do valor da condenação.
2. A omissão do Tribunal a quo a respeito de matéria essencial para o deslinde da demanda implica ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Em memoriais, o recorrido argumenta que não se pode conhecer do Recurso por vício formal, pois faltou ser indicada a alínea ("a" ou "c") do permissivo constitucional.
4. A alegação carece de fundamento jurídico ou lógico. A petição recursal deve indicar claramente o dispositivo legal que teria sido violado, sendo irrelevante a menção expressa à alínea "a" do art. 105, III, da CF.
5. No caso, o Município dedica um capítulo todo em sua peça, denominado "Da violação ao art. 535 do CPC e do art. 28, § 1º do Decreto-Lei 3.365/41" (fl. 2.842) e afirma categoricamente, ao formular o pedido recursal, que "o V. Acórdão violou frontalmente (...) os artigos 436 e 535 do Código de Processo Civil, justificando o conhecimento deste recurso pelo artigo 105, III, da Constituição Federal" (fl. 2.849).
6. Recurso Especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). MARCUS VINICIUS VITA FERREIRA, pela parte RECORRIDA:
BANCO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO S/A
Brasília, 07 de abril de 2011(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fl. 2.773):
DESAPROPRIAÇÃO DIRETA - Imóvel localizado na Avenida Paulista - Sentença que acatou o laudo do assistente técnico da Municipalidade - Inadmissibilidade - Inteligência do art. 27 do Decreto lei n° 3.365/41 - Sentença anulada para realização de nova perícia, com observação - Reexame necessário provido, prejudicados os recursos voluntários.
O Município aponta violação:
a) do art. 535 do CPC (omissão – fl. 2.842);
b) do art. 28, § 1º, do DL 3.365/1941, sendo impossível agravar a situação
da Fazenda em caso de reexame necessário, nos termos da Súmula 45/STJ (fl. 2.843);
c) do art. 436 do CPC, porquanto o juiz não está adstrito ao laudo pericial (fl. 2.846); e
d) do art. 538, parágrafo único, do CPC, pois descabe multa em razão de aclaratórios prequestionadores, consoante a Súmula 98/STJ.
O Recurso Especial foi admitido na origem (fl. 2.882).
O MPF opinou pelo não-conhecimento do Recurso Especial (fl. 2.890).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Discute-se o valor da indenização a ser paga pelo Município pela desapropriação de imóvel urbano de 5.396 m², localizado na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, para criação de parque.
O juiz sentenciante refutou o laudo do perito oficial, pois não teria considerado as restrições – fixadas pelo Decreto Estadual 30.433/1989 (fl. 2.467) – sobre o imóvel objeto da desapropriação decorrentes de acordo realizado com o Poder Público à época do alargamento da avenida (fl. 2.465), a legislação local aplicável (fl. 2.466) e, principalmente, a imunidade ao corte em favor das árvores existentes no local.
Por essas razões, o magistrado acolheu o laudo do assistente técnico do Município, no valor de aproximadamente R$ 10,9 milhões (fl. 2.471). O Poder Público recorreu em relação aos juros e honorários (fls. 2.524 e 2.527).
O particular apelou, pedindo a majoração da indenização para aproximadamente R$ 52,8 milhões, nos seguintes termos (fl. 2.546):
As provas produzidas nos autos e a correta interpretação deve ser dada aos dispositivos legais que regem a matéria demandam a pronta reforma da r. sentença para o fim de fixar o valor da justa indenização no montante de R$ 52.815.538,18, corrigidos a partir de março de 2006.
Há nos autos diversas manifestações técnicas de duas empresas altamente conceituadas, da Sra. Perita Judicial, que é a técnica de confiança nomeada pelo V. Juízo a quo e do Sr. Assistente Técnico do Apelante, que é profissional com larga experiência em perícias judiciais.
Todas estas manifestações comprovam, com argumentos técnicos imbatíveis, que o valor da justa indenização não pode ser fixado em montante inferior àquele indicado pela Sra. Perita Judicial, qual seja, R$ 52.815.538, 18.
Além disso, o expropriado apontou diversos outros motivos para o aumento do valor indenizatório, como a singularidade do imóvel (fl. 2.748), o valor venal adota do para fins do IPTU (fl. 2.572), o direito adquirido (fl. 2.557), a realidade das restrições ambientais (fl. 2.567), além de pleitear a majoração dos honorários (fl. 2.575) e a incidência de juros compensatórios e moratórios (fl. 2.577).
O TJ-SP, entretanto, julgou prejudicados os recursos voluntários, para dar "provimento ao reexame necessário, determinando a anulação da sentença" (fl. 2.780). A Corte Estadual entendeu que o magistrado teria afastado a perícia oficial porque ela não identificou objetivamente um único valor indenizatório. A partir dessa premissa, concluiu que o correto seria determinar novo laudo técnico, razão pela qual anulou a sentença.
O Município opôs Embargos de Declaração, alegando que não há reexame necessário, nos termos do art. 28, § 1º, do DL 3.365/1941, pois não houve condenação da Fazenda em "quantia superior ao dobro da oferecida".
Ademais, teria ocorrido agravamento do resultado para o Poder Público, o que seria vedado em reexame necessário (Súmula 45/STJ). Transcrevo os trechos dos Embargos de Declaração a que me refiro (fls. 2.784-2.785 e 2.786):
O MM. Juízo "a quo" exarou que a sentença está sujeita ao reexame necessário.
No entanto, o art. 28, § 1º, do Decreto-lei 3.365/41 dispõe que:
§ 1º A sentença que condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida fica sujeita ao duplo grau de jurisdição.
No caso em exame, a oferta foi de R$ 6.498.498,24 – fevereiro/2006; a indenização fixada foi de R$ 10.991.449,65 – maio/2007.
Atualizada a oferta para a mesma data da indenização, temos o valor de R$ 6.763.834,71 – maio/07; o seu dobro corresponde a R$ 13.527.669,42 – maio/07, superior, portanto, ao valor fixado na indenização.
Neste caso, o reexame necessário não poderia ser conhecido por este E. Tribunal.
(...)
Por outro lado, no reexame necessário não pode a Fazenda Pública ser prejudicada, conforme já enunciado pelo STJ, na súmula nº 45, a qual dispõe: "No reexame necessário é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública".
O recorrente apontou também, ainda naqueles aclaratórios, obscuridade quanto aos arts. 335 e 436 do CPC (fls. 2.788-2.789).
Os Embargos de Declaração foram rejeitados pelo TJ-SP, com aplicação de multa, sem manifestação a respeito desses pontos (fl. 2.834).
De fato, a Corte Estadual restringiu-se a reiterar as razões do acórdão embargado, com fartas transcrições, sem mencionar a questão do reexame necessário e do agravamento da situação do Município.
Parece-me, entretanto, que esses pontos são essenciais para o deslinde da demanda.
Reitero que o Município recorreu apenas no que se refere aos honorários e aos juros, pois, quanto ao valor indenizatório, o magistrado de primeira instância acolheu exatamente o laudo do assistente técnico do expropriante. O TJ-SP, entretanto, deu provimento ao reexame necessário para anular a sentença e determinar a realização de nova perícia.
Tudo isso considerando que nenhuma das partes, em seus respectivos recursos voluntários (prejudicados pelo suposto reexame necessário), suscitou a nulidade da sentença por conta da perícia oficial ou do livre convencimento do juiz. É importante lembrar que o particular defende o laudo oficial, que acabou sendo totalmente desconsiderado pelo TJ-SP ao anular a sentença e determinar a elaboração de novo trabalho técnico por experto judicial (fl. 2.546).
Não se está adiantando juízo quanto à determinação de nova perícia ou da amplitude cognitiva do TJ em Apelação, especificamente, mas apenas reconhecendo que o Município tem direito à manifestação jurisdicional acerca de todos os pontos relevantes para a solução da demanda.
Afasta-se, evidentemente, a multa do art. 538, parágrafo único, do CPC,ficando prejudicadas as demais questões recursais. Em memoriais, o recorrido argumenta que não se pode conhecer do Recurso Especial por vício formal, pois não teria sido indicada a alínea ("a" ou "c") do permissivo constitucional.
A alegação carece de fundamento jurídico ou lógico. A petição recursal deve indicar claramente o dispositivo legal que teria sido violado, sendo irrelevante a menção expressa à alínea "a" do art. 105, III, da CF. No caso, o Município dedica um capítulo todo em sua peça denominado "Da violação ao art. 535 do CPC e do art. 28, § 1º do Decreto-Lei 3.365/41" (fl. 2.842) e afirma categoricamente, ao formular o pedido recursal, que "o V. Acórdão violou
frontalmente (...) os artigos 436 e 535 do Código de Processo Civil, justificando o conhecimento deste recurso pelo artigo 105, III, da Constituição Federal" (fl. 2.849).
Os precedentes citados pelo recorrido (AgRg no Ag 600.449/PR e AgRg no Ag 516.986/SP) não analisaram a fundo a questão. No primeiro precedente, da Segunda Turma, relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, não se conheceu do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento por ausência de impugnação adequada (Súmula 182/STJ), conforme o seguinte trecho do voto-condutor:
Interposto então o presente agravo regimental, limitou-se a agravante a alegar que o recurso especial aponta com clareza a violação dos arts. 4º, 7º, inciso II, e 20, inciso VI, da Lei 8.036/90, não impugnando, em nenhum momento, o fundamento posto no decisório agravado, qual seja, a não-indicação do permissivo constitucional viabilizador do apelo extremo.
Aplica-se, pois, à espécie o enunciado da Súmula n. 182/STJ, uma vez que os motivos do decisório ora atacado, por não terem sido impugnados, restaram incólumes.
No segundo precedente, da Quarta Turma, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini (relator), Sua Excelência realmente defende a impossibilidade de conhecimento se o recorrente não aponta o permissivo constitucional, mas fundamenta seu entendimento em jurisprudência absolutamente diversa, com a devida vênia.
De fato, o Ministro Jorge Scartezzini cita o REsp 220.256/SP (rel. Min. José Delgado) que exige, para conhecimento do recurso, a indicação do "dispositivo e alínea que autorizam sua admissão". Transcrevo a ementa correspondente:
(...)
1. O recurso, para ter acesso à sua apreciação neste Tribunal, deve indicar, quando da sua interposição, expressamente, o dispositivo e alínea que autorizam sua admissão. Da mesma forma, cabe ao recorrente, ainda, mencionar, com clareza, as normas que tenham sido contrariadas ou cuja vigência tenha sido negada (AG nº 4719/SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJU de 20/09/90, pág. 9762; REsp nº 4485/MG, Rel. Min. Nilson Naves, DJU de 15/10/90, pág. 11190; REsp nº 6702/RS, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJU de 11/03/91, pág. 2399). Em assim não ocorrendo, ou se dê de modo deficiente, o recurso torna-se inadmissível.
(...)
7. Recurso Especial improvido.
(REsp 220256/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/09/1999, DJ 18/10/1999, p. 215) Veja-se que, naquele caso (REsp 220.256/SP), que fundamentou o precedente relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, o recorrente não indicou nada: nem o dispositivo que teria sido violado, nem a alínea do permissivo constitucional.
Por essa razão, com todo o respeito, a simples ausência de indicação da alínea não implica afastar o conhecimento do Recurso Especial.
Reitero que a pretensão do recorrido, se acolhida, premiará o formalismo pelo formalismo, considerando que a petição recursal indica clara e objetivamente qual dispositivo da legislação federal teria sido violado (art. 535 do CPC, no caso), que é, afinal, o que exige a Constituição Federal.
Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial para que o TJ-SP manifeste-se expressamente sobre o art. 28, § 1º, do DL 3.365/1941 e a aplicação do disposto na Súmula 45/STJ.
É como voto.
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