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TJ/RJ - Escola poderá tocar músicas folclóricas sem pagar ao Ecad

A Congregação de Nossa Senhora (Colégio Notre Dame) saiu vencedora da briga judicial contra o Ecad, que pretendia cobrar direitos autorais pelas músicas veiculadas durante as festas juninas e julinas da instituição.

1/3/2011


Direitos autorais

TJ/RJ - Escola poderá tocar músicas folclóricas sem pagar ao Ecad

A Congregação de Nossa Senhora (Colégio Notre Dame) saiu vencedora da briga judicial contra o Ecad, que pretendia cobrar direitos autorais pelas músicas veiculadas durante as festas juninas e julinas da instituição.

Para a Congregação, que propôs ação de desconstituição de débito, o uso das canções representaria uma simples comemoração de grande valor cultural que faz parte do calendário da grande maioria dos colégios brasileiros.

O Ecad alegava, no entanto, que somente escolas de músicas poderiam ter a isenção prevista na lei 9.610/98 (clique aqui) e que não é necessário a obtenção de lucro por parte daquele que veicula obra artística para caracterizar a obrigação de pagar a retribuição autoral. Ainda segundo o escritório de arrecadação, o Colégio Notre Dame é uma sociedade empresária, voltada ao ensino regular, que se utiliza da música para vencer os concorrentes tornando suas atividades mais agradáveis.

Segundo o relator, desembargador Antonio Iloízio Barro Bastos, da 12ª câmara Cível do TJ/RJ, a veiculação das canções em festas folclóricas nas escolas não enseja a cobrança pretendida pelo Ecad porque não tem como objetivo o lucro, "uma vez que os pais dos alunos não colocam seus filhos em uma escola só porque a festa por ela promovida é melhor ou tem as melhores músicas".

"O Apelante quer conferir ao art. 46, IV da lei 9.610/98 interpretação restritiva extremada, aduzindo que somente as escolas de música são alcançadas pela isenção prevista. Esse não é o entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça, pois os precedentes que cuidam de casos idênticos revelam que não precisa ser necessariamente uma escola de música para ser alcançado pela isenção. Os fins exclusivamente didáticos a que alude a norma de exceção não é exclusividade das escolas desta especialidade", explicou o relator.

Com a decisão, ele manteve sentença de 1ª Instância que já havia rejeitado pedido do Ecad.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

___________

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Ap. Cível nº 0222843-55.2009.8.19.0001 - fls. 1/6

APELAÇÃO CÍVEL

PROCESSO nº 0222843-55.2009.8.19.0001

APELANTE: ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD

APELADA: CONGREGAÇÃO DE NOSSA SENHORA

RELATOR: DES. ANTÔNIO ILOÍZIO BARROS BASTOS

DIREITOS AUTORAIS. ECAD. FESTA JULINA.

NORMA DE EXCEÇÃO. ENTENDIMENTO DO EG.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INTERPRETAÇÃO DA LEI.

1. Trata-se de ação ajuizada em que se busca desconstituir débito imposto em razão da veiculação de músicas inerentes às festas folclóricas promovidas por instituição de ensino.

2. O Apelante quer conferir ao art. 46, IV da Lei nº 9.610/98 interpretação restritiva extremada, aduzindo que somente as escolas de música são alcançadas pela isenção prevista.

3. Esse não é o entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça, pois os precedentes que cuidam de casos idênticos revelam que não precisa ser necessariamente uma escola de música para ser alcançado pela isenção. Os fins exclusivamente didáticos a que alude a norma de exceção não é exclusividade das escolas desta especialidade.

4. Em nível de hermenêutica, não há dúvida acerca da simbiose existente entre as festas folclóricas, com suas músicas, e a didática na vivência material desses elementos culturais. Ademais, não pode o intérprete levar seu exercício ao extremo a ponto de criar elementos não existentes na norma, que deve ser interpretada levando-se em consideração o diálogo entre as diversas expressões enunciadas. Por isso, andou bem a sentença em desconstituir a dívida apontada pelo ECAD.

5. Sentença mantida. Negado seguimento ao recurso.

DECISÃO DO RELATOR

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com desconstituição de débito ajuizada pela CONGREGAÇÃO DE NOSSA SENHORA (Colégio Notre Dame) em face do ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO - ECAD.

Aduz a Autora que foi cobrado pelo Réu o pagamento de direitos autorais, com base no art. 105 da Lei nº 9.610/98, em razão da execução de obras musicais nos eventos folclóricos que ano a ano são realizados nos meses de junho e julho; que tais eventos não são abertos ao público externo, não tendo fins lucrativos, representando simples comemoração de grande valor cultural que faz parte do calendário da grande maioria dos colégios brasileiros.

Alega o Réu, em sua contestação de fls. 31/61, que o art. 5º, V da Lei nº 9.610/98, conjugado com os arts. 28, 29 e 68 do mesmo diploma legal, determinam a obtenção de outorga prévia através de pagamento de retribuição autoral pecuniária para a utilização de obras intelectuais; que não há exigência legal de obtenção de lucro por parte daquele que veicula obra artística para caracterizar a obrigação de pagar a retribuição autoral; que a Autora é sociedade empresária, enquanto prestadora de serviços, voltada ao ensino regular, que se utiliza da música para vencer os concorrentes tornando suas atividades mais agradáveis; e que o Autor não se enquadra no permissivo constante no art. 46, VI, da Lei nº 9.610/98, porque enquadráveis tão somente aqueles estabelecimentos de ensino da própria música.

O processo culminou com a sentença de fls. 117/120, em que foi julgado procedente o pedido autoral para desconstituir os débitos.

O Réu apela às fls. 123/134 rebatendo os fundamentos da sentença no tocante ao enquadramento da Autora, ora Apelada, na norma de exceção, e a prescindibilidade de lucro auferido pelo uso da obra artística, e para tanto reprisa os argumentos veiculados em sua peça de defesa. No mais, aduz que houve confissão por parte do Apelado quando confirmou o art. 68, §3º da Lei nº 9.610/98, isto é, utilizou a obra artística em local de frequência coletiva.

O recurso é tempestivo e foi recebido à fl. 137.

Contrarrazões apresentadas às fls. 140/145.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Ab initio, cabe esclarecer que o ponto nevrálgico do presente caso limita-se ao enquadramento da atividade da Apelada à hipótese de exceção prevista no art. 46, VI da Lei nº 9.610/98. Sendo certo que o enquadramento esvazia de todo propósito discutir os demais argumentos e dispositivos invocados da lei de direitos autorais, simplesmente por uma questão lógica de prejudicialidade, isto é, perquirir se o caso concreto revela hipótese de exigência da contribuição autoral pecuniária só é possível caso não se trate de exceção à regra.

Nessa dimensão, o Apelante busca uma interpretação restritiva ao extremo, sustentando que quando o inciso IV alude a “fins exclusivamente didáticos” quer dizer, em verdade, que o Apelado deveria ser escola de música para ser atingido pela hipótese isencional em questão.

Ocorre que este Egrégio Tribunal de Justiça não se posicionou nesse sentido, ou melhor, não conferiu a essa regra interpretação restritiva ao extremo. Invariavelmente, todos os precedentes – inclusive deste órgão fracionário – em que se cuida de litígio idêntico ao ora em exame revelam uma só voz, qual seja, a de que a veiculação das músicas em festas folclóricas promovidas pelas escolas não rendem ensejo à cobrança pretendida pelo Recorrente, porque se trata de hipótese de isenção:

Ementa - Agravo Interno da Apelação Cível - Ação declaratória de inexistência de relação jurídica - Rito sumário - Direitos autorais - Veiculação de músicas em festa julhina promovida pela escola - Caráter eminentemente didático do evento, aplicando-se, portanto, o disposto no art. 46, VI da lei nº 9.610/98 - Recurso desprovido -Decisão mantida. (TJRJ. 1ª Câmara Cível. Apelação nº 2007.001.43074, Des. Mario Guimarães Neto, julg.: 27/11/2007)

Agravo Inominado na Apelação Cível. Procedimento sumário. Ação com pleito declaratório de inexistência de débito. Pedido contraposto. Cobrança de direitos autorais de estabelecimento de ensino. Hipótese de aplicação do art. 46, IV, da lei 9.610/98.

Constitui exceção ao pagamento pela utilização de obras intelectuais as atividades com fins meramente didáticos, desde que desenvolvida em estabelecimentos de ensino e não visem ao lucro. Procedência do pedido da autora e improcedência do pedido contraposto. Agravo inominado a que se nega provimento. (TJRJ. 3ª Câmara Cível. Apelação nº 0216226- 79.2009.8.19.0001, Des. Marcia Alvarenga, julg.: 11/05/2010) APELAÇÃO CÍVEL. (...) No mérito, não há que se falar em violação dos direitos autorais por parte da apelada, uma vez que, o artigo 46 da lei 9610/98 preceitua que a execução musical para fins didáticos em estabelecimentos de ensino sem finalidade lucrativa, não configura ofensa aos direitos autorais. Desprovimento do recurso. Sentença confirmada. (TJRJ. 12ª Câmara Cível. Apelação nº 2007.001.06698, Des. Binato de Castro, julg.: 10/07/2007)

A propósito, e à guisa de analogia, poder-se-ia invocar a força normativa dos precedentes, dado o desenvolvimento do direito nacional e a aproximação ao sistema do common law. Nesse diapasão, conforme acima mencionado, os casos tratados nos precedentes desta Corte são literalmente idênticos ao que ora se examina, motivo pelo qual as razões neles expostas, e que se alinham entre si, conformam uma norma de decisão que aqui se aplica.

Sobre o tema, vide doutrina especializada:

“Por isso, a rationale, ou seja, a razão dada pela Corte para adotar a norma que decide a lide, é essencial para a definição da própria norma, de seu escopo e âmbito de incidência. Não é possível determinar a regra vinculante sem recorrer à fundamentação do julgado. Assim, pode-se concluir que há uma fundamentação mínima, que constitui a lógica da decisão e que orienta a conformação da própria regra a ser extraída do precedente.”

Ademais, com todas as vênias do Apelante, a promoção dessas

festas folclóricas não tem escopo de lucro, a que alude a parte final da hipótese isencional, os pais dos alunos não vão colocar seus filhos numa escola só porque a festa junina por ela promovida é melhor ou tem as melhores músicas, razão pela qual não se afigura envolvente a conotação dada no sentido de que “a

utilização da música em suas dependências é um acréscimo às suas atividades, visando superar as demais concorrentes” (fl. 54).

Sem prejuízo da suficiência da exposição para o deslinde do litígio em exame, vale lançar algumas considerações acerca do alcance do fim exclusivamente didático a que alude o preceito isencional.

Não há dúvida de que as festas juninas e julinas fazem parte do folclore, que comporta um conjunto de costumes tradicionais, crenças, superstições, cantos, festas, indumentárias, lendas, artes, conservados no seio de um povo. Tais elementos fazem parte da cultura desse povo e à evidência são objetos de estudos. A didática, por sua vez, atine ao conceito de ensino, de instrução, o que leva a crer que integram a didática também os elementos culturais folclóricos.

Nessa perspectiva, como a instrução em sua amplitude não se limita à literalidade, mas vai além, albergando a prática, a vivência, que por sua vez fomente o motor da cultura de um povo, qual seja, passar conhecimento de uma geração à outra, é pouco mais que óbvia a conotação didática das aludidas festas folclóricas.

Por outro lado, em nível de hermenêutica, não pode o exegeta restringir ao extremo a interpretação a ponto de criar elementos não expressos nas normas de exceção. Esse exercício é tão reprovável quanto conferir conotação ampliada a essas mesmas normas. Ademais, a interpretação deve ser levada a cabo considerando-se o enunciado normativo em sua inteireza, sem olvidar o necessário diálogo que deve estar sempre presente entre as diversas expressões positivadas.

Nesse passo, quando o inciso IV do art. 46 da Lei nº 9.610/98 alude em sua parte final à necessária ausência do intuito lucrativo, dado que a lucratividade, em regra, tornou-se elemento prescindível à cobrança pretendida pelo Apelante, essa alusão só faz reforçar o caráter privativo familiar ou o escopo didático escolar da representação teatral e da execução musical.

Em suma, como no exercício exegético o intérprete não pode ir além das possibilidades semânticas do enunciado, e como acima ficou bem dimensionado o alcance da “exclusividade didática”, que não significa restrição somente às escolas de música, em que pese o louvável esforço, com todas as vênias, não parece ser a melhor interpretação aquela sugerida pelo Recorrente.

Por tais fundamentos, desde logo nego seguimento ao recuso, como permite o art. 557, caput, do CPC.

Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2011.

ANTÔNIO ILOÍZIO BARROS BASTOS

DESEMBARGADOR

Relator

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