Opinião
Advogado analisa MP do sigilo fiscal
O advogado Marcelo Knopfelmacher (presidente do MDA - Movimento de Defesa da Advocacia e advogado do escritório Knopfelmacher Advogados) tece comentários acerca do artigo 5º da MP 507 (clique aqui), que pune violação do sigilo fiscal, e da restrição quanto à utilização de instrumento particular de procuração, para atuação em nome do contribuinte junto à Administração Pública.
O artigo
Art. 5º Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o substabelecimento por instrumento particular.
§ 1º A partir da implementação do registro eletrônico de que trata o art. 37 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, o instrumento de mandato de que trata o caput deverá ser disponibilizado eletronicamente à Secretaria da Receita Federal do Brasil para operar os efeitos que lhe forem próprios.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à outorga de poderes para fins de utilização, com certificação digital, dos serviços disponíveis no Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte da Secretaria da Receita Federal do Brasil, quando referida outorga for:
I - realizada pessoalmente em unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil; ou
II - realizada por meio de certificado digital, nos termos regulados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 3º A Secretaria da Receita Federal do Brasil editará os atos para disciplinar o disposto neste artigo.
Leia abaixo os comentários do advogado sobre a questão.
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1. Está em análise, perante a Comissão de Assuntos Tributários do MDA - Movimento de Defesa da Advocacia, entidade da qual sou o Diretor Presidente, a conformidade desse dispositivo (artigo 5º da MP 507) com os preceitos legais e constitucionais.
2. Isto porque, matéria que trate de processo civil (inclusive processo administrativo, na nossa visão) não pode ser regulada por Medida Provisória (consoante o disposto no artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, alínea "b" da Constituição Federal);
3. Além disso, a exigência de instrumento público, que irá burocratizar ainda mais as relações Fisco-contribuinte, é incompatível (registro novamente que a Comissão de Assuntos Tributários do MDA ainda vai se pronunciar, mas já adianto minha posição pessoal), com o disposto no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), a saber:
"Artigo 7º. São direitos do Advogado:
(...)
XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;
(...)" (destaquei)
"Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.
§ 1º O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período.
§ 2º A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais.
§ 3º O advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo." (destaquei)
4. Pela leitura dos dispositivos supra transcritos, verifica-se não constar, do Estatuto da Advocacia, nenhuma exigência de que o mandato deve ser por meio de instrumento público.
5. Muito pelo contrário, o Código de Processo Civil, em seu artigo 38, deixa claro que o uso da procuração geral para o foro pode ser conferida tanto por instrumento público como particular, habilitando o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para "receber citação pessoal, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso."
6. Ainda dispõe o parágrafo único do artigo 38 do CPC, introduzido pela recente Lei nº 11.419/2006, que "a procuração (sem distinguir entre procuração por instrumento público ou privado) pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por autoridade certificadora credenciada, na forma da lei específica".
7. Ou seja, não se faz nenhuma exigência, no CPC, de que a procuração para acesso e vista de processos judiciais (e analogamente administrativos) deva ser por instrumento público.
8. Por último, registre-se que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) somente exige registro público, em relação aos seguintes títulos e documentos:
"Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: (Renumerado do art. 130 pela Lei nº 6.216, de 1975).
1º) os contratos de locação de prédios, sem prejuízo do disposto do artigo 167, I, nº 3;
2º) os documentos decorrentes de depósitos, ou de cauções feitos em garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos instrumentos;
3º) as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado;
4º) os contratos de locação de serviços não atribuídos a outras repartições;
5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária;
6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;
7º) as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam;
8º) os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior.
9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento."
9. Em nenhuma hipótese, poranto, da Lei de Registros Públicos é referida a situação de mandato para acesso e vistas de processo administrativo perante a Administração Pública.
10. Se tanto não bastasse, Medida Provisória não pode dispor sobre organização do Poder Judiciário (artigo 62, parágrafo 1º, I, "c" da Constituição, sendo certo que, nos termos da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), seu artigo 2º é enfático ao preconizar que:
"Art. 2º Os registros indicados no § 1º do artigo anterior ficam a cargo de serventuários privativos nomeados de acordo com o estabelecido na Lei de Organização Administrativa e Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios e nas Resoluções sobre a Divisão e Organização Judiciária dos Estados (...)"; (destaquei)
Por tais razões é que entendo (sem prejuízo de ulterior deliberação da Comissão de Assuntos Tributários do MDA), totalmente ilegal e inconstitucional essa exigência constante do artigo 5º da MP 507, que, por constar de veículo legislativo próprio (Medida Provisória sem observância ao mencionado artigo 62, parágrafo 1º, I, "b" e "c" da Constituição), não poderia ter alterado a Lei de Registros Públicos sem lhe fazer expressa menção, ou ainda sem fazer constar cláusula expressa de revogação das disposições em contrário, nem tratar de matéria afeta ao processo civil e administrativo, além de burocratizar ainda mais a relação Fisco-contribuinte e de transgredir por via oblíqua, no nosso entendimento, o Estatuto da Advocacia.
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