Preciosidade
Prestes a fechar, icônico Cinema Belas Artes pode ser tombado
Há quase 70 anos, na esquina da av. Paulista com a rua da Consolação, em São Paulo, funciona o Cine Belas Artes. O edifício que abriga o cinema foi requerido pelo proprietário no final do ano passado, obrigando o "Noitão Belas Artes" (evento mensal com sessões a preços populares na madrugada) a mudar de endereço. Em tese, dia 27 de janeiro é o prazo para a entrega do prédio.
A reação dos paulistanos foi imediata: do site "Patrocine o Cinema Belas Artes" à manifestação de personalidades da cultura e da política. O fechamento ou não do cinema pode ter o seu "Dia D". Amanhã, 18/1, está marcada uma reunião do Concresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental) que vai decidir pelo tombamento do lendário edifício.
A questão da preservação do patrimônio histórico e cultural é relativamente recente no Direito brasileiro. Na Constituição de 1934 (clique aqui), o art. 10 previa a competência da União e dos Estados na proteção das belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico. Três anos depois, o decreto-lei 25/37 (clique aqui), organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional; o tombamento foi mais bem detalhado, assim como os efeitos para os proprietários.
Como relatou Nabil Bonduki, arquiteto e professor da FAU-USP, em artigo de 13/1 na Folha de S.Paulo, inicialmente a noção de valor histórico e cultural era voltada para a importância arquitetônica e artística, com a valorização da cultura tradicional luso-brasileira. A lei de Arqueologia (lei 3.924/61 - clique aqui) decreta os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza sob guarda e proteção do poder público; depois dela, a lei 5.471/68 (clique aqui) determina a proteção do acervo bibliográfico nacional, proibindo a exportação de bibliotecas e acervos documentais brasileiros sobre o Brasil, produzidos nos séculos XVI a XIX.
Ao longo do tempo, a noção de patrimônio histórico e cultural evoluiu. Na década de 70, a lei 6.292/75 (clique aqui) estipula os procedimentos sobre o tombamento de bens no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural – IPHAN.
Por fim, veio a CF/88 (clique aqui). No art. 5,
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Já o art. 216 define o que é considerado patrimônio cultural brasileiro e as formas de sua proteção:
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
E é exatamente disso o que o Cine Belas Artes carece: "Trata-se do direito de que as gerações futuras têm de conhecer o que de realce se construiu na esfera cultural", como disse Edimur Ferreira de Faria1 em artigo no livro "Direito e Proteção do Patrimônio Cultural Imóvel". Para o autor, o tombamento do edifício significa inscrever o bem cultural em livro próprio, denominado Livro do Tombo, com o intuito de proteção e conservação.
Nesse sentido, é importante ressaltar que a classificação de um bem com valor histórico e cultural varia; um bem pode ter inestimável valor para um município ou Estado e não para a União, por exemplo. Assim, o ordenamento jurídico específico faz-se necessário. Não à toa, há regras específicas Brasil afora.
Na cidade paulistana, a lei 12.350/97 (clique aqui) concede incentivo fiscal aos proprietários de imóveis ou patrocinadores de obras de recuperação externa e conservação de imóveis objetos do Programa de Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo.
A valorização dos espaços urbanos na cidade de São Paulo e em muitas outras não é renegada juridicamente, principalmente nas localidades onde as construções, modificações, apropriações e criações humanas destacam-se em relação às dádivas naturais. O PL 7955/10 (clique aqui) declara o acarajé patrimônio cultural imaterial do Brasil; o PL 7778/10 (clique aqui) declara o mesmo do SAARA, área de comércio na cidade do Rio de Janeiro.
História cinematográfica
O cinema não está sob holofotes pela primeira vez em São Paulo. Já em 2004, a lei 13.712 (clique aqui) determinava incentivos fiscais nos cinemas que funcionem em imóveis de acesso por espaços públicos ou semipúblicos, como isenção de IPTU ou isenção parcial de ISS, em troca de oferta de cota mensal de ingressos gratuitos.
Até o dia 27 de janeiro, estão em cartaz no Cine Belas Artes duas mostras de clássicos com duas sessões diárias, às 18h30 e às 21h, para rememorar a Era de Ouro do cinema. A reunião do Concresp amanhã pode decidir sobre o futuro do que muitos paulistanos consideram símbolo de uma cultura, de memórias e histórias paulistanas.
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1DIAS, Maria Thereza Fonseca; PAIVA, Carlos Magno de Souza. "Direito e Proteção do Patrimônio Cultural Imóvel". 1ª edição. Belo Horizonte, Editora Fórum:2010. p.55.