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Solidariedade - Advogado comenta as recentes declarações dadas pela ministra Eliana Calmon

O advogado Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho, do escritório Do Val, Pereira de Almeida e Nascimento Advogados, comenta recentes declarações dadas pela ministra Eliana Calmon ao Estadão e à Veja.

7/10/2010

Judiciário

Solidariedade - Advogado comenta as recentes declarações dadas pela ministra Eliana Calmon

O advogado Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho manifesta solidariedade ao comentar recentes declarações dadas pela ministra Eliana Calmon ao Estadão e à Veja.

Segundo o advogado, "a imprevisibilidade do judiciário brasileiro, porque decide mal e, em geral, favorecendo quem não tem razão, é uma das principais causas do aumento de demandas e da conseqüente lentidão da Justiça".

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Solidariedade à Corregedora Nacional de Justiça

por Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho

As declarações da Ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, ao jornal “O Estado de S. Paulo”, edição de 30.IX.2010, deram alento a todos quantos são vítimas do Poder Judiciário. Quer sejam vítimas de lesão de direitos quer sejam advogados honestos.

Sem embargo de que ela, talvez, tenha se valido de eufemismo para amenizar a repercussão de sua denúncia. De fato, inúmeras decisões resultam de exercício de vaidade, desqualificação profissional, favorecimento da parte que causou a lesão ao direito. Daí, ao ser interpelado pelo advogado da vítima, o juiz, sem disfarçar a prepotência, com sorriso na comissura dos lábios, diz ‘se não está satisfeito, então, agrave’ ou, ‘... então, recorra’.

Em suma, decisões contrárias ao direito, dão causa a recursos com a conseqüente morosidade e insegurança jurídica. Se houvesse previsibilidade de julgamento em benefício da vítima de lesão do direito, a maioria dos causadores de danos ressarciria a vítima antes do início do processo judicial ou, logo em seu início. Aliás, como se verifica nos países civilizados do hemisfério norte.

Lá, no estrangeiro, a vítima do dano ameaça o devedor com a propositura da ação, então, o dano é indenizado antes de qualquer medida judicial. Aqui, no Brasil, o sócio desonesto que furtou o patrimônio da viúva e dos filhos do falecido sócio, desdenha suas vítimas a dizer, ‘reclamem seus direitos na justiça’. O mesmo o faz o inadimplente contumaz, o síndico desonesto do condomínio, o esbulhador da propriedade, o incorporador imobiliário negligente, etc., ‘reclamem seus direitos na justiça’!

A imprevisibilidade do judiciário brasileiro, porque decide mal e, em geral, favorecendo quem não tem razão, é uma das principais causas do aumento de demandas e da conseqüente lentidão da justiça. Isso acontece porque a população é incauta, tem ilusões acerca da justiça. No entanto, a Ministra Corregedora Nacional de Justiça fala com conhecimento de causa, por isso ela teme precisar da justiça.

Nem se cogite das sentenças, dos acórdãos que decretam a ‘quadratura do círculo’ ou a ‘revogação da lei da gravidade’, embora freqüentes. Seria necessário, apesar de improvável, impedir que o juiz se valesse daquela que ele pretende como a lei maior. A lei que se sobrepõe a Constituição e toda ordem jurídica. Refiro-me a ‘lei do mínimo esforço’.

Os direitos são mandados às urtigas sempre que conflitam com a ‘lei do mínimo esforço.’ A moda agora é conciliação. Vale dizer, é atropelar o direito, para obrigar a vítima da lesão a um desvantajoso acordo, de maneira que o juiz, engorde sua ‘estatística produtiva’, sem ter que sentenciar.

Há alguns anos, em causa própria, eu fui vítima dessa ignomínia. Depois de um ano, inclusive com a interposição de agravo, marcou-se audiência de julgamento. Na data aprazada o ilustre juiz ameaçou-me com uma decisão desfavorável, se eu recusasse acordo, obrigando-o a sentenciar. Requeri que a ameaça constasse da ata. Mas, o juiz não teve hombridade para documentar sua coação. Sozinho, sem testemunhas, como mal menor, submeti-me à violência, afinal meu direito havia sido reconhecido pela parte contrária, apenas não fui reembolsado das custas judiciais, das despesas efetuadas, do tempo despendido e do trabalho realizado, tampouco recebi honorários.

Outra relevante causa da ineficiência do judiciário são as greves dos servidores da justiça. Por que tantas greves? Os servidores recebem muito mais, o dobro ou o triplo, do que receberiam por trabalho similar na iniciativa privada. Então, por que reclamam aumentos abusivos e interrompem sua atividade em prejuízo do funcionamento da máquina judicial? A explicação é simples. Eles, servidores, são estimulados a reivindicações descabidas pelo parâmetro daquilo que os juízes se auto-atribuem, em seções secretas ou discretas.

Com efeito, no início do 2º semestre de 2000 um judiciário estadual foi paralisado por uma greve de funcionários que se arrastou até o final do mês de novembro. As pretensões eram descabidas. No entanto, o movimento dos funcionários estava ciente do teor de deliberações ‘secretas’ do órgão especial do tribunal. Deliberações relativas à concessão aos desembargadores, extensivas em cascata a todos os juízes, de expressivas ‘boladas’ a título compensações das diferenças do ‘planos econômicos’, retroativamente calculadas, bem como a sua incorporação aos respectivos vencimentos.

A bem da verdade, diga-se que, de um total de mais de 130, na ocasião, 4 desembargadores recusaram-se receber tais vantagens, por imperativo ético. Aliás, tempos depois, um desses 4, também integrante do órgão especial daquele tribunal, conseguiu impor uma emenda regimental, proibindo que fossem secretas as sessões referentes a auto-concessão de privilégios pecuniários. Enfim, à margem das diversas greves que aconteceram a partir de 2000, podem se ocultar vantagens financeiras ou não, que a magistratura se adjudicou. Não é por outro motivo que certos tribunais são tão recalcitrantes em relação ao Conselho Nacional de Justiça, daí, porque até se negam a prestar as informações solicitadas.

Antes de arrematar é preciso admitir que uma das principais causas do descalabro da distribuição de justiça no Brasil tem origem na lei processual. Essa legislação, a meu ver, foi proposital e deliberadamente concebida para senão impedir, pelo menos dificultar ao máximo, a aplicação do direito substantivo. Exemplo gritante é o Código de Processo Penal, gerado na ditadura Vargas, é o garante da impunidade dos criminosos.

É certo que alguns de seus despautérios foram maliciosa e sorrateiramente incorporados à Constituição. Evidências, fatos, circunstâncias que nos países civilizados do hemisfério norte dão causa à condenação seguida de imediata prisão do criminoso, aqui, tem a contrapartida do ‘não restou provado’, ‘princípio do contraditório’, ‘presunção de inocência’, etc., enfim, construções adrede engendradas para assegurar a impunidade dos eminentes corruptos, quer da administração pública quer da iniciativa privada.

Ora, essas evidências, fatos, circunstâncias são de pronto assimiladas até por crianças como prova irrefutáveis de crimes. Todavia, na contramão das democracias mais adiantadas do planeta, a jurisprudência brasileira está a assimilar a ‘cláusula pétrea’ os instrumentos da impunidade, para melhor proteger certos crimes e criminosos.

Basta verificar as obras públicas superfaturadas, com seus respectivos aditamentos de contrato, nelas o crime e a autoria ativa e passiva são óbvias, mas no Brasil safam-se todos. É comum certos governantes que, sem terem exercido qualquer atividade empresária ao longo da vida (exceto aquelas decorrentes do próprio cargo público), acumularem fortunas obscenas durante o exercício da administração pública. Nesses casos a presunção de peculato é imperativa. Contudo, aqui a justiça os absolve sob o argumento de que ‘não restou provado’.

O processo civil não tem melhor sorte. É contaminado por dois vícios insanáveis. Um formalismo esquizofrênico e a teratológica presunção de que toda vítima de lesão ao direito, o autor da demanda, está errado e, por conseguinte, o causador da lesão, réu do processo, é inocente. Destaque-se ser muito conveniente esse formalismo. Conveniente enquanto instrumento de sonegação de justiça, pois, exonera o julgador de examinar o mérito das causas e, se for o caso, embasar um julgamento fraudado.

Em decorrência da teratológica presunção que privilegia quem causou o dano ou o esbulho da propriedade, etc., em detrimento da sua vítima, é comum que a primeira contestação nos autos seja um despacho judicial, antes mesmo do comparecimento do réu ao processo. Seria bem vinda a norma que determinasse o pronto afastamento do juiz, com prejuízo dos vencimentos, toda vez que ele ousasse prestar ‘tutela jurisdicional’, sem requerimento das partes. Ao contrário do Brasil, sublinhe-se que nos países civilizados, em particular os de ‘common law’, o sistema processual presume o demandante com a razão. No entanto, nos povos civilizados quando o autor e/ou seu advogado postulam em juízo sem razão, mediante procedimentos fraudulentos, eles são punidos de plano.

O atual Conselho Nacional de Justiça consiste numa primeira e tímida tentativa de proteger a cidadania contra um Poder Judiciário ineficiente, moroso, injusto, integrado por muitos juízes despreparados, arrogantes, vaidosos e até corruptos. É preciso ampliar os poderes do CNJ, inclusive sobrepondo-o ao Supremo Tribunal Federal relativamente à função de punir o juiz corrupto, demitindo-o em julgamento público, com prejuízo dos vencimentos, Deverá ser assegurado ao CNJ o direito de intervir em qualquer tribunal brasileiro, afastando o dirigente desonesto, também com prejuízo dos vencimentos. Configurar crime a falta de imediata obediência à determinação do CNJ pelos membros do judiciário, facultando-se, de ofício, a demissão do criminoso, com prejuízo dos vencimentos. Além disso, o CNJ deverá ser multiplicado e distribuído regionalmente pelo país, sendo que sua composição deverá ser alterada e oxigenada mediante a substituição de alguns dos atuais juízes por cidadãos estranhos ao mundo jurídico.

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'Sou juíza que teme precisar da Justiça'

Recém-nomeada, a magistrada diz que o Judiciário está '100 anos atrasado' e que espera combater a morosidade do sistema, da qual ela própria se diz vítima

A nova corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, é uma vítima da morosidade do Judiciário brasileiro. Há quatro anos, após a morte de seu pai, ela espera que a Justiça conclua o inventário. Mas, como ela mesma define, este foi mais um caso que caiu nas "teias do Poder Judiciário". Por isso, diz que prefere resolver seus problemas sem a intervenção da Justiça. "Eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça", afirma.

Eliana é responsável por corrigir eventuais desvios dos magistrados e trabalhar justamente para que problemas como a morosidade se resolvam. Ela substitui o ministro Gilson Dipp e terá dois anos de mandato. Dentre os exemplos de morosidade do Judiciário, a ministra cita o julgamento da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou empatado na semana passada. "Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário."

Que imagem a senhora tinha do Judiciário antes de chegar à corregedoria?

Eu sou uma crítica do Poder Judiciário. E seria uma incoerência não vir para a corregedoria num momento em que a vida me permitiu fazer alguma coisa para combater a burocracia que eu critico. Com dez dias apenas de atividade, estou vendo muito mais do que eu sabia. Eu sabia da disfunção, do atraso do Judiciário. Mas aqui tomei consciência de que não existem culpados específicos. Essa disfunção vem da disfunção estatal.

Por que isso ocorre?

Cada Estado tinha uma Justiça absolutamente independente. Eles se organizavam como queriam. Não havia controle das pessoas que organizavam a Justiça. A partir daí pudemos detectar que tínhamos 27 feudos. Tinham independência como Poder e são geridos por grupos de desembargadores que não se alternam no poder. Essas circunstâncias específicas do Poder Judiciário e que a lei estabeleceu (vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados) para dar maior garantia ao jurisdicionado começou a fazer mal ao próprio Judiciário.

Quem é prejudicado por isso?

Toda essa disfunção deságua nas mãos dos jurisdicionados com o atraso dos processos. Estamos 100 anos atrasados em tudo: nos prédios, nos funcionários, nas práticas de serviço público, na informática - ainda existem magistrados que não usam computador ou usam apenas como máquina de escrever. São essas práticas que levam a essa disfunção. E essa disfunção é de um tamanho inacreditável. Só em São Paulo temos 16 milhões de processos. E isso com um custo Brasil imenso. Quando se entra no Judiciário não se tem expectativa de quando se sai, quanto vai custar o processo.

Se for possível resolver uma pendência sem precisar da Justiça, a senhora prefere?

Com certeza. Hoje, eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça. Eu temo precisar da Justiça.

Isso é insolúvel?

Nada é insolúvel. Eu sou extremamente otimista. Agora, nós não resolveremos o Poder Judiciário com menos de 10 anos. Não resolveremos. Porque todos os controles da sociedade, e que estão nas mãos do Judiciário, estão com problemas.

Por exemplo?

A política carcerária. Nós temos problemas gravíssimos. Isso não é só do Judiciário. É do Executivo também. Pelo fato de o Executivo não realizar a política pública necessária, o juiz vai se desinteressando pelos presos pelos quais é responsável. O juiz virou um assinador de papel. Ele assina a carta de guia, manda o preso para a penitenciária e estamos encerrados. Ele não examina, não conduz, não acompanha.

Mas não é possível resolver isso mais rapidamente?

Eu acho que a Justiça só se resolve a longo prazo. Casos episódicos nós podemos resolver. Eu estou com um pedido para São Paulo de alguém que está há 24 anos na Justiça brigando com o irmão. E depois de ganhar em todas as instâncias, o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde houve nada mais nada menos que seis embargos de declaração, recursos para que o processo não saísse de dentro do Supremo. Agora, a parte vencida molhou a mão do juiz para que a execução não se complete. Essa é a realidade.

Qual é o tamanho da corrupção do Judiciário?

Num momento em que se tem um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade, de eficiência, temos um campo fértil para a corrupção. Começa-se a vender facilidades em razão das dificuldades do sistema. Para julgar um processo, às vezes um funcionário, para ajudar alguém, chega para o juiz e pergunta se ele pode julgar determinado processo. Aí vem um bilhetinho de um colega, eu mesmo faço a toda hora: "Na medida do possível dê um pedido de preferência para um baiano aflito que está querendo ser julgado." Essas coisas começam a acontecer. E quem não tem amigo para fazer um bilhetinho para o juiz?

E como se acaba com a corrupção?

Acaba-se com a corrupção na medida em que se possa chegar às causas dessa corrupção. Parte disso é fruto da intimidade indecente entre o público e o privado, entre a atividade judicante e política e a interferência dos políticos nos tribunais. Só se acaba com a corrupção combatendo as causas, não as consequências. Punir os corruptos é como fazer uma barragem para ele não propagar seu comportamento deletério.

E as corregedorias dos Estados funcionam a contento para resolver esses problemas?

Não. Elas nunca funcionaram a contento. O corregedor local, sozinho, não pode fazer muita coisa. Como dizia Aliomar Baleeiro (ex-deputado e ex-ministro do STF): lobo não come lobo. É difícil para um corregedor começar a se rebelar contra seus colegas.

Alguns magistrados, agora no Tocantins, estão dando liminares contra a publicação de matérias contra políticos. O que a senhora acha disso?

Nós sabemos que a transparência é um dos princípios de toda democracia. A notícia naturalmente é benfazeja e está ligada à transparência de toda e qualquer atividade do Estado. A explicação para decisões nesse sentido só pode estar na tentativa de alguém proteger alguém. Eu acredito piamente nisso.

A Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade de políticos antes da condenação em última instância, é uma reação à morosidade da Justiça?

Sim. E parece que nós colocamos também a Ficha Limpa na morosidade da Justiça. É como se fosse uma teia de aranha. Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário. A prova maior da disfunção do Judiciário está na tramitação desse projeto no Judiciário.

QUEM É

Eliana Calmon Alves nasceu em 5 de novembro de 1944 na capital baiana. Formou-se em direito pela Universidade Federal da Bahia em 1968. Foi juíza federal na seção Judiciária da Bahia no período entre 1979 e 1989 e juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª região entre 1989 e 1999, Assumiu o cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça há 11 anos.

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A corte dos padrinhos

A nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça diz que é comum a troca de favores entre magistrados e políticos

A ministra Eliana Calmon é conhecida no mundo jurídico por chamar as coisas pelo que são. Há onze anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana já se envolveu em brigas ferozes com colegas — a mais recente delas com então presidente César Asfor Rocha. Recém-empossada no cargo de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra passa a deter, pelos próximos dois anos, a missão de fiscalizar o desempenho de juizes de todo país. A tarefa será árdua. Criado oficialmente em 2004, o CNJ nasceu sob críticas dos juizes, que rejeitavam idéia de ser submetidos a um órgão de controle externo. Nos últimos dois anos, o conselho abriu mais de 100 processos para investigar a magistratura e afastou 34.

Em entrevista a VEJA, Eliana Calmon mostra o porquê de sua fama. Ela diz que o Judiciário está contaminado pela politicagem miúda o que faz com que juízes produzam decisões sob medida para atender aos interesses dos políticos, que, por sua são os patrocinadores das indicações dos ministros.

Por que nos últimos anos pipocaram tantas denúncias de corrupção no Judiciário? Durante anos, ninguém tomou conta dos juizes, pouco se fiscalizou, corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juizes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão.

A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura depende desss troca de favores? O ideal é que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do Judiciário.

Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as nomeações são feitas pelo presidente da República?

Estamos falando de outra questão muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário. Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal.

A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro César Asfor Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos. É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos. O STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar? Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um traficante? Há uma mistura e uma intimidade indecente com o poder.

Existe essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da política? Para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político.

Mas a senhora, como todos os demais ministros, chegou ao STJ por meio desse mecanismo. Certa vez me perguntaram se eu tinha padrinhos políticos. Eu disse: "Claro, se não tivesse, não estaria aqui". Eu sou fruto de um sistema. Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem de primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República e ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.

No caso da senhora, alguém já tentou cobrar a fatura depois? Nunca. Eles têm medo desse meu jeito. Eu não sou a única rebelde nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala. Colegas que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de escolher um assessor sequer, porque já está tudo preenchido por indicacão política.

Há um assunto tabu na Justiça que é a atuação de advogados que também são filhos ou parentes de ministros. Como a senhora observa essa prática? Infelizmente, é uma realidade, que inclusive já denunciei no STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra para coibir. É um problema muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes.

E como resolver esse problema? Não há lei que resolva isso. É falta de caráter. Esses filhos de ministros tinham de ter estofo moral para saber disso. Normalmente, eles nem sequer fazem uma sustentação oral no tribunal. De modo geral, eles não botam procuração nos autos, não escrevem. Na hora do julgamento, aparecem para entregar memoriais que eles nem sequer escreveram. Quase sempre é só lobby.

Como corregedora, o que a senhora pretende fazer? Nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa doença que é a "juizite".

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