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STF - Incabível reclamação contra decisão de 1º grau contrária à repercussão geral

Reclamações propostas contra decisões divergentes do entendimento do STF em casos de repercussão geral que saltem instâncias podem ter sua admissibilidade negada monocraticamente pelo ministro-relator. A discussão sobre o tema foi suscitada pela ministra Ellen Gracie, ao relatar a reclamação 10793, ajuizada pela IBM contra decisão de 1º grau da JT contrária à jurisprudência do STF. O processo foi analisado pelo plenário na sessão do dia 13/4.

26/4/2011

STF

Incabível reclamação contra decisão de 1º grau contrária à repercussão geral

Reclamações propostas contra decisões divergentes do entendimento do STF em casos de repercussão geral que saltem instâncias podem ter sua admissibilidade negada monocraticamente pelo ministro-relator. A discussão sobre o tema foi suscitada pela ministra Ellen Gracie, ao relatar reclamação (Rcl 10793 - clique aqui), ajuizada pela IBM contra decisão de 1º grau da JT contrária à jurisprudência do STF. O processo foi analisado pelo plenário na sessão do dia 13/4.

No caso concreto, a reclamação foi apresentada pela IBM contra decisão da JT de 1º grau em ação trabalhista movida em desfavor de uma empresa prestadora de serviços à IBM. A prestadora, em processo de falência que corre na 1ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, está com seus bens indisponíveis, e a 10ª vara do Trabalho de Campinas condenou a IBM subsidiariamente ao pagamento da dívida, executando-a imediatamente.

Na reclamação ao STF, a IBM alegou que a decisão da vara do Trabalho contrariou a jurisprudência do STF, com repercussão geral reconhecida, de que a JT não tem competência para processar e julgar a execução de créditos trabalhistas de empresas em recuperação judicial: a execução de todos os créditos, inclusive os trabalhistas, deve ser processada pelo juízo universal da falência (RE 583955 - clique aqui).

Ao trazer o caso a julgamento, a ministra Ellen Gracie, depois de votar pelo não conhecimento da reclamação, sugeriu que o plenário autorizasse a adoção da rejeição monocrática de reclamações movidas contra decisões de 1º grau passíveis de correção pelos tribunais que ocupam posição intermediária no sistema judiciário – os TRTs, TRFs e TJs e, em instância extraordinária, pelo TST e o STJ.

A argumentação da ministra foi no sentido de que a reclamação é cabível, classicamente, para preservar a competência do Tribunal e para garantir a autoridade de suas decisões (artigo 102, inciso I, letra "l" da CF/88 - clique aqui). Assim, a cassação ou revisão das decisões dos juízes de 1º grau contrárias às orientações adotadas pelo STF em matéria com repercussão geral reconhecida (tomadas em sede de controle constitucional difuso) devem ser feitas pelo tribunal a que estiverem vinculados, pela via recursal ordinária – agravo de instrumento, apelação, agravo de petição, recurso ordinário ou recurso de revista, conforme a natureza da decisão. "A atuação do STF deve ser subsidiária, só se justificando quando o próprio tribunal negar observância ao leading case da repercussão geral", defendeu.

Caso contrário, avalia a ministra, o instituto da repercussão geral, "ao invés de desafogar o STF e liberá-lo para discutir as grandes questões constitucionais, passaria a assoberbá-lo com a solução dos casos concretos, inclusive com análise de fatos e provas, trabalho que é próprio (e exclusivo, diga-se de passagem) dos tribunais de segunda instância". A reclamação, portanto, segundo o entendimento do plenário, não deve substituir as vias recursais ordinárias e extraordinárias.

"O acesso ao STF não se faz aos saltos", afirmou Ellen Gracie. "Apenas naquela hipótese rara em que algum tribunal mantenha posição contrária ao do STF é que caberia ao Plenário se pronunciar em sede de recurso extraordinário, para cassação ou reforma. Continua competindo aos tribunais de origem a solução dos casos concretos, cabendo-lhes observar a orientação adotada pelo STF no exame das matérias com repercussão geral", concluiu.

Leia abaixo a íntegra do voto da ministra Ellen Gracie.

_______________

RECLAMAÇÃO 10.793

VOTO

A Senhora Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. Ressalte-se, de início, que decisão suspensiva nestes autos de reclamação pressupõe a análise de questão preliminar de alta relevância, qual seja a da admissibilidade da reclamação em casos de decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal quando a matéria tratada no recurso extraordinário tenha a repercussão geral reconhecida.

Por isso, eminentes Ministros, entendi ser recomendável a apreciação única e definitiva da matéria pelo Plenário desta Suprema Corte.

2. A via estreita da reclamação se presta, classicamente, à preservação da competência do Tribunal e à garantia da autoridade de suas decisões, nos termos do art. 102, I, l, da Constituição. Pressupõe, a princípio, que matéria da competência originária deste Tribunal esteja sendo analisada por outro órgão jurisdicional ou que esteja havendo desobediência a decisão do Supremo Tribunal Federal cuja observância se imponha. Seu cabimento tem sido restrito aos casos abrangidos pela força vinculante da nova súmula (SV) ou quando se trate de decisão proferida na lide individual de que se cuida.

3. Todavia, a alegação de afronta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada em controle difuso de constitucionalidade no julgamento do Recurso Extraordinário 583.955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe 28.8.2009, merece a devida atenção por parte desta Corte.

4. Tudo porque é inerente ao sistema inaugurado pela EC 45/2004 que decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral vinculem os demais órgãos do Poder Judiciário no que diz respeito à solução, por estes, de outros feitos sobre idêntica controvérsia.

Cabe aos juízes e desembargadores respeitar a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal tomada em sede de repercussão geral, assegurando racionalidade e eficiência ao Sistema Judiciário e concretizando a certeza jurídica sobre o tema.

Se assim não for, admitidas decisões díspares do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em processos com repercussão geral, haverá gradativamente o enfraquecimento de toda a sistemática estabelecida pelo Congresso Nacional.

5. O legislador, contudo, não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o ônus de fazer aplicar diretamente a cada caso concreto seu entendimento.

O instituto da repercussão geral sobreveio como instrumento para desafogar o Supremo Tribunal Federal e racionalizar a sua atividade jurisdicional, restringindo o conhecimento dos recursos extraordinários àqueles que apresentem questão constitucional de tal relevância que sua solução seja do interesse da sociedade e não apenas das partes. Daí porque se tem falado na objetivação do julgamento dos recursos extraordinários a partir da implantação do requisito da repercussão geral.

Ademais, a Lei 11.418/2006 evita que esta Corte seja sobrecarregada por recursos extraordinários fundados em idêntica controvérsia, pois atribuiu aos demais Tribunais a obrigação de os sobrestarem e a possibilidade de realizarem juízo de retratação para adequarem seus acórdãos à orientação de mérito firmada por esta Corte.

Apenas na hipótese rara de que algum Tribunal mantenha posição contrária à do Supremo Tribunal Federal, é que caberá a este se pronunciar, em sede de recurso extraordinário, sobre o caso particular idêntico para a cassação ou reforma do acórdão, nos termos do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil.

É dizer, continua competindo aos Tribunais de origem a solução dos casos concretos, cabendo-lhes, no exercício deste mister, observar a orientação fixada em sede de repercussão geral.

6. No caso presente, temos decisão proferida por Juiz do Trabalho em execução trabalhista, que desafia recurso de embargos à execução perante o próprio Juízo de primeira instância (art. 884 da CLT) e, posteriormente, a interposição de agravo de petição para o Tribunal Regional do Trabalho (art. 897, a, da CLT).

A cassação ou revisão das decisões dos Juízes de primeiro grau, contrárias à orientação firmada em sede de repercussão geral, deve ser feita pelo Tribunal a que estiverem vinculados, pela via recursal ordinária, normalmente mediante agravo de instrumento, apelação, agravo de petição, recurso ordinário ou recurso de revista, conforme a natureza da decisão recorrida.

A atuação desta Corte, há de ser subsidiária, só se justificando quando o próprio Tribunal a quo negar observância ao leading case da repercussão geral, ensejando, então, a interposição e a subida de recurso extraordinário para cassação ou revisão do acórdão, conforme previsão legal específica constante do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil.

Caso contrário, o instituto da repercussão geral, ao invés de desafogar esta Corte e liberá-la para a discussão das grandes questões constitucionais, passaria a assoberbá-la com a solução dos casos concretos, inclusive com análise de fatos e provas, trabalho que é próprio e exclusivo dos Tribunais de segunda instância.

7. Não é dado às partes de uma ação judicial, portanto, ajuizarem Reclamação perante esta Corte quando se depararem com decisões contrárias ao entendimento firmado em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. Não se deve substituir as vias recursais ordinária e extraordinária pela via da reclamação. O acesso ao STF não se faz per saltum.

8. Se, de um lado, não há dúvida de que a reclamação é instrumento voltado à preservação da competência do Tribunal e à garantia da autoridade de suas decisões, nos termos do art. 102, I, l, da Constituição, de outro, este Tribunal já assentou reiteradas vezes que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo de recursos ou ações cabíveis (Reclamações 603/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 12.02.1999; 968/DF, rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ 29.6.2001; 2.933- MC/MA, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 14.3.2005; 2.959/PA, rel. Min.Ayres Britto, DJ 09.02.2005).

9. Lembro, ainda, o que o Plenário desta Corte decidiu no julgamento da Reclamação 6.534-AgR/MA, relator o Ministro Celso de Mello: “o remédio constitucional da reclamação não pode ser utilizado como um (inadmissível) atalho processual destinado a permitir, por razões de caráter meramente pragmático, a submissão imediata do litígio ao exame direto do Supremo Tribunal Federal” (DJe 17.10.2008).

10. A construção de um sistema novo e, mais que isso, a implantação efetiva de uma noção de sistema no Poder Judiciário, – até bem pouco concebido por seus operadores como um conjunto de instâncias divorciadas entre si, formando verdadeiro arquipélago –, exige desta Corte um trabalho didático importante.

Caso a ora reclamante tivesse ajuizado Reclamação a esta Casa e houvesse perdido o prazo para obter a correção necessária, pela via adequada, tal equívoco, escusável pela própria novidade processual que corresponde à repercussão geral e seus efeitos, não a deveria desfavorecer, nem permitir a perpetuação de decisão frontalmente contrária ao entendimento vinculante adotado pelo Supremo Tribunal Federal, porque a parte teria agido de boa-fé. A solução adequada nessa hipótese, e que já temos adotado em hipóteses similares, deverá corresponder à remessa do questionamento ao Tribunal competente para a revisão das decisões interlocutórias do Juízo de primeiro grau a fim de que aquela Corte o aprecie como o recurso cabível na espécie.

Idêntica solução proponho seja autorizada aos relatores quando se tratar de alegação de ofensa à jurisprudência desta Corte, consubstanciada em decisão de primeiro grau, passível de correção pelos Tribunais que tenham posição intermediária no sistema judiciário.

No caso presente, tal medida não se mostra necessária, tendo em vista que o Juízo da 10ª Vara do Trabalho de Campinas em 08.6.2010 determinou, em execução trabalhista, que a empresa IBM Brasil Indústria, Máquinas e Serviço Ltda., responsável subsidiária na condenação, efetuasse o pagamento do montante apurado em liquidação ou indicasse bens à penhora, e a empresa interpôs embargos à execução perante o mencionado Juízo de primeiro grau, que é o recurso cabível na espécie. Compete ao magistrado de primeiro grau, agora advertido da superveniência da manifestação do STF – que fixou no Juízo de Falência, a competência para a execução de quaisquer débitos contra a massa –, reconsiderar sua manifestação anterior. Na hipótese, de todo improvável, de que não o faça, cabível ainda o recurso de agravo ao TRT correspondente.

11. Por essas razões, não conheço a presente reclamação, ficando prejudicado o pedido de medida liminar.

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