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Garrafas de cachaça com marca em relevo continuam no mercado
A disputa entre as fabricantes de cachaça de São Paulo por causa dos vasilhames é antiga. Nos anos 80, duas empresas – a Missiato Indústria e Comércio e a Caninha Oncinha – entraram no Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade com uma representação contra a Müller, apontando suposta concorrência desleal.
Argumentavam que os vasilhames com a marca 51 não podiam ser usados pelas concorrentes, as quais teriam dificuldade para separar manualmente as garrafas reaproveitadas na indústria. De acordo com a representação, o uso de vasilhames personalizados pela Müller, que já liderava o mercado de cachaça, estava comprometendo o processo de produção das empresas menores e tornando a concorrência inviável.
O Cade julgou a representação improcedente, em 1989, mas a disputa continuou na Justiça. Em 1995, no curso de uma ação em que a Müller pedia indenização às duas outras empresas por conta da representação "abusiva" no Cade, foi celebrado acordo em que a fabricante da cachaça 51 se comprometeu a não mais adquirir os recipientes gravados em relevo. O acordo foi homologado pela juíza da Vara Única de Santa Rita do Passa Quatro/SP.
Oito anos depois, a Missiato e a Oncinha ajuizaram ação de execução da sentença que havia homologado o acordo, alegando descumprimento por parte da Müller, pois os vasilhames marcados teriam reaparecido. A juíza, em liminar, determinou que a fabricante da 51 retirasse de circulação todas as garrafas com a logomarca que tivessem sido introduzidas no mercado depois de 1º de fevereiro de 1995, sob pena de multa diária equivalente a cem salários-mínimos.
Em sua defesa, a Müller entrou com embargos à execução, recebidos sem efeito suspensivo – portanto, sem força para impedir o cumprimento imediato da liminar. Esse efeito suspensivo veio a ser conferido depois pelo TJ/SP, a pedido da Müller. Contra a decisão do TJ/SP, a Missiato e a Oncinha ingressaram no STJ com dois recursos especiais.
Tecnicidade duvidosa
De acordo com as recorrentes, os embargos à execução não poderiam ter sido admitidos no processo, muito menos com efeito suspensivo. Segundo elas, a lei 10.444/02 (clique aqui), ao reformar o processo de execução de títulos judiciais, tornou impossível a oposição de embargos, pois, na fase de cumprimento de sentença, a defesa só poderia ter sido feita por meio de impugnação, que é um incidente processual próprio, ou ainda mediante simples petição requerendo a execução do julgado no mesmo processo em que foi decidido.
Os argumentos das duas empresas não convenceram a relatora dos recursos, ministra Nancy Andrighi. De acordo com ela, a reforma do CPC, feita pela lei 10.444/02, realmente negou a possibilidade de embargos nas execuções de títulos judiciais, mas essa alteração tinha em conta que a nova forma de execução "seria realizada imediatamente após o trânsito em julgado da decisão, o que tornaria bastante improvável a ocorrência de fatos extintivos da obrigação, como por exemplo o adimplemento ou a prescrição".
De acordo com a ministra, "embora a impugnação tenha substituído os embargos como o instrumento adequado para exercer resistência ao processo de execução de título judicial", há situações excepcionais em que a legislação admite outro caminho processual, o que pode fazer surgir uma dúvida "legítima" – sobretudo tendo se passado oito anos entre a sentença e o início da execução, como no caso em julgamento.
"Apesar da duvidosa tecnicidade do instrumento processual eleito pela recorrida, deve-se examinar a espécie sob o prisma dos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. Se a medida escolhida é necessária e pode ser aproveitada, atende ao fim precípuo do processo, que é mero instrumento para a concretização do direito material", disse a ministra Nancy Andrighi, em seu voto.
Quanto ao efeito suspensivo, a relatora lembrou que ele era automático à época da oposição dos embargos pela Müller, conforme determinava o CPC então vigente. A ministra assinalou que o surgimento de lei processual nova não retira a eficácia dos atos já realizados nos processos em andamento. O voto da ministra – reconhecendo a possibilidade dos embargos à execução e o respectivo efeito suspensivo, na mesma linha do entendimento do TJ/SP – foi acompanhado de forma unânime pela 3ª turma do STJ.
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Processo relacionado : Resp 1027019 - clique aqui.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.019 - SP (2007/0309565-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MISSIATO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA
ADVOGADO : CLÁUDIA BARCELLOS BORTOLINI MISSIATTO
RECORRIDO : COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS LTDA
ADVOGADO : RUI GERALDO CAMARGO VIANA E OUTRO(S)
INTERES. : CANINHA ONCINHA LTDA
ADVOGADO : FERNANDO ANSELMO RODRIGUES E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LEI 10.444/02. CABIMENTO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. EFEITO SUSPENSIVO. CONCESSÃO. POSSIBILIDADE.
1. Em algumas situações excepcionais, não é possível aplicar o regime de execução indireta prevista pelo art. 461 do CPC. Por essa razão, o art. 644 do CPC autoriza a aplicação subsidiária da disciplina tradicionalmente prescrita ao processo de execução por obrigações de fazer ou não fazer (arts. 632 a 643 do CPC).
2. A oposição de embargos à execução, em vez de impugnação, ao cumprimento de sentença deve ser examinada sob o prisma dos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. Se a medida eleita pela parte é necessária e pode ser aproveitada, atende ao fim precípuo do processo, que é mero instrumento para a concretização do direito material.
3. Se os embargos à execução foram admitidos pelo Juízo de primeiro grau e se à época do recebimento o regime processual vigente determinava a paralisação do processo executivo (art. 739, § 1º, do CPC), não há porque negar essa prerrogativa ao devedor.
4. Tanto o art. 475-M quanto o art. 739-A, § 1º, do CPC, com a redação que lhes foi dada pelas recentes reformas do CPC, admitem a excepcional concessão de efeito suspensivo à impugnação ou aos embargos à execução, “desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado dano grave ou de difícil reparação”.
5. Recursos especiais a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. MinistrosSidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Massami Uyeda. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Dr(a). MAURÍCIO PESSOA, pela parte RECORRIDA: COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS LTDA.
Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
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