Herança
STJ - Exercício regular de direito de ação de interdição não autoriza deserdar o herdeiro
Após sua morte, o pai do réu, por testamento, autorizou os herdeiros a providenciarem a deserdação de um dos filhos. Segundo o testador, esse filho o teria caluniado e injuriado nos autos do inventário de sua esposa. As condutas configurariam os crimes de denunciação caluniosa e injúria grave, o que autorizaria seu afastamento da sucessão dos bens por meio da deserdação.
Segundo explicou o ministro Massami Uyeda, a deserção é medida extrema, que visa impedir o ofensor do autor da herança de se beneficiar posteriormente com seus bens, por medida de Justiça. Assim, a deserdação opera como penalidade imposta pelo testador, que dispõe entre suas últimas vontades o alijamento da sucessão do herdeiro necessário que tenha praticado algum dos atos especificados no CC.
O relator acrescentou que nem toda injúria pode levar à deserdação – apenas as graves podem servir para tanto, e a gravidade deve ser analisada pelo julgador do caso concreto. Mas, no processo submetido ao STJ, buscava-se qualificar como injúria grave o ajuizamento de ação de interdição e instauração do incidente de remoção do testador do cargo de inventariante de sua esposa.
Direito de ação
"Ambas as hipóteses refletem, em verdade, o exercício regular de um direito, qual seja, o direito de ação garantido, não apenas por leis infraconstitucionais, senão também, frise-se, pela própria CF/88 (clique aqui)", afirmou o ministro Massami Uyeda.
"O exercício anormal do direito pode, de fato, ser objeto de censura. Todavia, o excesso, vale dizer, o exercício do direito em desacordo com o ordenamento jurídico não restou devidamente caracterizado nas instâncias de origem", completou.
O ministro também esclareceu que para configuração da denunciação caluniosa, apta a excluir herdeiros da sucessão, exige-se, no mínimo, que a acusação – feita, no caso, apenas em juízo cível, no incidente de afastamento do inventariante – leve à instauração de procedimento criminal, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade, o que não ocorreu.
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Processo Relacionado : Resp 1185122 - clique aqui.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.122 - RJ (2010/0047028-8)
RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : C.E.C.M.S.
ADVOGADO : MARLAN DE MORAES MARINHO JUNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : D.E.M.S.F.
ADVOGADOS : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S)
MARCIO ALEXANDRE WILSON MAIA E OUTRO(S)
RAFAEL GOMES RODRIGUES
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE DESERDAÇÃO – MERO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE INTERDIÇÃO E INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE REMOÇÃO DA HERANÇA, AMBOS EM DESFAVOR DO TESTADOR SUCEDIDO - "INJÚRIA GRAVE" - NÃO OCORRÊNCIA -EXPEDIENTES QUE SE ENCONTRAM SOB O PÁLIO DO EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE AÇÃO - DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - EXIGÊNCIA DE QUE A ACUSAÇÃO SE DÊ EM JUÍZO CRIMINAL - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE AS AFIRMAÇÕES DO HERDEIRO TENHAM DADO INÍCIO A QUALQUER PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO OU MESMO AÇÃO PENAL OU DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA O SEU GENITOR - INVIABILIDADE, IN CASU, DE SE APLICAR A PENALIDADE CIVIL - RECURSO IMPROVIDO.
1. Se a sucessão consiste na transmissão das relações jurídicas economicamente apreciáveis do falecido para o seu sucessor e tem em seu âmago além da solidariedade, o laço, sanguíneo ou, por vezes, meramente afetuoso estabelecido entre ambos, não se pode admitir, por absoluta incompatibilidade com o primado da justiça, que o ofensor do autor da herança venha dela se beneficiar posteriormente.
2. Para fins de fixação de tese jurídica, deve-se compreender que o mero exercício do direito de ação mediante o ajuizamento de ação de interdição do testador, bem como a instauração do incidente tendente a removê-lo (testador sucedido) do cargo de inventariante, não é, por si, fato hábil a induzir a pena deserdação do herdeiro nos moldes do artigo 1744, II, do Código Civil e 1916 ("injúria grave"), o que poderia, ocorrer, ao menos em tese, se restasse devidamente caracterizado o abuso de tal direito, circunstância não verificada na espécie.
3. Realçando-se o viés punitivo da deserdação, entende-se que a melhor interpretação jurídica acerca da questão consiste em compreender que o artigo 1595, II, do Código Civil 1916 não se contenta com a acusação caluniosa em juízo qualquer, senão em juízo criminal.
4. Ausente a comprovação de que as manifestações do herdeiro recorrido tenham ensejado "investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa" (artigo 339 do Código Penal) em desfavor do testador, a improcedência da ação de deserdação é medida que se impõe.
5. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a).Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de fevereiro de 2011(data do julgamento)
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por C.E.C.M.S.com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal em que se alega violação dos artigos 1595, inciso II, e 1.744, inciso II, do Código Civil de 1916, além de dissídio jurisprudencial.
Da análise detida dos autos, verifica-se que o recorrente, C.E.C.M.S., ajuizou ação de deserdação contra o seu irmão, D.E.M.S.F., ora recorrido, especificamente em razão de que seu genitor, Drault de Mello e Silva, teria manifestado em testamento o desejo de excluir o respectivo filho (recorrido) da sucessão de seus bens por tê-lo caluniado e injuriado nos autos do inventário de sua esposa, condutas essas que configurariam os crimes de denunciação caluniosa bem assim injúria grave, a autorizar os demais sucessores a providenciar as medidas cabíveis para afastá-lo da sucessão dos bens que porventura lhe coubessem por ocasião da partilha do acervo patrimonial.
A MM. Juíza de Direito da 12ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, julgou o pedido improcedente. O Tribunal de Justiça local, ao julgar o recurso de apelação, manteve a sentença in totum. O aresto recorrido restou assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. DESERDAÇÃO. ACUSAÇÃO CALUNIOSA EM JUÍZO. CRIMES CONTRA A HONRA. INJÚRIA GRAVE. Não comprovação do comportamento criminoso ou ilícito. Pedido de remoção de inventariança e interdição do de cujus. Exercício regular do direito de ação. Veiculação dos fatos debatidos em juízo através da imprensa. Ausência de comprovação. 'Se a causa invocada não corresponder, exatamente, a alguma das mencionadas no Código Civil, artigos 1814, 1962 e 1963, será inoperante a deserdação, e o testamento será nulo quanto à porção legítima, subsistindo, somente, as disposições que couberem na metade disponível'. A deserdação é medida extrema que implica restrição de direitos. Interpretação que não admite analogias ou ampliação das possibilidades. Manutenção da sentença de improcedência".
Busca o recorrente, C.E.C.M.S., a reforma do v. acórdão recorrido, argumentando, em síntese, que o recorrido, D.E.M.S.F., deve ser excluído da sucessão do de cujus, porquanto "para a configuração da denunciação caluniosa e de crime contra a honra não é necessária a existência de ação penal. Além do mais, a propositura de ação de interdição absolutamente infundada caracteriza, sem dúvidas, injúria grave" (fl. 330). Assevera, ainda, que "basta que o herdeiro promova imputação genérica em juízo, dispensando-se a necessidade de comparecimento em juízo criminal" (fl. 319 e-STJ).
A douta Procuradoria Geral da República se manifestou pelo conhecimento parcial e, na parte, pelo desprovimento do recurso especial (fls. 420/430 e-STJ).
Ascenderam os autos à esta Corte Superior de Justiça, em razão de decisão da lavra desta Relatoria, nos autos do Agravo de Instrumento n. 1.160.639/RJ.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
O inconformismo não merece prosperar.
Com efeito.
Ab initio, veja-se que o testador faleceu, conforme consta no próprio acórdão recorrido, em 21/03/2002, ocasião em autorizou, por testamento, os demais herdeiros a providenciarem a deserdação do herdeiro ora recorrido, D.E.M.S.F., providência tomada em 14/11/2002, data da propositura da presente ação através da qual se pretende vê-lo excluído da sucessão (conforme protocolo de fl. 4 e-STJ).
Portanto, à época, ainda estava em vigor o Código Civil de 1.916, razão pela qual, de plano, cumpre esclarecer que a questão jurídica que subjaz à presente demanda será apreciada à luz do que dispunha a revogada lei civil. Traçadas as sobreditas considerações preliminares, veja-se que o evento morte, fato jurídico stricto sensu, tem o condão de extinguir um plexo de relações jurídicas titularizadas pelo de cujus, notadamente as personalíssimas, porém, não impede a perpetuação daqueloutras de cunho meramente patrimonial.
De fato, o Código Civil de 1.916 dispunha, no seu artigo 1572, que "aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" (atual artigo 1.784 do Código Civil de 2.002).
Nada mais é, diga-se, do que a positivação, no direito pátrio, do princípio da saisine a impedir que o acervo de bens deixados pelo falecido torne-se, ainda que por alguns instantes, res nulliuis .
Todavia, nem sempre os sucessores serão aquinhoados com os bens deixados pelo sucedido. Em verdade, se a sucessão consiste na transmissão das relações jurídicas economicamente apreciáveis do falecido para o seu sucessor e tem em seu âmago, além da solidariedade, o laço sanguíneo ou, por vezes, meramente afetuoso estabelecido entre ambos, não se pode admitir, por absoluta incompatibilidade com o primado da justiça, que o ofensor do autor da herança venha dela se beneficiar posteriormente. "Assim, na lição de Almeida Lacerda, se a sucessão repousa suas origens em razões de ordem ética, é dizer, na afeição real ou ficta do de cujus para com o herdeiro ou legatário, é forçoso concluir que tal vínculo deve ser tal a incutir no sucessor um sentimento de gratidão ou, ao menos, um respeito ao falecido bem assim às suas disposições de última vontade (Lacerda Almeida apud Nader, Paulo. Curso de Direito Civil, v. 6. Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 81)" (REsp 1.102.360/RJ, desta Relatoria, publicado no DJe de 01/07/2010).
Diante de tais circunstâncias, nota-se que deserdação é penalidade imposta por ato do auctor hereditatis , o qual, dentre as suas disposições de última vontade, faz inserir em seu testamento cláusula testamentária objetivando alijar da sucessão herdeiro necessário que tenha praticado atos especificamente elencados no Código Civil. A propósito, confira-se o conteúdo normativo do artigo 1.972 da revogada lei civil: "A deserdação só pode ser ordenada em testamento, com expressa declaração de causa"
Na espécie, o cerne da questão consiste em saber: a) se o ato do herdeiro, ora recorrido, consistente no ajuizamento de ação de interdição ou o manejo de incidente de remoção de seu genitor (sucedido) da inventariança da sua mãe, é fato capaz de configurar "injúria grave" a autorizar a sua exclusão da sucessão e b) se o herdeiro recorrido, ao afirmar, nos autos do inventário de sua genitora, que o falecido (sucedido) estaria a realizar "operações fraudulentas" com a finalidade de omitir parcela do acervo patrimonial, pode, por esta alegação, ter praticado denunciação caluniosa e, nesta medida, ser penalizado com a deserdação.
Como se vê, há no recurso especial duas teses, sendo que a argumentação "a" tem duas vertentes, as quais serão analisadas. De partida, ressalte-se que o mencionado instituto (deserdação) é medida extrema, porquanto, como bem pondera Washington de Barros Monteiro, "(...) retira a legítima do herdeiro necessário" (Monteiro, Washington de Barros. 37ª. ed. Direito das Sucessões. Saraiva: São Paulo, 2009, p. 239) e, portanto, a pretensão deduzida no presente apelo nobre merece passar pelo profilático crivo do Poder Judiciário.
A propósito da deserdação, veja-se o quanto dispunha o Código Civil de 1.916, in litteris: "Art. 1744. Além das causas mencionadas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes: I – ofensas físicas; II - injúria grave; III - desonestidade da filha que vive na casa paterna; IV - relações ilícitas com a madrasta, ou o padrasto; V - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade" . Já o artigo 1.595 do mencionado diploma legal, por seu turno, estatuía que: "São excluídos da sucessão (arts. 1.708, IV, e 1.741 a 1.745), os herdeiros, ou legatários: I - que houverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar; II - que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra; III - que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade" (grifos acrescidos).
Relativamente à "injúria grave" a que alude o artigo 1.744, inciso II, do Código Civil de 1.916, verifica-se que nem toda injúria pode dar ensejo à deserdação, senão aquela que seja, de fato, grave, intolerável e caracterizada pelo animus injuriandi . Anote-se, outrossim, que a gravidade da agressão deve ser analisada pelo julgador, diante das peculiaridades do caso concreto.
Sucede, todavia, que, in casu, os atos que se quer qualificar como "injúria grave" consistem no ajuizamento de ação de interdição bem assim na instauração do incidente de remoção do testador do cargo de inventariante.
Relativamente ao ajuizamento de ação de interdição, observa-se que o artigo 447, inciso II, do Código Civil de 1.916 dispunha, in litteris:"A interdição deve ser promovida: II - pelo cônjuge, ou algum parente próximo" . Acresça, outrossim, que tal qual o referido diploma legal, o Código de Processo Civil também regula a matéria no mesmo sentido (Art. 1.177. "A interdição pode ser promovida: II- pelo cônjuge ou algum parente próximo" ).
Já quanto à destituição do testador da inventariança, verifica-se que a lei processual civil, quando do regramento do processo e inventário e partilha, estabelece tal possibilidade. Nesse sentido, confira-se: "Art. 995. O inventariante será removido: I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras e as últimas declarações; II - se não der ao inventário andamento regular, suscitando dúvidas infundadas ou praticando atos meramente protelatórios; III - se, por culpa sua, se deteriorarem, forem dilapidados ou sofrerem dano bens do espólio; IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, deixar de cobrar dívidas ativas ou não promover as medidas necessárias para evitar o perecimento de direitos; V – se não prestar contas ou as que prestar não forem julgadas boas; Vl - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio. Art. 996. Requerida a remoção com fundamento em qualquer dos números do artigo antecedente, será intimado o inventariante para, no prazo de 5 (cinco) dias, defender-se e produzir provas. Parágrafo único. O incidente da remoção correrá em apenso aos autos do inventário".
Ambas as hipóteses, portanto, refletem, em verdade, o exercício regular de um direito, qual seja, o direito de ação garantido, não apenas por leis infraconstitucionais, senão também, frise-se, pela própria Constituição Federal, ex vi o quanto dispõe o seu artigo 5º, inciso XXXV. ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" ).
O exercício anormal do direito pode, de fato, ser objeto de censura. Todavia, o excesso, vale dizer, o exercício do direito em desacordo com o ordenamento jurídico não restou devidamente caracterizado nas Instâncias de origem.
Portanto, ante a impossibilidade de se revolver fatos e provas, não se pode conceber como abusivo o mero ajuizamento de ação de interdição ou até mesmo o pedido incidente de remoção do testador da posição de inventariante.
Por outras palavras, é dizer, para fins de fixação de tese, que o exercício do direito de ação mediante o ajuizamento de ação de interdição do testador, bem como a instauração do incidente tendente a removê-lo (testador sucedido) do cargo de inventariante, não é, por si, fato hábil a induzir a pena deserdação do herdeiro nos moldes do artigo 1.744, inciso II, do Código Civil de 1.916.
Resta, ainda, analisar a segunda tese articulada no recurso especial, qual seja, a caracterização, na espécie, da denunciação caluniosa (artigo 1.595, inciso II, do Código Civil de 1.916).
In casu, argumenta o recorrente que a denunciação caluniosa restou devidamente caracterizada no momento em que o recorrido, D.E.M.S.F., ao tentar remover o testador da condição de inventariante do inventário de sua mãe, teria asseverado que este estaria a praticar "operações fraudulentas" com a finalidade de omitir bens da partilha.
Pois bem, a lei civil de 1.916, conforme já mencionado previa o seguinte: "São excluídos da sucessão (arts. 1.708, IV, e 1.741 a 1.745), os herdeiros, ou legatários: II - que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra".
Verifica-se, outrossim, que, em conformidade com o artigo 339 do Código Penal, com a redação que lhe dera a Lei n. 10.028/2000, a denunciação caluniosa consiste em deflagrar "investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente".
Do cotejo entre os dois dispositivos, extrai-se validamente a seguinte indagação: a lei civil, ao prever a possibilidade de o herdeiro ser excluído da sucessão nas hipóteses em que acusar caluniosamente em juízo o sucedido, refere-se exclusivamente à acusação feita em juízo criminal?
Do fluxo dos argumentos e contrargumentos, esta Relatoria, realçando o viés punitivo da deserdação, está em que a melhor interpretação jurídica acerca da questão consiste em compreender que o artigo 1.595, inciso II, do Código Civil de 1.916, não se contenta com a acusação em juízo qualquer, senão em juízo criminal. Não se pode, diga-se, diante de um instituto que se propõe a excluir determinado sucessor da participação no acervo patrimonial deixado pelo falecido, imprimir-lhe exegese ampliativa.
Outras não são as lições de escólio de Washington de Barros Monteiro, para o qual: "Consoante o artigo 339 do Código Penal, a denunciação caluniosa consiste em dar causa a instauração de investigação policial ou processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o saiba inocente. Mas não basta qualquer acusação perante a polícia ou outra repartição pública. Torna-se preciso seja ela veiculada no juízo criminal, mediante queixa, e se revele falsa e dolosa"(Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões, v.6. Saraiva: São Paulo, 2000, p. 62).
Caio Mário da Silva Pereira por seu turno, assevera, in litteris: "O Código exige a acusação caluniosa em juízo criminal, seja com a formulação de queixa, seja mediante representação ao Ministério Público" (Pereira, Caio Mário da Silva. Direito das Sucessões. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 33). Ainda que assim não se entenda, ou seja, mesmo se admitindo a possibilidade de que a acusação caluniosa tenha ocorrido em juízo cível, como pretende o recorrente, era necessário, nos termos da lei penal, que a acusação tivesse inaugurado investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.
Na espécie, conforme consta do v. acórdão recorrido, não há qualquer comprovação de que o herdeiro recorrente tenha dado, por suas expressões em autos judiciais, início a qualquer dos procedimentos acima mencionados.
Neste contexto, escorreito é o entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em grau recursal, manteve a improcedência da presente ação de deserdação.
Nega-se, pois, provimento ao recurso.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
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