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STJ - Não se pode exigir pagamento de fiança de réu pobre

O pagamento da fiança não é imprescindível para concessão da liberdade provisória. Por isso, é ilegal manter preso o réu pobre apenas em razão do não pagamento da fiança. A decisão é da 6ª turma do STJ.

16/3/2011

Liberdade

STJ - Não se pode exigir pagamento de fiança de réu pobre

A 6ª turma do STJ entende que o pagamento da fiança não é imprescindível para concessão da liberdade provisória. Assim, a Corte decidiu ser ilegal manter preso o réu pobre apenas em razão do não pagamento da fiança.

No caso, o réu responde por furto simples, que tem pena mínima de um ano, e já ficou preso por mais de seis meses. O juiz concedeu a fiança, afirmando que a custódia do réu seria desnecessária, mas não concedeu a liberdade pela falta de pagamento da fiança, fixada em R$ 830.

Para Maria Thereza de Assis Moura, ministra relatora do caso, o fato de o réu ser reconhecidamente pobre, assistido por defensora pública, garante seu direito à liberdade, desde que, como reconhecido pelo magistrado, estivessem ausentes os requisitos para a custódia cautelar.

No acórdão proferido foi ressaltado o art. 350 do CPP (clique aqui): "nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o benefício".

A turma determinou, ainda, que o juiz informe o cumprimento da ordem, sob pena de comunicação do fato ao CNJ. É que a liminar, deferida há mais de dois anos, ainda não teria sido cumprida, segundo o juiz de primeiro grau, porque a Secretaria de Justiça do Piauí não teria informado o local de cumprimento da pena pelo réu.

Processo Relacionado : HC 113275 - clique aqui.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

____________

HABEAS CORPUS Nº 113.275 - PI (2008/0177197-1)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : MARLEIDE MATOS TORQUATO - DEFENSORA PÚBLICA E OUTRO

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ

PACIENTE : ALEXANDRO FERREIRA DA SILVA (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS . FURTO. LIBERDADE PROVISÓRIA DEFERIDA.FIANÇA NÃO PAGA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA.ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART.312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, toda custódia imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.

2. Se o próprio magistrado de primeiro grau reconheceu não estarem presentes os requisitos que autorizam a segregação cautelar, o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia. Trata-se de réu juridicamente pobre e de delito de furto simples, cuja pena mínima cominada é de 1 (um) ano de reclusão.

3. Ordem concedida para, confirmando a liminar, garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE).

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 03 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)

Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Relatora

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

Cuida-se de habeas corpus em favor de ALEXANDRO FERREIRA DA SILVA, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (HC n.º 2008.0001.001109-4).

Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante em 16.2.08 pela suposta prática do delito descrito no art. 155, caput, do Código Penal e até o momento somente teria sido interrogado. Requerida a liberdade provisória mediante prestação de fiança, o pedido foi deferido, nos seguintes termos (fl. 27):

De acordo com o art. 323, do Código de Processo Penal, poderá ser concedida fiança, mesmo que o crime seja punido com reclusão, se a pena mínima não for superior a 02 (dois) anos (inciso I), e que não tenham sido cometidos mediante violência à pessoa ou causado clamor público (inciso IV).

Por outro lado, não há notícia nos autos da ocorrência de nenhuma das outras hipóteses previstas nos arts. 323 e 324 do CPP.

A folha de antecedentes criminais não registra a imputação de outros delitos ao autuado, portanto, não existindo elementos que indiquem ser necessária a custódia preventiva do acusado.

(...)

Dessarte, a concessão da fiança é imperiosa e inescusável.

Isto posto, nos termos dos arts. 323, 324, 325, e seu parágrafo primeiro, e 326, todos do CPP, defiro a ALEXANDRO FERREIRA DA SILVA (...) o beneficio da liberdade provisória, mediante pagamento de fiança.

Diante do não pagamento da fiança, arbitrada no valor de R$ 830,00, não foi expedido o alvará de soltura. Irresignada, a defesa ajuizou prévio writ, mas a ordem foi denegada. Extraio do referido aresto o seguinte trecho (fl. 37):

In casu, a autoridade judiciária decretou a prisão do paciente com intuito de garantir a ordem púbica e para assegurar a aplicação da lei penal, haja vista que o MM. Juiz a quo deferiu a liberdade provisória mediante o pagamento de fiança no valor de R$ 830,00 (oitocentos e trinta) reais. A fiança porém não paga, condição sem a qual não poderá ser expedido o alvará de soltura.

A liberdade provisória, com ou sem fiança, não pode ser concedida nas hipóteses em que se impõe a decretação da prisão preventiva, máxime quando se destina à garantia da ordem pública, não tendo a primariedade e a residência fixa o condão de elidir a constrição.

Observo que às fls. 48/49 a autoridade judiciária afirmou a existência dos requisitos de autoria e materialidade do delito, subsistindo os motivos que autorizam a prisão preventiva.

(...)

As condições favoráveis do paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando preenchidos seus pressupostos legais.

Com estas considerações, conforme o parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça, denego a ordem impetrada.

Alega a impetrante, inicialmente, o descabimento da exigência de fiança.Afirma que configura constrangimento ilegal a manutenção do paciente na prisão apenas por não ter condições de pagar o valor exigido a título de fiança, sobretudo porque o paciente é pobre, na forma da lei, sendo assistido pela Defensoria Pública.

Sustenta, ainda, excesso de prazo na formação da culpa, aduzindo que a demora extrapola os limites do razoável, contrariando o princípio da razoabilidade.

Requer seja concedido ao paciente o direito de responder ao processo em liberdade, determinando-se a expedição de alvará de soltura em favor do paciente.

A liminar foi deferida às fls. 41/42, para deferir a liberdade provisória ao paciente.

Foram prestadas as informações (fls. 50/52).

O Ministério Público Federal opina pelo "conhecimento e provimento do recurso" (fls. 54/57).

Solicitadas informações acerca do cumprimento da medida liminar, o Juiz de primeiro grau esclareceu (fl. 67):

O alvará foi expedido em 22 de agosto de 2008, conforme cópia em anexo.

A denúncia foi oferecida em 16 de maio de 2008, e no dia 20.06.2008 foi determinada a citação do réu.

Em 26 de agosto de 2008, o oficial de justiça certificou que não localizou o réu, em razão do mesmo estar com alvará de soltura para ser cumprido, mas a secretaria da Justiça não informou onde o mesmo está preso, até a data da referida certidão, conforme cópia em anexo.

A diretora de secretaria, na data de 12 de agosto de 2010, por meio do ofício 703/2010, solicitou ao Diretor da Divisão dos presídios a remoção do réu, ora paciente, para cumprimento do alvará de soltura, mas até o presente momento não obteve resposta.

É o relatório.

EMENTA

HABEAS CORPUS . FURTO. LIBERDADE PROVISÓRIA DEFERIDA.FIANÇA NÃO PAGA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART.312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, toda custódia imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art.312 do Código de Processo Penal.

2. Se o próprio magistrado de primeiro grau reconheceu não estarem presentes os requisitos que autorizam a segregação cautelar, o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia. Trata-se de réu juridicamente pobre e de delito de furto simples, cuja pena mínima cominada é de 1 (um) ano de reclusão.

3. Ordem concedida para, confirmando a liminar, garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança.

VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora):

Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, toda custódia imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.

Na hipótese, o juízo de primeiro grau afirmou que o caso concreto não se subsume às hipóteses descritas nos arts. 323 e 324 do Código de Processo Penal (fl. 27), reconhecendo, portanto, a desnecessidade da custódia cautelar do paciente. Eis o teor da decisão (fl. 27):

De acordo com o art. 323, do Código de Processo Penal, poderá ser concedida fiança, mesmo que o crime seja punido com reclusão, se a pena mínima não for superior a 02 (dois) anos (inciso I), e que não tenham sido cometidos mediante violência à pessoa ou causado clamor público (inciso IV).

Por outro lado, não há notícia nos autos da ocorrência de nenhuma das outras hipóteses previstas nos arts. 323 e 324 do CPP. A folha de antecedentes criminais não registra a imputação de outros delitos ao autuado, portanto, não existindo elementos que indiquem ser necessária a custódia preventiva do acusado.

(...)

Dessarte, a concessão da fiança é imperiosa e inescusável.

Isto posto, nos termos dos arts. 323, 324, 325, e seu parágrafo primeiro, e 326, todos do CPP, defiro a ALEXANDRO FERREIRA DA SILVA (...) o beneficio da liberdade provisória, mediante pagamento de fiança.

A despeito disso, o paciente não foi colocado em liberdade por não ter pago a fiança, arbitrada em R$ 830,00 (oitocentos e trinta) reais. O Tribunal de origem entendeu que o cumprimento da condição imposta seria imprescindível para ensejar a soltura do réu, consignando (fl. 37):

In casu, a autoridade judiciária decretou a prisão do paciente com intuito de garantir a ordem púbica e para assegurar a aplicação da lei penal, haja vista que o MM. Juiz a quo deferiu a liberdade provisória mediante o pagamento de fiança no valor de R$ 830,00 (oitocentos e trinta) reais. A fiança porém não paga, condição sem a qual não poderá ser expedido o alvará de soltura.

A liberdade provisória, com ou sem fiança, não pode ser concedida nas hipóteses em que se impõe a decretação da prisão preventiva, máxime quando se destina à garantia da ordem pública, não tendo a primariedade e a residência fixa o condão de elidir a constrição.

Observo que às fls. 48/49 a autoridade judiciária afirmou a existência dos requisitos de autoria e materialidade do delito, subsistindo os motivos que autorizam a prisão preventiva.

(...)

As condições favoráveis do paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando preenchidos seus pressupostos legais.

Com estas considerações, conforme o parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça, denego a ordem impetrada.

Entendo evidente o constrangimento ilegal a que está submetido o paciente, presumidamente pobre, assistido pela Defensoria Pública, devendo incidir o disposto no art. 350 do Código de Processo Penal, in verbis :

Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o benefício.

Ademais, o paciente está sendo investigado pela suposta prática de crime de furto simples, cuja pena mínima é de 1 (um) ano, e permaneceu preso por mais de 6 seis)meses.

Mostra-se ilegal, assim, a preservação da custódia do paciente apenas em razão do não pagamento da fiança, especialmente considerando, como dito, que o próprio magistrado de primeira instância reconheceu não estarem presentes os requisitos que autorizam a segregação cautelar, previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, confiram-se:

PROCESSUAL PENAL. PETIÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE.LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA MEDIANTE FIANÇA.VALOR EXORBITANTE. ART. 310, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP.AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA.ESVAZIAMENTO DO INSTITUTO DA FIANÇA. PETIÇÃO CONHECIDA COMO HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA.

1. "Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança" (art. 5º, LXVI, da CF).

2. A fiança, regulada no Código de Processo Penal nos arts. 321 e seguintes, não será imposta nas hipóteses das infrações em que o agente livra-se solto, isto é, naquelas punidas tão somente com multa ou com pena privativa de liberdade não superior a 3 meses (art. 312 do CPP).

3. Nos crimes apenados com detenção ou prisão simples, a fiança poderá ser arbitrada pela autoridade policial, permitindo ao agente, mediante pagamento, ser liberado (art. 322 do CPP). Nos crimes apenados com reclusão, a fiança só poderá ser fixada pelo juiz, desde que o agente não incida nas hipóteses dos arts. 323 e 324 do CPP.

4. O inciso IV do art. 324 do CPP prevê que não será concedida fiança "quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva".

5. A Lei 9.099/95, modificada pela Lei 10.259/01, estabeleceu nova sistemática nos casos das infrações definidas como de menor potencial ofensivo: não se lavrará auto de prisão em flagrante e não se exigirá fiança sempre que o agente for encaminhado imediatamente ao Juizado ou quando assumir o compromisso de fazê-lo.

6. A Lei 6.416/77 acrescentou ao art. 310 do CPP o parágrafo único estabelecendo que o juiz concederá a liberdade provisória, independentemente de fiança, nos casos em que estiverem ausentes as hipóteses que autorizam a prisão preventiva, esvaziando, destarte, o instituto da caução real.

7. Ausentes os requisitos da liberdade provisória, não há falar em prisão preventiva, ainda que aquela tenha sido deferida de forma condicionada.

8. Petição conhecida como habeas corpus para, concedendo a ordem, fixar a fiança em R$ 2.500,00, nos termos da liminar anteriormente deferida. (Pet 6.906/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 26/04/2010)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 310 DO CPP.

1. Ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, não há falar-se em pagamento de fiança, impondo-se a imediata liberdade do acusado;

2. Ordem concedida para que a paciente seja colocada em liberdade, independentemente do pagamento de fiança.

(HC 44.000/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 17/11/2005, DJ 05/12/2005, p. 383)

Destaque-se que, conforme noticiou o magistrado a quo, passados mais de dois anos do deferimento da liminar, esta ainda não havia sido cumprida. Tendo sido agora confirmada a medida de urgência, deve o Juiz noticiar o seu cumprimento, sob pena de se tomar as medidas cabíveis perante o Conselho Nacional de Justiça.

Diante do exposto, confirmando a liminar, concedo o habeas corpus para garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança.

Oficie-se ao Juízo de primeiro grau para que informe sobre o cumprimento da presente decisão, sob pena de comunicação do fato ao Conselho Nacional de Justiça.

É como voto.

Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Relatora

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