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STJ mantém registro de marca de empresa parecida com nome comercial de outra do mesmo ramo

O STJ decidiu que a empresa Gang Comércio do Vestuário deve conviver com a marca Street Crime Gang, atuante também no ramo de vestuário. Os ministros constataram que a proteção do nome comercial da primeira empresa, registrado somente perante a Junta Comercial do Rio Grande do Sul, não foi estendida a todo território nacional. Para isso, seria necessário o registro em todas as juntas comerciais do país.

10/3/2011


Propriedade

STJ mantém registro de marca de empresa parecida com nome comercial de outra do mesmo ramo

O STJ decidiu que a empresa Gang Comércio do Vestuário deve conviver com a marca Street Crime Gang, atuante também no ramo de vestuário. Os ministros constataram que a proteção do nome comercial da primeira empresa, registrado somente perante a Junta Comercial do RS, não foi estendida a todo território nacional. Para isso, seria necessário o registro em todas as juntas comerciais do país.

Para a 3ª turma, o registro de uma marca que reproduza ou imite elemento característico de nome empresarial de terceiros só pode ser negado se houver exclusividade de uso do nome em todo território nacional e a imitação ou reprodução for capaz de gerar confusão, em interpretação da regra contida no inciso V, do art. 124 da lei 9.279/96 (clique aqui) – lei de propriedade industrial.

A tese foi discutida no julgamento de um recurso especial do INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial contra decisão do TRF da 4ª região. Atendendo ao pedido da Gang Comércio de Vestuário, o TRF determinou o cancelamento do registro da marca Street Crime Gang no INPI.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que o caso não trata de conflito entre marcas, mas conflito entre marca e nome comercial de empresa, que são institutos distintos no conceito e nas formas de proteção. De acordo com o art. 1.155 do CC (clique aqui), nome comercial é a firma ou denominação adotada para o exercício da empresa. Sua proteção tem validade nos limites do Estado em que for registrado, podendo ser estendida a todo território nacional mediante arquivamento dos atos constitutivos da empresa nas juntas comerciais dos demais estados.

A marca é definida como "sinal distintivo que identifica e distingue mercadoria, produtos e serviços de outros idênticos ou assemelhados de origem diversa". Segundo a doutrina, o titular da marca pode utilizá-la com exclusividade em seu ramo de atividade em todo território nacional, pelo prazo de duração do registro no INPI.

A ministra Nancy Andrighi observou que a proteção tanto da marca quanto do nome comercial tem a dupla finalidade de proteger os institutos contra usurpação, proveito econômico parasitário e desvio desleal de clientela alheia e, por outro lado, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto.

A jurisprudência do STJ estabeleceu que a solução de conflito entre marca e nome comercial não se restringe à análise do critério da anterioridade. A relatora afirmou que também é preciso levar em consideração os princípios da territorialidade e da especificidade.

Seguindo as considerações da relatora, a turma deu provimento unânime ao recurso do INPI, para restabelecer a sentença que denegou o mandado de segurança impetrado pela Gang Comércio de Vestuário contra o registro da marca de empresa concorrente.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

____________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.204.488 - RS (2010/0142667-8)

RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI

PROCURADOR : LIANA FERREIRA DE SOUZA LANNER E OUTRO(S)

RECORRIDO : GANG COMÉRCIO DO VESTUÁRIO LTDA

ADVOGADA : NATÁLIA DE CAMPOS ARANOVICH E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região.

Ação: mandado de segurança com pedido liminar, impetrado por GANG COMÉRCIO DO VESTUÁRIO LTDA. contra ato do Sr. Presidente do INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI, ora recorrente, objetivando provimento jurisdicional que suspenda o processo administrativo nº 822040123, no qual foi registrado a marca “Street Crime Gang”, na classe n.º 25.10 (artigos de vestuário), sob o fundamento de violação do art. 124, III e V, da Lei 9.279/96, que proíbe o registro de marca que ofenda a honra ou a imagem de pessoas, bem como quando constitua nome empresarial de outrem (e-STJ fls. 02/08).

A impetrante alegou que atua desde 1976 no Rio Grande do Sul, tendo tornado o nome “Gang” facilmente identificado e com potencial de comercialização no ramo de vestuário, expandindo-se para Santa Catarina e Paraná.

Indeferimento da liminar: contra a decisão que indeferiu a liminar (e-STJ fl. 100), o impetrante interpôs agravo de instrumento (e-STJ fls. 114/125), o qual foi recebido com atribuição de efeito suspensivo pela decisão à fl. 132 (e-STJ).

Exceção de incompetência relativa: suscitada pelo INPI na petição às fls. 138/139 (e-STJ), foi deferida (e-STJ fls. 140/141). Contra essa decisão o impetrante interpôs agravo de instrumento (e-STJ fls.149/157), recebido com efeito suspensivo.

Sobrestamento do feito: foi ordenado pelo Juízo Federal à fl. 159 (e-STJ), até julgamento do agravo de instrumento contra a decisão que acolheu a exceção de incompetência.

Acórdão: o TRF da 4ª Região deu provimento aos dois agravos de instrumento, nos termos das seguintes ementas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE MARCA. PROTEÇÃO DO NOME EMPRESARIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.

Demonstrada a verossimilhança da precedência do emprego de palavra chave da marca almejada a registro como nome empresarial registrado da agravante, impõe-se o deferimento antecipado da proteção a este direito. Razão pela qual merece provimento o agravo de instrumento. (e-STJ fls. 187/189)

PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AÇÃO AJUIZADA NO DOMICÍLIO DO AUTOR CONTRA AUTARQUIA FEDERAL.

A ação contra o Instituto de Propriedade Industrial (INPI) pode ser proposta na sede da Subseção Judiciária em que tem domicílio a parte autora (inteligência do artigo 109, parágrafo 2º da Constituição Federal).

Precedentes. (e-STJ fls. 177/180)

Informações da autoridade coatora: alegou que a marca “Street Crime Gang”, para artigos relacionados ao ramo de vestuário, não incide nas vedações emanadas dos incisos III e V do art. 124 da LPI. Sustentou ainda que a tradução para “Street Crime Gang” não seria a veiculada na inicial e sim “gangue de crime de rua”, razão pela qual o signo em questão apresentaria significado em si, não confundível com o do impetrante e muito menos atentatório a sua imagem (e-STJ fls. 245/248).

Sentença: o Juízo da 1ª Vara Federal de Porto Alegre denegou a segurança, extinguindo o feito com exame do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC. Por oportuno, extrai-se da decisão o seguinte excerto (e-STJ fls. 270/273):

No caso em tela, não há ofensa ao art. 124 da Lei nº 9.279/96 ainda que exista parcial semelhança entre os nomes. A marca “Street Crime Gang”, embora utilize a expressão “gang”, foi formada em conjunto com outros vocábulos da língua inglesa, que traduzidos significam “gangue de crime de rua”, ou seja, a expressão traz um significado próprio, não confundível ou capaz de gerar associação com a marca “gang”, de propriedade da impetrante.

Acórdão: inconformada, a impetrante interpôs recurso de apelação (e-STJ fls. 276/285), ao qual o TRF da 4ª Região deu provimento, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ fls. 317/320):

ADMINISTRATIVO. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SUSPENSÃO DE REGISTRO DE MARCA.

A palavra “gang” é muito mais impactante do que sua tradução do inglês para o vernáculo e, evidentemente, por seu sugestivo significado, polariza o interesse dos usuários, constituindo o núcleo apelativo tanto do nomeempresarial como da marca nominativa em cotejo.

Por isso, deve ter protegida a precedência de seu emprego como componente da denominação registrada.

Recurso especial: o INPI, ora recorrente, alega, além de dissídio jurisprudencial, que o acórdão recorrido violou o art. 124, V, da Lei 9.279/96 (e-STJ fls. 325/335). Sustenta que, na espécie, “a possibilidade de o consumidor ser lesado é nula uma vez que as expressões são plenamente distintas, somente a palavra “gang” é coincidente em ambas”.

Juízo prévio de admissibilidade: apresentada as contrarrazões às fls. 349/354 (e-STJ) o recurso especial foi admitido na origem (e-STJ fls. 356/357).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

I – Da delimitação da controvérsia

O cerne da questão está em determinar se o registro anterior do nome empresarial, qual seja, “GANG COMÉRCIO DO VESTUÁRIO LTDA.”, garante o direito de uso exclusivo da expressão “Gang” em favor da recorrida, o que impediria a utilização desse vocábulo na marca “Street Crime Gang”.

II – Da colidência entre marca e nome empresarial. Violação do art. 124, V, da Lei 9.279/96.

Como relatado, trata-se de recurso especial em mandado de segurança interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI contra o acórdão do TRF da 4ª Região o qual acolheu o pedido de cancelamento de decisão administrativa que deferiu o registro da marca “Street Crime Gang” por violação do disposto no art. 124, V, da Lei 9.279/96, em virtude dessa marca reproduzir elemento característico do nome comercial da empresa “GANG COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA.”, constituída antes do depósito do pedido de registro do referido signo marcário.

De início, mister ressaltar ser incontroverso nos autos que o pedido de registro no INPI para a marca “Street Crime Gang” data de 17/09/1999 (e-STJ fl. 13), ou seja, mais de vinte anos após o arquivamento do ato constitutivo da empresa “GANG COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA.” perante a Junta Comercial do Rio Grande do Sul, o que se sucedeu em 27/04/1976 (e-STJ fls. 66).

Também incontroverso que a proteção ao nome comercial da recorrida não foi estendido a todo território nacional, porquanto seus atos constitutivos não foram arquivados em todas as Juntas Comerciais do país.

A questão posta em discussão, portanto, não versa acerca do conflito entre marcas, matéria tantas vezes examinadas por esta Corte ou da colidência entre nomes empresariais, também (ainda que como menos frequência) já preciado pelo STJ (REsp 262.643/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Desembargador Convocado do TJ/RS, DJe de 17/03/2010), mas do conflito de signo marcário registrado no INPI com nome comercial de empresa registrado na Junta Comercial, mais especificadamente, da colidência entre a marca “Street Crime Gang” e o nome comercial “GANG COMÉRCIO DE VESTUÁRIO LTDA.”, da recorrida.

Como é cediço, o nome empresarial e a marca comercial não se confundem, nem em suas conceituações, nem em suas formas de proteção.

Ao nome de empresa, conceituado pelo art. 1.155 do CC como “a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa", tem direito de uso exclusivo oponível por prazo determinado o empresário que promover, no registro próprio, a inscrição dos atos constitutivos.

Essa tutela ao nome empresarial, inicialmente conferida nos limites do Estado em que se promover o registro, pode ser estendida a todo o território nacional, mediante arquivamento de pedido de proteção de nomes empresariais nas Juntas Comerciais dos demais Estados, devendo, outrossim, ser compreendida de modo relativo, o que significa que, o registro mais antigo não tem o condão de impedir “a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego” (REsp 262.643/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS, DJe de 17/03/2010).

O titular de uma marca, por sua vez, definida como “o sinal distintivo que identifica e distingue mercadorias, produtos e serviços de outros idênticos ou assemelhados de origem diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas” (DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários à Lei de Propriedade Industrial . Rio de Janeiro: Forense, 2009) possui a prerrogativa de utilizá-la, com exclusividade, no âmbito desta especialidade, em todo o território nacional pelo prazo de duração do registro no INPI.

Não obstante as formas de proteção ao uso das marcas e ao nome de empresa serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma: por um lado proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto. No tocante a esse último aspecto, o que se vê é que tanto a marca quanto o nome empresário confere uma imagem aos produtos e serviços prestados pelo empresário, agregando, com o tempo, elementos para a aferição da origem do produto e do serviço.

Com efeito, o art. 4º do CDC dispõe:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(...)

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;”

José Antônio B. L. Faria Correa extraiu bem esse entendimento ao interpretar o art. 124, VI, da LPI, dizendo que: “A função, pois, da marca, é permitir ao público, em uma estrutura econômica de concorrência, distinguir os produtos ou serviços, de outros que com eles dividem o mercado e buscam a conquista do consumidor.” (JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos (coords). Propriedade intelectual: sinais distintivos e tutela judicial e administrativa . Série GVLAW. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 225).

Por essa razão, a propriedade das marcas registradas no INPI tem proteção garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF, cujo dispositivo vale transcrever:

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Seguindo essa determinação contida na CF, o art. 129 da LPI determina que "a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional". Ela dirige, portanto, um comando direto de proibição, a todos os terceiros, de utilização da marca que foi registrada pela parte.

Há de se ressaltar, no entanto, que o mesmo dispositivo constitucional acima mencionado também alude à proteção do nome da empresa, cuja regulamentação está contida no art. 124, V, da LPI. Esse preceito de lei arrola, dentre os fatos específicos que são causa à recusa do registro “reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”.

A nova lei, portanto, ao deixar de lado a linguagem parcimoniosa do art. 65, V, da Lei 5.772/71 – corresponde na lei anterior ao inciso V, do art. 124 da nova Lei de Propriedade Industrial –, marca acentuado avanço, concedendo ao conflito entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.

Nesse sentido foi o entendimento adotado pela 4ª Turma, no julgamento do EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653.609/RJ (4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 27/06/2005) ao consignar que “conquanto objetivem tais vedações, em última análise, a proteção de denominações ou de nomes civis, aludida tutela encontra-se prevista como tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71, consagradores do princípio da especificidade.

Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, devendo-se também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo o art. 67 da Lei 5.772/71), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.

Nesse contexto, há de se consignar que, não obstante os precedentes mais antigos desta Corte tenham se afiliado ao entendimento de que o registro dos atos constitutivos da sociedade em qualquer Junta Comercial do país conceda direito de exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional (REsp 9.142-0/SP, 4ª Turma, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 20.04.1992 e REsp 37.646/RJ, 4ª Turma, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 13.06.1994), tal orientação, que encontrava respaldo no Decreto 75.572/75, não foi adotada pelo Decreto 1.800/96 (art. 61) e pelo atual diploma civil (art. 1.166), ocasionando uma alteração no tratamento legal dispensado à matéria, inclusive pelo STJ (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653.609/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 27/06/2005). Nesse sentido discorreu o i. Min. Sidnei Beneti em seu percuciente voto proferido no REsp 971.026/RS, levado à julgamento na sessão dessa C. 3ª Turma do dia 15/02/2011 e ainda não publicado.

Conforme já exposto, atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que foram registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais.

Feitas essas considerações, entendo que a interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui proteção nacional –, é necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional; e (ii) que a reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”.

Desse modo, conclui-se que, à frente do risco de ocorrência de associação de ideias ou confusão no mercado, o art. 124, V, da LPI exige que a proteção do nome empresarial a ser tutelado tenha proteção nacional. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, é possível, assim, a convivência entre o nome empresarial GANG COMÉRCIO DO VESTUÁRIO e a marca STREET CRIME GANG.

III – Do dissídio jurisprudencial. Não comprovado Quanto ao dissídio jurisprudencial, verifica-se que o recorrente não demonstrou a similitude fática entre o acórdão recorrido e os julgados alçados a paradigmas, pois não realizou o necessário cotejo analítico para tanto, limitando-se a transcrever trechos do aresto recorrido e do acórdão paradigma, e a tecer alguns comentários sobre as conclusões diversas desses julgados em relação à proteção do nome empresarial e da marca.

Dessa forma, o recorrente não cuidou de demonstrar o dissídio jurisprudencial nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 2º, do RISTJ.

Forte nesses razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.

É como voto.

EMENTA

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE CANCELAMENTO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE ACOLHEU REGISTRO DE MARCA. REPRODUÇÃO DE PARTE DO NOME DE EMPRESA REGISTRADO ANTERIORMENTE. LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA À PROTEÇÃO DO NOME EMPRESARIAL. ART. 124, V, DA LEI 9.279/96. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. COTEJO ANALÍTICO. NÃO REALIZADO. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.

1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma: proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto.

2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem parcimoniosa do art. 65, V, da Lei 5.772/71 – corresponde na lei anterior ao inciso V, do art. 124 da LPI –, marca acentuado avanço, concedendo à colisão entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.

3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71, consagradores do princípio da especificidade. Precedentes.

4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo o art. 67 da Lei 5.772/71), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.

5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais. Precedentes.

6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui proteção nacional –, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada.

7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.

8. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 22 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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