Direitos homossexuais
Ministro Ayres Britto vota pela equiparação da união homoafetiva estável à entidade familiar
Dispõe o artigo:
"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável."
A interrupção ocorreu depois que o relator, ministro Ayres Britto, havia julgado procedentes as duas ações para dar ao art. 1.723 do Código interpretação conforme a CF/88 (clique aqui). Antes do voto de mérito, o ministro havia convertido também a ADPF 132 em ADIn, a exemplo do que ocorrera anteriormente com a ADIn 4277, que também havia sido ajuizada, inicialmente, como ADPF.
Pedidos
A ADIn 4277 foi ajuizada pela PGR com pedido de interpretação conforme a CF/88 do art. 1.723 do CC, para que se reconheça sua incidência também sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, de natureza pública, contínua e duradoura, formada com o objetivo de constituição de família.
A PGR sustenta que o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar fere os princípios da dignidade humana, previsto no art. 1º, inciso III, da CF/88; da igualdade (art. 5º, caput, da CF/88); da vedação de discriminação odiosas (art. 3º, inciso V, da CF/88); da liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica (art. 5º, caput), todos da CF/88.
Com igual objetivo, considerando a omissão do Legislativo Federal sobre o assunto, o governo do RJ ajuizou a ADPF 132. Também ele alega que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da CF/88.
Manifestações
O voto do ministro Ayres Britto foi precedido de manifestações da AGU, da PGR e de diversas entidades representativas de homossexuais pela procedência das duas ações, enquanto a CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Associação Eduardo Banks se manifestaram contra.
O representante da CNBB alegou que a CF/88 não prevê este tipo de união. Segundo ele, a CF/88 estabelece limitação expressa, ao prever união estável entre homem e mulher, e não entre seres do mesmo sexo. Portanto, de acordo com o advogado, não se trata de uma lacuna constitucional. Logo, não caberia ao Judiciário, mas sim ao Legislativo, se for o caso, alterar o correspondente dispositivo constitucional.
Voto
Em seu voto, o ministro Ayres Britto lembrou que foi dito na tribuna que o art. 1.723 do CC é quase uma cópia do parágrafo 3º do art. 226 da CF/88. Mas ressaltou que "há uma diferença fundamental". Isto porque, segundo ele, "enquanto a CF/88 nos fornece elementos para eliminar uma interpretação reducionista, o Código Civil não nos dá elementos, ele sozinho, isoladamente, para isolar dele uma interpretação reducionista".
"Agora, o texto em si do artigo 1.723 é plurissignificativo, comporta mais de uma interpretação", observou ainda. "E, por comportar mais de uma interpretação, sendo que, uma delas se põe em rota de colisão com a Constituição, estou dando uma interpretação conforme, postulada em ambas as ações".
Na sustentação do seu voto, o ministro Ayres Britto disse que em nenhum dos dispositivos da CF/88 que tratam da família – objeto de uma série de arts. da CF/88 – está contida a proibição de sua formação a partir de uma relação homoafetiva. Também ao contrário do que dispunha a Constituição de 1967 (clique aqui), segundo a qual a família se constituía somente pelo casamento, a CF/88 evoluiu para dar ênfase à instituição da família, independentemente da preferência sexual de seus integrantes.
Ele argumentou, também, que o art. 3º, inciso IV, da CF/88, veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
"O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica", observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do art. 3º da CF/88.
Ele lembrou, neste contexto, que a União Europeia baixou diversas resoluções exortando seus países membros que ainda mantenham legislação discriminatória contra homossexuais que a mudem, para respeitar a liberdade e livre determinação desses grupos.
Ademais, conforme argumentou, a CF/88 "age com intencional silêncio quanto ao sexo", respeitando a privacidade e a preferência sexual das pessoas. "A Constituição não obrigou nem proibiu o uso da sexualidade. Assim, é um direito subjetivo da pessoa humana, se perfilha ao lado das clássicas liberdades individuais".
"A preferência sexual é um autêntico bem da humanidade", afirmou ainda o ministro, observando que, assim como o heterossexual se realiza pela relação homossexual, o homoafetivo tem o direito de ser feliz relacionando-se com pessoa do mesmo sexo.
Por fim, o ministro disse que o art. 1723 do CC deve ser interpretado conforme a CF/88, para dele excluir "qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como 'entidade familiar', entendida esta como sinônimo perfeito de 'família'".
Clique aqui e leia a íntegra do voto do ministro Ayres Britto.
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