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STJ - Palavra relacionada a consumidor negro não pode ser registrada como marca exclusiva

A palavra "ébano", usada na designação de produtos voltados para os consumidores afrodescendentes, não pode ser registrada como marca exclusiva. O entendimento foi dado pela ministra Nancy Andrighi em recurso interposto pela Unilever Brasil Ltda. e Unilever N. V. contra acórdão do TRF da 2ª região. O restante da 3ª turma do STJ acompanhou a relatora integralmente.

30/3/2011

Exclusividade

STJ - Palavra relacionada a consumidor negro não pode ser registrada como marca exclusiva

A palavra "ébano", usada na designação de produtos voltados para os consumidores afrodescendentes, não pode ser registrada como marca exclusiva. O entendimento foi dado pela ministra Nancy Andrighi em recurso interposto pela Unilever Brasil Ltda. e Unilever N. V. contra acórdão do TRF da 2ª região. O restante da 3ª turma do STJ acompanhou a relatora integralmente.

Dona da marca de desodorante Rexona Ebony, a Unilever entrou em disputa com a empresa Comércio de Cosméticos Guanza Ltda., produtora da linha de maquiagem Ébano e Marfim. A Unilever alegou que teria a precedência do registro da marca Rexona Ebony no INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial, já que o produto está há mais de 22 anos no mercado. A Ébano e Marfim foi registrada apenas em meados de 2004.

De acordo com a Unilever, a marca teria sido usada indevidamente pela outra empresa, num ato de concorrência desleal. O consumidor, segundo ela, ao se deparar com o nome Ébano e Marfim, faria uma associação automática com a marca Ebony, "pensando se tratar de produtos da mesma origem". O juiz de primeira instância deu razão à Unilever e considerou nulo o registro da Guanza, com base na LPI - lei de propriedade industrial (9.279/96 - clique aqui), que veda a reprodução, no todo ou em parte, de marca alheia já registrada.

A Guanza recorreu ao TRF da 2ª região e este considerou que o termo inglês "ebony", ("ébano", em português) é uma expressão de uso corrente, culturalmente relacionada a pessoas negras. O Tribunal afirmou não ser possível conferir exclusividade ao uso de vocábulos como "branco", "negro", "amarelo", "pardo" ou "mulato" e que o INPI não poderia, portanto, alegar anterioridade do registro de uma marca com um desses termos para negar o registro a outra.

O artigo 124, inciso VI, da LPI impede, como regra geral, o registro de expressões de uso comum que tenham relação com o produto ou serviço a ser identificado ou com alguma de suas características. Para o TRF da 2ª região, a Unilever não poderia se beneficiar pela precedência do registro, pois "se trata de expressão ou nome inapropriável, que não pode ser monopolizado". No recurso ao STJ, a Unilever afirmou que "ebony" não seria um termo comum para o segmento de mercado em questão, porque "é uma palavra que não tem qualquer relação com produtos de higiene pessoal".

Marcas fracas

Em seu voto, contrário à pretensão da Unilever, a ministra Nancy Andrighi disse que determinadas marcas, embora tenham alguma relação indireta com os produtos que designam, "são perfeitamente registráveis". Segundo ela, é o caso das chamadas "marcas fracas", elaboradas sem um alto grau de criatividade.

"O critério de análise das marcas fracas exige menos rigidez do que o dos sinais considerados criativos e fortes. Não cabe, portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor inventivo", explicou a relatora.

Ela observou que a marca Ebony deve gozar de "proteção limitada e restrita, sendo possível admitir sua convivência harmônica com outros sinais igualmente registráveis, que utilizam o mesmo vocábulo". Já a marca Ébano e Marfim, segundo a relatora, pode ser considerada fraca. Assim, não há nenhum impedimento legal para seu registro, porque se relaciona "apenas indiretamente com a linha de maquiagem que produz".

Além disso, os produtos são de natureza diferente: o Rexona Ebony é um desodorante e a outra marca é de maquiagens. Apesar da semelhança fonética, a ministra Andrighi considerou que a diferença entre os produtos basta para evitar a confusão do consumidor.

A magistrada também salientou que, segundo o julgado do TRF da 2ª região, seria abuso do direito de propriedade intelectual e atitude de puro oportunismo a iniciativa de obter monopólio de uma marca que pode ser identificada com metade do público consumidor brasileiro.

"Marcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial. Deve o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar a intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de explorar o mesmo segmento mercadológico", acrescentou a ministra.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

____________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.498 - RJ (2009/0224319-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA E OUTRO

ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ

LUIZ CARLOS GALVÃO

JOÃO VIEIRA DA CUNHA

RECORRIDO : COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA

ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E OUTRO(S)

EMENTA

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA COMERCIAL. MARCA FRACA OU EVOCATIVA. POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA COM OUTRAS MARCAS.IMPOSSIBILIDADE DE CONFERIR EXCLUSIVIDADE À UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÃO DE POUCA ORIGINALIDADE OU FRACO POTENCIAL CRIATIVO.

1. Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade ou forte atividade criativa, podem coexistir harmonicamente.

É descabida, portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor inventivo.

2. Marcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial, devendo o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento mercadológico.

Aplicação da doutrina do patent misuse .

RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por UNILEVER BRASIL LTDA. e UNILEVER N.V., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão exarado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2ª Região).

Ação: ordinária de nulidade de registro de marca, com pedido de liminar específica da Lei 9.279/96, proposta por UNILEVER BRASIL LTDA. E UNILEVER N. V. em face de COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA. E INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI. Na inicial, as autoras relatam que há aproximadamente 22 anos são as titulares do registro da marca nominativa “EBONY”, utilizada pela linha de desodorantes “REXONA”, de sua fabricação. Contudo, em meados de 2004 a ré COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA obteve o registro da marca “ÉBANO & MARFIM” junto ao INPI, circunstância que caracterizaria a utilização indevida da marca “EBONY”, de titularidade das autoras. Nesse sentido, “ao se deparar com um produto de higiene pessoal identificado pela marca ÉBANO & MARFIM, o consumidor, automaticamente, fará uma associação direta com a marca da 2ª Autora, pensando se tratar de produtos da mesma origem.” Requerem, por fim, a concessão de liminar para a imediata suspensão dos efeitos do registro do termo “ÉBANO & MARFIM”, bem como a posterior declaração de sua nulidade (fls. 4/18 e-STJ).

Ambos os réus ofereceram contestação. O INPI reconheceu a procedência do pedido formulado pelas autoras, pois a marca “ÉBANO & MARFIM” realmente não estaria dotada da necessária distintividade em relação a “EBONY” (fls. 249/297 e 386/389).

Sentença: julgou procedente a pretensão das autoras, aduzindo que “a marca registrada a favor da segunda Ré ÉBANO & MARFIM é nula por infração ao artigo 124, XIX da LPI e deve ser desconstituída sob pena de concorrência desleal” (fls. 519/524 e-STJ).

Acórdão: a ré COMERCIAL DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA.interpôs recurso de apelação (fls. 530/534 e-STJ), ao qual o TRF da 2ª Região deu provimento, por maioria de votos. A decisão colegiada recebeu a seguinte ementa (fls. 567/578 e-STJ):

APELAÇÃO – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – MARCA –COLIDÊNCIA - EXPRESSÕES DE USO CORRENTE – RECURSO PROVIDO

I – O uso generalizado das expressões “ÉBANO” (português) e “EBONY” (inglês) culminou por engendrar culturalmente mais uma forma de cor, a cor de ébano, associada hoje no imaginário popular à raça negra.

II – De forma que não se pode conferir o uso exclusivo de tal expressão no mercado, à semelhança do que ocorre com os vocábulos, branco, negro, amarelo, pardo, ruivo, alvo, mulato e tantos outros, por serem de uso corrente em nossa língua, não podendo o INPI, com base em anterioridade impeditiva, indeferir novas solicitações de terceiros, igualmente interessados, impondo-se, destarte, o ônus da convivência pacífica.

III – Apelação e Remessa Necessária providas.

Embargos infringentes: interpostos pelas autoras (fls. 583/596), foram rejeitados, conforme atesta a ementa abaixo transcrita (fls. 671/676 e-STJ):

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO MARCÁRIO.EBONY E ÉBANO. EXPRESSÕES RELACIONADAS AOS AFRODESCENDENTES.

A expressão ÉBANO, em português ou EBONY, em inglês, é frequentemente empregada para identificar os afrodescendentes, invocando, pois, no caso concreto, uma qualidade especial de um produto, merecendo, portanto, receber proteção de marca fraca, ou seja, ter de suportar o ônus da convivência pacífica.

Embargos Infringentes conhecidos e improvidos.

Recurso especial: interposto pelas sociedades UNILEVER BRASIL LTDA. e UNILEVER N. V. com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional. As autoras sustentam a necessidade de reforma do acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região pelas razões a seguir, dentre outras (fls. 679/695 e-STJ):

I . O termo “EBONY” não pode ser considerado de uso comum para o segmento de mercado no qual é utilizado pelas recorrentes. Assim, para que “seja considerada irregistrável com base no artigo 124, VI, da LPI, a marca deve ter relação direta e imediata com o produto ou serviço que deseja assinalar, o que, definitivamente, não é o caso dos autos, já que o termo EBONY (ou ÉBANO, em português) é uma palavra que não tem qualquer relação com produtos de higiene pessoal” (fl. 690 e-STJ);

II. O registro da marca “ÉBANO & MARFIM” é absolutamente nulo em razão da preexistência do registro do termo “EBONY”, nos termos do art. 124, XIX, da Lei 9.279/96;

III. O entendimento defendido pelo acórdão recorrido vai de encontro ao adotado em diversos julgados paradigmas proferidos por esta Corte, em flagrante divergência aos padrões e critérios já estabelecidos pelo STJ para o exame de situações idênticas à presente.

Juízo Prévio de Admissibilidade: o TRF da 2ª Região admitiu o recurso especial, determinando a remessa dos autos ao STJ (fls. 785/786 e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a lide a determinar se o registro da marca “ÉBANO & MARFIM” ocorreu em desacordo com os dispositivos da Lei 9.279/96, em especial porque a expressão “EBONY” já havia sido anteriormente registrada pelas recorrentes junto ao INPI.

I – Violação do art. 124, VI, da Lei 9.279/96

A partir da análise das expressões controvertidas (“EBONY” e “ÉBANO & MARFIM”), o TRF da 2ª Região chegou à conclusão de que o termo “EBONY” não pode ser considerado de uso exclusivo das recorrentes, pois é um adjetivo comum e integrado à linguagem corrente, desprovido de proteção. Nesse sentido, “a expressão 'ÉBANO' é atualmente empregada para identificar os afrodescendentes, tanto que as marcas das empresas autoras e ré destinam-se ao referido público” (fl. 671 e-STJ).

Assim, a recorrente pretenderia “se beneficiar apenas pela precedência do registro de sua marca, quando se trata, de fato, de expressão ou nome inapropriável, que não pode ser monopolizado, ou seja, gozar de exclusividade” (fl. 673 e-STJ).

De fato, o art. 124, VI, da Lei 9.279/96 não autoriza o registro como marca de sinais com caráter genérico ou comum, normalmente empregados para designar uma característica do produto ou serviço quanto à sua natureza, nacionalidade, peso,qualidade etc. Determinadas marcas, no entanto, são perfeitamente registráveis, embora não contem com um alto grau de criatividade: são as chamadas marcas fracas ou evocativas. O exame de colidência desses sinais é menos rigoroso do que o normalmente efetuado na análise de marcas dotadas de mais engenhosidade. Nesse sentido é a lição de DENIS BORGES BARBOSA:

Reservadas em muitos países a um registro secundário, certas marcas sem maior distintividade são aceitas, embora tenham relação com o produto ou serviço a ser designado. Tal relação não pode ser direta (denotativa), por exemplo, 'impressora' para impressoras, mas indireta ou conotativa, como por exemplo, as que evoquem o elemento marcado. A jurisprudência tem sido bastante variada neste contexto, tanto aqui como no exterior, e quase qualquer resultado pode ser obtido numa discussão nesta área. De outro lado. a marca fraca é muito mais sujeita à presença de competidores e menos defensável num caso de contrafação, exceto nas hipóteses em que, por longo uso, o signo tenha conseguido uma “significação secundária”. Este fenômeno, notado pela legislação ou jurisprudência em vários países, com amparo na CUP. art. 6 quinquies, é o contrário da vulgarização - uma marca essencialmente fraca se desvulgariza, se tal expressão é possível, pelo emprego contínuo e enfático por parte de um certo produtor ou prestador de serviços.

(Barbosa, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 817)

O critério de análise das marcas fracas exige menos rigidez do que o dos sinais considerados criativos e fortes. Não cabe, portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor inventivo.

A partir da análise dos diversos significados da palavra “ébano”, o acórdão recorrido deduziu que o termo “EBONY” não é passível de uso exclusivo pelas recorrente, pois se trata de expressão de uso comum, evocativa, de pouca originalidade ou forte atividade criativa. Esses atributos, em especial o fato de que “a expressão 'ÉBANO' (...) é muito empregada em ambas as línguas (inglês e português) para identificar os afro-descendentes” (fl. 672 e-STJ), concedem à marca “EBONY” proteção limitada e restrita, sendo possível admitir sua convivência harmônica com outros sinais igualmente registráveis, que utilizam o mesmo vocábulo.

Embora a expressão “ÉBANO & MARFIM” possa ser considerada uma marca fraca ou evocativa, isso não significa que exista qualquer impeditivo legal ao seu registro. Isso porque o signo distintivo registrado pela recorrida relaciona-se apenas indiretamente com a linha de maquiagem que produz, ao contrário da notória representação da linha de desodorantes “REXONA”, de titularidade da recorrente, criada arbitrariamente e sem qualquer relação com os produtos ou artigos manufaturados pela recorrida.

Verifica-se, portanto, que o Tribunal de origem decretou a improcedência da pretensão da recorrente com base na possibilidade de coexistência harmônica das marcas “EBONY” E “ÉBANO & MARFIM”, sendo descabida a afirmação de que “o acórdão recorrido viola o art. 124, VI, da LPI, ao conferir-lhe interpretação mais ampla [frise-se, ilegal] que a pretendida pelo legislador” (fl. 692 e-STJ). A decisão recorrida apenas salientou que “marcas que invocam uma qualidade especial de um produto, devem receber proteção de marca fraca” (fl. 671 e-STJ).

II – Negativa de vigência ao art. 124, XIX, da Lei 9.279/96

Em suas razões de recurso especial, sustentam as recorrentes a nulidade do registro da marca “ÉBANO & MARFIM”, principalmente “em razão da preexistência do registro da marca EBONY” (fl. 693 e-STJ). A semelhança fonética entre os termos e o fato de que ambos designam produtos do mesmo segmento de mercado (produtos de higiene pessoal), além do mais, favoreceriam a concorrência desleal e a induziriam o consumidor a erro. Assim, quando recusou a exclusividade da recorrente para o uso da expressão “EBONY”, o acórdão recorrido teria negado vigência ao art. 124, XIX, da Lei 9.279/96, que assenta a impossibilidade de “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia.”

A partir do exame dos documentos acostados aos autos e da análise semiológica da palavra “ébano”, o TRF da 2ª Região concluiu que a marca “EBONY” deve tolerar certa margem de proximidade com a expressão “ÉBANO & MARFIM”, pois é individualmente incapaz de obter a proteção conferida pelo registro às ditas marcas fortes e criativas. Em outras palavras, a recorrente não conseguiu comprovar que as semelhanças entre as marcas registradas são notáveis a ponto de justificar a intervenção judicial no ato de registro efetuado pelo INPI.

A questão proposta encontra-se bem solucionada. A decisão recorrida asseverou ainda que “não se pode conferir uso exclusivo de tal expressão [“EBONY”], à semelhança do que ocorre com os vocábulos branco, negro, amarelo, pardo, ruivo, alvo, mulato e tantos outros, por serem de uso corrente em nossa língua (...). O consumidor é levado a preferir os produtos por sua própria qualidade, não sendo guiado apenas por uma sub-marca ou marca secundária (no caso REXONA Ebony), como é o caso dos autos” (fl. 673 e-STJ).

De fato, não vejo como o uso concomitante das marcas possa induzir o consumidor a erro ou confusão, principalmente porque todos os produtos da recorrente trazem com destaque sua principal marca - “REXONA” - esta sim, de notoriedade e criatividade indiscutíveis. Também os produtos manufaturados pelas partes são distintos:

enquanto a recorrente utiliza o termo “EBONY” para designar uma linha de desodorantes destinada aos consumidores afrodescendentes, a recorrida emprega a expressão “ÉBANO & MARFIM” para nomear uma linha de maquiagem voltada ao público de pele negra.

Nos termos do acórdão recorrido, a convivência entre a marca registrada pela recorrente e aquela de titularidade da recorrida não é somente possível, mas também inevitável, pois “não é possível ao Judiciário reconhecer a uma sociedade empresarial a indicação mercadológica de todo um segmento econômico – aliás, até então marcado pela desconsideração e desprestígio – ao permitir que surja o objeto de um monopólio, agora que emerge uma classe média negra no Brasil. Afigura-se abuso do direito de propriedade intelectual e atitude de puro oportunismo a iniciativa de obter monopólio de uma marca que identifica metade do público consumidor do Brasil. (...) Não é para isso a que se destina o tão desenvolvido e evoluído direito marcário em nosso país” (fl. 672 e-STJ).

Portanto, também por esse fundamento deve ser afastada a pretensão da recorrente. Marcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial. Trata-se da conhecida doutrina do patent misuse , derivada do Direito norte-americano, segundo a qual deve o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento mercadológico. Assim, “tudo que restringir a concorrência mais além do estritamente necessário para estimular a invenção, excede ao fim imediato da patente – é abuso” (BARBOSA, DENIS BORGES. Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008, p. 275).

III – Divergência Jurisprudencial

A divergência jurisprudencial alegada pelas recorrentes para justificar a reforma do acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região fundamenta-se em decisões proferidas no julgamento dos Recursos Especiais autuados sob n.º 60.090/SP e 325.128/SP, este último de minha relatoria.

O primeiro acórdão, contudo, não apresenta a similitude fática que autoriza o provimento do recurso especial com base no art. 105, “c”, da CF/88. Isso porque nele não se encontram as peculiaridades fáticas da hipótese em exame. Tanto é assim que o i. Min. Eduardo Ribeiro, em seu voto, consignou que “a infração, pelo uso de expressão semelhante, vincula-se à possibilidade de confusão, circunstância que diz com os fatos e que foi negada nas instâncias ordinárias.” Esse julgamento, além disso, teve por base legal a Lei 5.772/71, já revogada.

O segundo acórdão colacionado pela recorrente, por sua vez, diz respeito à validade da declaração incidental de nulidade do registro realizado junto ao INPI. Em meu voto, ressaltei que “a apropriação dessas marcas, com exclusividade, favoreceria a detenção e exercício do comércio de forma única, com prejuízo à concorrência empresarial, impedidos que estariam os demais industriais do ramo em divulgar a fabricação de produtos similares através de expressões de conhecimento comum, obrigadas à busca de nomes alternativos estranhos ao domínio público.” Fiz questão, além do mais, de salientar que na hipótese analisada estava “ausente no caso dos autos qualquer particularidade capaz de excepcionar essa orientação.” Tem-se, portanto, que a base fática desse precedente é diferente da que foi utilizada no julgamento do presente recurso especial.

Nesse contexto, o TRF da 2ª Região, ao confirmar a tese de que não é possível conferir exclusividade ao titular de registro de marca fraca ou evocativa, não discrepa da jurisprudência desta Corte sobre a matéria, valendo ressaltar que o reconhecimento de violação a literal disposição de lei somente se dá quando dela se extrai interpretação desarrazoada, o que, como visto, não é o caso dos autos.

Forte nestas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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