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TJ/GO – Transexual consegue autorização para mudar nome e sexo no registro civil

Sob o entendimento de que a dignidade humana deve ser preservada, o juiz Isaac Costa Soares de Lima, da comarca de Planaltina/GO, em atuação na 2ª vara, determinou que o registro civil de um transexual seja alterado, mudando o nome e sexo constantes em seu documento. O magistrado determinou também que não haja, no novo registro, qualquer menção à sua condição anterior, como usualmente ocorre em alterações em registros civis.

7/4/2011


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TJ/GO – Transexual consegue autorização para mudar nome e sexo no registro civil

Sob o entendimento de que a dignidade humana deve ser preservada, o juiz Isaac Costa Soares de Lima, da comarca de Planaltina/GO, em atuação na 2ª vara, determinou que o registro civil de um transexual seja alterado, mudando o nome e sexo constantes em seu documento. O magistrado determinou também que não haja, no novo registro, qualquer menção à sua condição anterior, como usualmente ocorre em alterações em registros civis.

O autor da ação afirma que nasceu em maio de 1984, sendo registrado como do sexo masculino, e que em outubro de 2010 submeteu-se a uma cirurgia de mudança de sexo. Ele e uma testemunha relataram casos em que o autor sofreu constrangimentos em razão do nome e do gênero masculino. Assim, pretendeu a alteração no registro civil.

O juiz Isaac Costa Soares de Lima considerou que era impossível ao autor ter uma vida normal sem a alteração, alegando que tratava-se de uma questão de preservar a dignidade humana.

Para o magistrado, o pedido está amparado pela lei dos registros públicos, que estabelece, no art. 109, que "caso se constate o prenome ser capaz de expor o seu titular a situações de vexame, a alteração deve ser deferida (…)".

O magistrado relatou que embora haja entendimentos diferentes sobre o tema, ele comunga com a maioria da doutrina e da jurisprudência no sentido de que a CF/88 (clique aqui) "tem como fundamento a dignidade da pessoa humana". Assim, ficou inegável que "o autor tem, em tese, o direito de pleitear a mudança de nome – para que não seja exposto a situação vexatória – e também ao gênero constante no registro – este em nome da dignidade da pessoa humana e da sua saúde mental".

O MP mostrou-se favorável à alteração, e afirmou que testes psicológicos demonstram que o requerente se apresenta como mulher. Ao determinar que nada conste em seu novo registro a respeito das alterações, o juiz citou o art. 5° da CF/88, segundo o qual "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas".

Veja abaixo a íntegra da decisão.

______________

SENTENÇA

XXX, devidamente qualificado, requereu a retificação no assento de nascimento, alegando que nasceu no dia 00 de MÊS de 0000, sendo registrado com o sexo masculino e no dia 00 de MÊS de 0000 submeteu-se a uma cirurgia de mudança de sexo, motivo pelo qual requer que conste em seu registro de nascimento o nome de YYY e o sexo feminino.

Juntou documentos de fls. 11/18.

Durante a instrução processual foi ouvido o requerente e uma testemunha.

Verifica-se através dos documentos apresentados e das oitivas que o requerente se apresenta como mulher, conhecida por YYY e tendo submetido a cirurgia de mudança de sexo com acompanhamento psicológico.

O Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao pedido.

Breve relato.

Decido.

Consta dos autos que o requerente XXX requereu a mudança de nome, bem como a alteração do sexo para feminino em seu assento de nascimento.

O pleito deduzido na exordial está amparado pela Lei dos Registros Público, que em seu artigo 109 estabelece:

“Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento de Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório.”

A alteração do prenome, de outra banda, encontra respaldo na mesma norma legal, mais especificamente nos artigos 55 parágrafo único e 56, da Lei nº 6.015/73.

A propósito, Walter Ceneviva, em sua obra “Lei dos Registros Públicos Comentada” (15ª ed., 2002, ed. Saraiva, pág. 126), ressalta que “uma vez que se constate ser o prenome capaz de expor o seu titular a situações de vexame, a alteração deve ser deferida, a seu requerimento, com a prova, por ele, da verificação de vexame”.

Vê-se, pois, que encontra abrigo legal a alteração do prenome pretendida.

Apesar de existirem entendimentos contrários ao pedido do autor, comungo com a maioria da doutrina e da jurisprudência, no sentido de que a Constituição da República, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Ainda da chamada Constituição cidadã emerge que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) IV – promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idades e quaisquer outras formas de discriminação.” (art. 3º, inciso IV).

Mais adiante, ao tratar dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, ressoa da Carta Maior que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, á liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas...” (CF/88, art. 5º, inciso X).

O caso dos autos revela, sem sombra de dúvidas, a transexualidade do autor.

Segundo Tereza Rodrigues Vieira, em artigo intitulado “Adequação de Sexo do Transexual: Aspectos Psicológicos, Médicos e Jurídicos” publicado no site da conceituada Universidade Mackenzie (www.mackenzie.com.br/universidade/psico/publicação/revista2.2/artg.pdf) ensina:

“Transexual, é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodiscordância de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. Culpar este indivíduo é o mesmo que culpar a bússola por apontar para o norte. O componente psicológico do transexual caracterizado pela convicção íntima do indivíduo de pertencer a um determinado sexo se encontra em completa discordância com os demais componentes, de ordem física, que designaram seu sexo no momento do nascimento. Sua convicção de pertencem ao sexo oposto àquele que lhe fora oficialmente dado é inabalável e se caracteriza pelas primeiras manifestações da perseverança desta convicção, segundo uma progressão constante e irreversível, escapando a seu livre arbítrio”.

Portanto, sobressai dos autos que a opção pelo transexualismo não é feita propriamente pelo transexual. É ele, de fato, uma mulher, mas com corpo de homem.

Conforme colhido através do depoimento testemunhal nesta assentada, o autor passou por inúmeros constrangimentos em razão do nome e do gênero masculino, sendo impossível ter uma vida normal, sem que tenha seu nome e seu gênero alterados em seu assento de nascimento.

Outrossim, não resta dúvidas acerca da cirurgia realizada pelo autor, no qual alterou seu sexo conforme documento de fls. 14.

Por tudo isso e transportando as argumentações acima para o caso concreto, inegável que o autor tem, em tese, o direito de pleitear a mudança de nome – para que não seja exposto a situação vexatória – e também ao gênero constante no registro – este em nome da dignidade da pessoa humana e da sua saúde mental.

Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na presente ação de retificação de registro civil manejado por XXX, para, em consequência, com fulcro nos arts. 55, § único, 56 e 109, da Lei dos Registros Públicos, e artigos 1º, inciso III, 3º, inciso IV, e 5º, inciso X, todos da Constituição Federal, determinar a retificação do assento de nascimento de XXX, passando a constar o nome de YYY, retificando-se, ainda, o gênero, que deverá passar a ser do sexo feminino, mantidas as demais anotações e não devendo constar, no referido registro, qualquer referência às alterações que ora se determina.

Expeça-se ofício para a Receita Federal, Delegacia da Polícia Federal, Secretaria de Segurança Pública/GO e Cartórios Eleitorais desta Comarca, para que sejam feitas as alterações necessárias.

Oficie-se ao Cartório de Registro Civil da Comarca de AAA para que proceda a referida retificação na Certidão de Nascimento do autor, nº 00000, fls. 000, Livro 0000.

Sem custas.

Dou os presentes por intimados.

Cumpra-se. Registre-se.

Planaltina/GO, 27 de março de 2011.

Isaac Costa Soares de Lima

Juiz de Direito

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