Justiça Federal
JF vai à Cidade de Deus para prestar orientação jurídica e inscrever estudantes em programa de visita ao fórum
Vanilce Maria Ramos de Oliveira tem 48 anos, quase todos vividos na Cidade de Deus, uma comunidade de 38 mil habitantes na zona oeste do Rio de Janeiro. Empregada doméstica, ela teve três filhos com o marido, funcionário de uma empresa de segurança e vigilância patrimonial. Um dia, em 1990, ele saiu para trabalhar e desapareceu. Só dezesseis anos mais tarde Vanilce conseguiu um registro de morte presumida, com o qual foi possível obter, em juízo, a pensão da previdência: "As pessoas me diziam que eu tinha direito aos atrasados, desde o dia em que ele sumiu. Eu ficava com essa dúvida, não tinha quem me desse uma certeza".
O esclarecimento veio no dia 30/4, graças à participação da Justiça Federal da 2ª região (que abrange os estados do Rio e do Espírito Santo), no primeiro evento itinerante da futura Casa de Direitos, que ocupará um prédio onde funcionou a Fundação Leão XIII no bairro carioca. A juíza Federal Flávia Heine, da Coordjefs - Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 2ª região, explicou para a segurada que a sentença reconhecera o direito ao benefício a partir daquela data em 2006, quando fora declarada a morte presumida, não sendo cabível o pedido de levantamento de atrasados. A resposta não empanou o entusiasmo de Vanilce com a iniciativa da instituição: "Achei o atendimento maravilhoso. É muito bom a gente ter essa segurança, essa firmeza que a juíza me passou. Eu posso continuar tocando a vida sem me preocupar mais com isso. E o melhor é ter esse serviço aqui pertinho de casa, não precisar faltar o serviço para ir até o centro", comemora a mãe de uma moça de 26 anos e dois rapazes, de 24 e 21. A participação da JF na Casa de Direitos está a cargo da Coordjefs, dirigida pelo desembargador Federal Guilherme Calmon, que também esteve presente no evento.
O pensamento de Vanilce Oliveira vai direto a um ponto defendido pela presidente do TRF da 2ª região, desembargadora Federal Maria Helena Cisne, uma das muitas autoridades que prestigiaram o evento da Casa de Direitos. Para ela, é fundamental a atuação da JF esclarecendo a população, principalmente porque esse ramo do Judiciário lida com causas que afetam a clientela com menor poder aquisitivo, como as previdenciárias. Mas mesmo que não seja possível dar esperança em uma ou outra situação específica, quem é atendido com atenção e respeito sente-se valorizado como cidadão: "Nós lidamos com questões cruciais para os mais carentes, como as que dizem respeito aos benefícios assistenciais de prestação continuada prescritos pela CF/88. É por conta disso que buscamos promover uma cultura de conciliação permanente e avançada, para solucionar as ações com maior rapidez. Nossa proposta é convocar os entes públicos que são os réus mais frequentes na Justiça Federal, como o INSS e a Caixa Econômica, para tentar sempre a conciliação, inclusive em fase pré-processual, ou seja, antes mesmo de a petição ser protocolizada", explicou.
A coordenadora da campanha pela conciliação no CNJa, juíza Morgana Richa, do TRT da 9ª região/PR, concorda: "Este evento acontece no melhor local onde poderia acontecer, onde está uma população que ainda demanda direitos básicos. E a conciliação, por tal razão, tem a cara deste projeto. A conciliação é forma mais rápida, simples e eficaz de solução dos conflitos e é a porta de entrada para a Justiça", disse.
Um caso que ilustra bem é o do ajudante de caminhão Carlos Alberto Pereira Lemos. Ele teve um dedo decepado por serra elétrica e passou a receber auxílio-doença, em 1994. Analfabeto, sua realocação em outra atividade não foi possível e ele continua a contar com o benefício, que, hoje, é de pouco mais de 200 reais: "Falam que a gente não pode receber menos que um salário mínimo, mas eu recebo", queixa-se. Ao ouvir seu caso, a juíza de plantão no evento da Casa de Direitos, que começou de manhã e se estendeu até o começo da noite, encaminhou o segurado para a DPU, também participante do projeto, para eventualmente redigir uma petição e dar entrada em processo na JF.
Paz reconquistada
Outro aspecto, o que tornou viável a ação da JF na Cidade de Deus, foi lembrado pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na abertura do evento. Ele falou da paz conquistada recentemente pelos moradores do local. Em 2009, o bairro que até então era conhecido como um dos mais violentos bastiões do narcotráfico na capital fluminense recebeu uma unidade de polícia pacificadora (UPP) e a área de mais de 135 mil metros quadrados passou a viver uma nova realidade: "Há muito pouco tempo seria impensável estarmos reunidos aqui para este trabalho. Hoje vivemos o que já foi um sonho e hoje é um símbolo e um exemplo para todo o país", comemorou Cardozo. "Esta é hoje uma região ocupada pela paz. Não se trata de uma simples ocupação territorial, mas da presença efetiva do Estado, oferecendo perspectivas de cidadania e de reparação de direitos lesados. No Brasil, é comum vermos movimentos sazonais, mas na Casa de Direitos temos uma política que veio para ficar", completou o ministro, que ainda afirmou que o espaço físico, reformado através de convênio com a Caixa econômica Federal, deverá ser inaugurado em aproximadamente quatro meses.
O projeto Casa de Direitos é fruto do Acordo de Cooperação 1, firmado entre o CNJ, o MJ, o TRF da 2ª região e outras instituições, como o TRT da capital fluminense, o TJ/RJ, as DPUs do Rio de Janeiro e o MP. A proposta é oferecer à população de comunidades pacificadas serviços como os prestados pelos juizados especiais, bem como assistência jurídica gratuita.
A montagem da estrutura física da Casa ficou a cargo da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, com a qual as instituições participantes assinaram acordo de cooperação técnica. Para o subsecretário de Direitos Humanos do Estado, Antonio Carlos Biscaia, a iniciativa marca uma importante mudança na história da República: "Estamos dando um exemplo para a nação. Vamos deixar para nossos filhos e netos um Brasil melhor", comemorou na abertura do evento.
Em abril, foi realizada uma audiência pública com os moradores da Cidade de Deus, para identificar as demandas dos cidadãos. Os serviços que deverão ser oferecidos pelas instituições parceiras estarão alinhados com o resultado dessa audiência.
Conhecendo a JF
Ainda no evento do dia 30 de abril, a Justiça Federal apresentou o projeto "Conhecendo a Seção Judiciária do Rio de Janeiro", criado pela seção de Relações Públicas da primeira instância para alunos do ensino médio. Os alunos passam uma tarde no fórum da Avenida Rio Branco, na Cinelândia, e aprendem sobre a estrutura e o funcionamento da instituição, bem como sobre o seu papel social. A programação conta com uma conversa informal com um juiz federal, simulação de uma audiência judicial, visita guiada ao Centro Cultural JF e lanche.
Entre o material distribuído, estão exemplares da CF/88 para os estudantes e um DVD institucional para o educador responsável, com o qual o professor pode aprofundar na sala de aula as informações recebidas. O transporte de ida e volta entre a escola e a seção Judiciária fica por conta do projeto, que, para isso, firmou parceria com a Fetranspor. Após a visita, são conferidos certificados de participação.
Interessado em saber mais sobre a programação, o professor Iremar Negromonte, que leciona nos três anos do ensino médio do Colégio Estadual Embaixador Dias Carneiro, foi um dos que prestigiaram o evento na Casa de Direitos. O Colégio fica no Largo do Tanque, bairro vizinho à Cidade de Deus. O docente, que responde pela disciplina de projetos da sua escola, recebeu as informações - e já inscreveu uma turma para a visitação no dia 10 de junho - da supervisora da seção de Relações Públicas, Íris Souza Dantas de Farias: "Os jovens precisam muito receber noções de cidadania e, dentre esses conhecimentos, estão os relacionados ao Poder Judiciário, que é muito desacreditado entre a população pobre. Os jovens precisam ampliar sua consciência e servir de multiplicadores na comunidade, com os pais, os amigos. Precisamos aproximá-los das instituições públicas, abrir seus olhos para o mundo. A realidade deles é muito restrita. Eles sabem pouco do que acontece para além do bairro. Conhecer a Justiça é conhecer as leis do país. A lei é para todas as classes sociais, para os ricos e para os pobres. A lei é boa. Faz bem respeitar a lei, respeitar o próximo e confiar no Estado", declarou o professor.
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Foto : TRF da 2ª região
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